A LIÇÃO DE MANDELA
Rui Martinho Rodrigues*
Nelson Rolihlahla Mandela (1918 – 2013) esteve preso vinte e sete
anos e seis meses. Tornou-se um pacificador. Iniciou uma reconciliação na qual
as partes admitiram os seus erros ao invés de trocarem acusações. Prevaleceu a
compreensão de que a paz não se constrói sobre uma base de mágoas. A assimetria
da violência praticada entre as partes, na África do Sul, foi incomparavelmente
maior do que no Brasil. Seria muito mais fácil para os brasileiros superar os
traumas.
Os sul-africanos, porém, têm a vantagem de não precisar negar os
abusos praticados no curso da guerra civil que infelicitou aquele país. Os
negros tiveram sobradas e óbvias razões para lançar mão de meios violentos. Não
precisam ressaltar a evidente condição de vítimas que foram do regime racista, cuja iniquidade é inquestionável. Não têm contra si a suspeita de haver lutado na
guerra fria ou para implantar um regime aparentado com o da Coreia do Norte. Lutaram
por uma causa cuja legitimidade não pode ser posta em dúvida. Os servidores do
regime racista, por sua vez, não podem questionar os motivos dos adversários de
ontem. Só lhes resta confessar os abusos cometidos e assim repudiá-los,
buscando a reconciliação.
No Brasil, a causa defendida por ambos os lados não tem a blindagem
da inquestionável legitimidade dos seguidores de Mandela, nem a obviedade da
ilegitimidade do regime racista da África do Sul. Não temos um líder com
estatura de estadista. Quem lutou pela guerrilha precisa demonstrar a
ilegitimidade do regime contra o qual combateu e desmentir a versão de que
lutavam para implantar um duro modelo de ditatorial, cuja maldade é amplamente reconhecida.
A parte derrotada na luta armada venceu no campo ideológico. A derrota no campo
ideológico, sofrida pelos vencedores no campo das armas, causa inconformidade,
porque na História a tendência é o silêncio ser imposto aos vencidos no campo
das armas. Consideram que o Estado Novo foi tido como revolução, não golpe,
embora também tenha havido mortes, tortura e exílio sob a ditadura Vargas.
Os vencedores no campo ideológico sempre foram e ainda são, no
Brasil como no mundo inteiro, os mais organizados e aguerridos agentes
políticos. Não havia, na sociedade brasileira, força política organizada capaz
de competir com eles. Conquistaram sindicatos, imprensa, universidades, parte
do clero e estavam se infiltrando nas forças armadas. É muito fácil fazer
prosélitos dizendo que eles têm direito a tudo, só porque nasceram, e imputando
todos os seus erros à sociedade injusta, que não lhes garante sucesso na vida,
afastando a ideia de que as pessoas devem superar dificuldades, ao invés de
exigir facilidades, além de assumir a responsabilidade pelos seus erros. A
advertência bíblica contra o bajulador e o adulador não é ouvida.
Tal discurso lhes permite fazer política com o vigor de quem se
acha a encarnação do bem combatendo o mal. Já estavam com o doce do poder na
boca. As mágoas são profundas contra quem lhes tirou o petisco de entre os
lábios. Os vencedores no campo das armas, derrotados pelo discurso dadivoso no
campo ideológico, também não digerem o sapo da sucumbência ideológica.
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