GUERRA SUJA
Rui Martinho Rodrigues*
A campanha eleitoral trouxe de volta o tema do regime militar,
tortura e morte. A discussão padece de alguns vícios. Um deles, para a terminologia da História, é o anacronismo.
Trata-se uma interpretação dos acontecimentos do passado tomando
como referência o presente. É óbvio que o regime de 64 não foi democrático. Só
a generais era dado exercer a presidência, o Executivo editava atos
institucionais, cassava mandatos e havia censura. Foi uma “ditadura à
brasileira” (“ditamole”, no jargão da caserna), como disse o Marco Antônio
Villa ou uma “ditabranda”, segundo a Folha de São Paulo? Cada lado esgrime os
seus argumentos.
“Ditadura cruel” é a tese de quem apresenta uma lista com centenas
de mortos, exilados, cassados e torturados. “Ditabranda” ou “ditamole” para
quem alega que: em vinte e um anos o regime castrense brasileiro matou menos, no contexto
de uma guerrilha, do que as polícias de São Paulo ou do Rio de Janeiro, consideradas
isoladamente, matam em um ano, em plena democracia, sem que haja uma guerra
revolucionária.
A “passeata dos cem mil”, após a morte do estudante secundarista
Edson Luís de Lima Souto, no restaurante da UFRJ, havia sido proibida, mas não foi
molestada pelas forças de segurança e personalidades que saíram à frente da manifestação
foram recebidos, na semana seguinte, pelo “general de plantão no governo”. O
Superior Tribunal Militar, no período, absolveu 68% dos réus, segundo Thomas
Skidmore, na obra Brasil: de Castelo a Tancredo.
A intervenção militar se deu, no primeiro momento, sob a influência
de importantes lideranças civis, como os governadores Carlos Lacerda (1914 –
1977) do então Estado da Guanabara; Ademar de Barros (1901 – 1969) SP; Magalhães Pinto
(1909 – 1996), MG; Juracy Magalhães (1905 – 2001), Bahia; Ney Braga (1917 – 2000),
Paraná; Ildo Meneghetti (1895 – 1980) Rio Grande do Sul.
Somente o governador de Pernambuco, Miguel Arraes (1916 – 2005), colocou-se contra a intervenção militar. Houve marchas de senhoras e setores do Clero. O empresariado e toda a imprensa, a exceção do jornal Última Hora, apoiaram a intervenção. Por isso há quem use a expressão “golpe civil militar”.
Somente o governador de Pernambuco, Miguel Arraes (1916 – 2005), colocou-se contra a intervenção militar. Houve marchas de senhoras e setores do Clero. O empresariado e toda a imprensa, a exceção do jornal Última Hora, apoiaram a intervenção. Por isso há quem use a expressão “golpe civil militar”.
Havia a chamada guerra fria (a III Guerra Mundial, travada por outros meios).
Tivemos uma guerra irregular ou revolucionária, um tipo de conflito que descamba
para a chamada guerra suja. Os EUA criticaram os militares brasileiros. Veio,
porém, o “11 de setembro” e eles levaram prisioneiros para fora do país, com
objetivo de usar práticas violentas fora do território americano.
A Inglaterra torturou e matou guerrilheiro do “Ira”, grupo armado
separatista irlandês. A Alemanha “suicidou” todos os integrantes do grupo
Baden-Meinhof. A Itália torturou e matou integrantes das Brigadas Vermelhas. A
Espanha, sob o governo democrático do Partido Socialista Operário Espanhol,
criou um grupo de extermínio para combater o movimento separatista basco “Eta”. Ninguém
faz guerra suja com as mãos limpas.
O regimente castrense, tipo peculiar brasileiro, ditadura à moda da
casa, guarda semelhança com o consulado romano, no qual, em situações
excepcionais, o governo era entregue a um general por tempo limitado, ao
término do qual deveria ser substituído, a quem eram dados poderes
excepcionais. Os nossos generais receberam mandatos por tempo limitado e
assumiram poderes excepcionais, falando em abertura, foram substituídos e
entregaram o Poder sem serem expulsos pela força. Mas não se fala em consulado
de 64.
Nenhum comentário:
Postar um comentário