MACUNAÍMA
PURITANO
Rui
Martinho Rodrigues*
Arnold Joseph Toynbee (1889 – 1975) descrevia a dinâmica
das civilizações como cíclica. O pêndulo da nossa experiência histórica se move
muito rápido.
Macunaíma era hedonista e amoral, antes da sociedade
pós-moralista, de Giles Lipovetscky (1944, 72 anos). Transitamos da
permissividade do herói sem caráter, de Mário de Andrade (1893 – 1945), ao
puritanismo, completando um ciclo histórico de uma eleição para outra.
Assim, pedimos votos para uma candidata “porque ela é mulher,
e mulher vota em mulher”. Quatro anos depois, uma candidata já não merece apoio
por isso. Desde Vargas (1882 – 1954) até Palocci (1960, 57 anos), passando por
Kubitschek (1902 – 1976) e FHC (1931, 87 anos), grande número de políticos, dos
mais diversos partidos, desfrutaram dos prazeres de cama e mesa na companhia de
senhoras casadas com outros homens, e até de prostitutas. Isso não causava
horror.
Até reprovamos os americanos que censuravam a relação do
Presidente William Jefferson “Bill” Clinton (1946, 72 anos) com a estagiária
Mônica Samille Lewimsky (1973, 45 anos), nas dependências da Casa Branca. Curto
intervalo de tempo basta para nos horrorizarmos com as confissões
“antropofágicas” de um homem público. Não mentir sobre aventuras sexuais é
imperdoável. Valorizamos a liturgia dos cargos. A verdade não é importante.
Somos contrários à cultura do ódio. Pregamos paz e amor aos
quatro ventos. Tanta doçura intimida quem pensa diferente de nós. Constrange
pensamentos discrepantes, daí o voto envergonhado. Discordar da nossa virtude é
torpeza. Amamos a cultura da paz, mas sabemos ser ferozes o suficiente para
intimidar os torpes. Numa fração de segundo, porém, percorrermos o ciclo
histórico completo, retomando as nossas convicções democráticas.
O nosso coração bondoso se horroriza com quem quer ter um
meio de defesa. Mas não somos intolerantes. Somos complacentes com uma
realidade marcada por mais de sessenta mil homicídios em apenas um ano, mais do
que as cinquenta e oito mil baixas fatais dos americanos em oito anos de guerra
no Vietnam, que nos revoltavam.
No meio dessa conflagração não perdemos a virtude:
reprovamos severamente quem pretende ter um meio de defesa, afinal, isso não
vai resolver a guerra civil, logo um cidadão não pode querer se defender individualmente
no meio da situação trágica e descontrolada, só porque está com a própria vida
e a da família em perigo.
Somos bons. Não repudiamos só a violência física. Não nos
conformamos com as desigualdades. Defendemos a distribuição da renda dos
outros, claro. Queremos uma sociedade solidária, desde que seja estatizada,
transferindo o ônus das boas ações dos nossos ombros para o Estado. Quem deve
financiar o Estado provedor? Ora, é óbvio que é quem tem renda maior do que a
nossa.
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