PROSTITUIÇÃO ELEITORAL
Humberto Ellery*
Humor se constitui, desde os filósofos pré-Socráticos, como um
poderoso (e perigoso) instrumento capaz de potencializar os efeitos que se
pretende para um discurso, desde que utilizado com parcimônia e elegância. Na
última reunião da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo conversei
longamente com o confrade José Augusto Bezerra sobre isso.
No capítulo III De Risu, do sexto livro Oratoria de
Quintiliano, aprendemos que o riso é necessário para abordarmos assuntos
sérios, pelo poder que tem de relaxar e desarmar espíritos, sendo imperioso o
cuidado de evitar rir de desgraças e também de debochar, escarnecer de modo a
ofender as pessoas. Daí eu gostar de, mantidos os devidos cuidados,
sempre relacionar um assunto sério com uma anedota.
Dito isso, lembrei de um fato narrado pelo Menestrel de Itapoã, o
Juca Chaves, que certa vez sentou-se num avião a caminho da Boa Terra, ao lado
de outro “avião”. Segundo suas palavras era uma morena de olhos verdes, tão
linda que o deixou completamente enlouquecido.
Disposto a conquistar a jovem a qualquer preço resolveu jogar
pesado e partiu direto para o ataque:
– Minha filha, por um milhão de dólares você faria amor comigo?
A moça, surpreendida com tanta ousadia, e pelo inusitado da
situação, apenas conseguiu balbuciar:
– Hein?
Antes que a jovem conseguisse recuperar o fôlego o Menestrel
insistiu:
– Pense bem: um milhão de dólares cash, estão aqui nesta
pasta.
A jovem ficou uns instantes atônita, em seguida sorriu e admitiu:
– Um milhão de dólares não são de se jogar fora, né? Eu topo!”.
O conquistador inveterado, mas também um tremendo “mão-de-porco”,
perguntou em seguida;
– E por quinhentos merréis, topa?
A garota enfureceu-se e perguntou, cheia de indignação e altivez:
– O senhor está pensando que sou alguma prostituta? O Juca, sem se
alterar, apenas disse:
– Minha querida, esta questão você mesma já definiu ao responder
minha primeira pergunta. Nós agora já estamos na fase de negociação de
preços.
Vi nessa historinha uma analogia muito clara com um fato acontecido
recentemente na campanha eleitoral, quando Geraldo Alckmin negociou, com êxito,
uma parceria com diversos partidos reunidos no tal Centrão.
Com isso conseguiu o maior tempo de propaganda na TV, e costurou já
os apoios no Congresso Nacional, de que precisará para governar, caso seja
eleito. Seus adversários encheram-se de indignação, considerando que, dentre os
políticos que compõem o grupo, há 41 investigados na Lava Jato. Ohh!
O mais indignado foi o Robespierre Incorruptível, o Mito, pois ele
vai ser eleito já no primeiro turno e vai governar sem o “toma-lá-dá-cá”. Vai “dar-murro-na-mesa”,
vai subjugar o Congresso Nacional aos seus projetos de governo, e não vai “lotear”
o ministério entre os partidos.
É provável que tenha esquecido que procurou ninguém menos que o
Valdemar Costa Neto (condenado e preso no Mensalão), para ter o apoio do PR
(com mais de um minuto de TV e fundo partidário) e para ter o Senador Magno
Malta como seu Vice. A negociação emperrou quando ficou claro que ele deveria
apoiar o PR no Rio de Janeiro, o que dificultaria a eleição de seu filho Flávio
ao Senado Federal.
Em maio do ano passado, em vários encontros, ele tentou uma
negociação com o mesmo Valdemar para se transferir para o PR, com a condição de
ser o seu candidato a Presidente da República. O Valdemar não aceitou, para não
se comprometer tão cedo com uma candidatura majoritária, uma vez que ele
prefere se coligar com outros candidatos e ampliar sua base parlamentar no
Congresso Nacional.
Pois é: em duas oportunidades, na fase de negociação sua
aliança com o PR não prosperou, mas ele não teve nenhum prurido ético de sentar
numa mesa e tentar fazer acordos com o varão de Plutarco chamado Valdemar Costa
Neto.
Talvez por um milhão de dólares, quem sabe?
COMENTÁRIO
De fato, é vergonhosa essa
barganha de políticos em busca de verbas e tempo de rádio e TV, e depois de
apoio no Congresso.
A contrapartida é o loteamento
de cargos, a serem ocupados por apaniguados partidários, gente que vai para a
Administração Pública, em seus vários escalões, sem qualificação técnica e sem
compromisso ético, mas apenas para atender os interesses políticos dos “padrinhos”.
De fato é estranhável esse
namoro prévio entre o grupo de Bolsonaro e o de Valdemar da Costa Neto, um
deles se apresentando como paladino da moral pública, o outro um corrupto
notório.
Na hipótese de terem sido exitosas as negociatas, restariam duas possibilidades a lucubrar: a um, Valdemar
participar do Governo Bolsonaro arrependido e regenerado; a dois, o Mito trair
o seu discurso e embarcar nas práticas ímprobas de que é vezeiro o Costa Neto.
Todo modo, como no caso do
avião, ninguém precisou se corromper, nem se regenerar. O favor era grande, mas
a compensação era mínima. Salvaram-se o capital de um e a moral do outro. A prostituta, na analogia, pode ter sido o Valdemar, que esperava mais vantagens do eventual futuro governo.
Reginaldo
Vasconcelos
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