Judas Iscariotes
Platino
Vianney Mesquita*
A Argentina é minha segunda pátria (VM).
Em
janeiro-fevereiro de 1971, fiz uma das melhores excursões da minha vida – 44
dias – em ônibus, pelo Brasil, acompanhando a Banda de Música Paulo Sarasate,
do Colégio Padre João Piamarta, dirigida pelo saudoso Padre Luís Rebuffini (31.01.1932 – 16.08.2016).
Nesse
tempo, dos 32 músicos da famosa orquestra – que tocou para São João Paulo II no
Vaticano – seis são meus irmãos – Raimundo, José Marcelo, Paulo César, Fernando
Antônio, Vicente de Paulo e Fabiano. Conforme dizia a “tropa”, éramos uma banda
da Banda.
O
passeio atravessou o País pela Rio-Bahia e suas continuidades, com paradas para
tocatas em Salgueiro-PE, Salvador, Belo-Horizonte, Juiz de Fora, Governador
Valadares, Rio, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Colônia do
Sacramento (Uruguay), Montevidéu, Gualeguaychú,
Buenos Aires, Baía Blanca e San Carlos de Bariloche, para me referir apenas à
ida.
Um
dos melhores momentos – todos foram muitos bons – ocorreu quando ficamos dois
dias em Uruguaiana – RS, para, entre
outras coisas, na repartição local, o Padre Luís e o Mattos Dourado (Clube do Bom Companheiro, lembram-se, no
rádio cearense?) tratarem dos documentos da equipe – a maioria, então, menor de
idade.
Uruguaiana
é um município cuja Sede conta, hoje, com um pouco mais de 125 mil habitantes,
localizada à margem do rio Uruguai, ligada pela ponte Pres. Getúlio Vargas/Pres.
Agustin Pedro Justo, com 1.400m de vão, a Paso
de los Libres, cidade pertencente à Província de Corrientes.
Por
este viaduto – inaugurado em 21 de maio de 1947 pelos Presidentes Eurico Gaspar
Dutra e Juan-Domingo Perón – eu, o Raimundo e três ou quatro outros fomos, a
pé, tomar umas Quilmes e, após, como
disse esse irmão – ao ser chamado para voltarmos a Uruguaiana – aun voy dar una orina!
É
uma das cidades mais desenvolvidas do Rio Grande do Sul, a terceira do Estado
em área territorial (1 Alegrete e 2 Santana do Livramento) e possui tripla
fronteira – Argentina, Uruguay e Paraguay. É sede da Diocese católica, fundada
em 1910, cujo titular, atualmente, é Dom José Maria Escalon Angonese.
Foi
ali – e agora lá vem a estória – que, conforme se conta, havia um padre
celebrante na Catedral de Santa Ana que
não simpatizava (“não simpatizava” é muito pouco) com argentinos e, em todos os
sermões, atacava violentamente esses vizinhos, de modo que tudo o que ocorria
de errado no Rio Grande do Sul era por ele debitado à responsabilidade nos
irmãos da Prata.
Se
aconteciam roubos, furtos, homicídios e demais crimes no Município, esse
clérigo os contabilizava à rubrica da “maldade ínsita aos platinos”. Tais
comentários chegaram ao ponto de reduzir bastante, à medida do tempo, a
quantidade de fiéis que vinham de Paso de los Libres assistir, na Sé, ao Santo
Sacrifício, preferindo outros templos, horários e com oficiantes diferentes; ou
não o frequentando mais.
Quando
os temporais chegavam ao Rio Grande do Sul, o padre tachava o agravo à
responsabilidade dos irmãos portenhos. De onde vinham? Evidentemente, de
Corrientes e do resto do País de Evita
Perón, pois, em vez de ficarem por
lá mesmo, os trovões e relampos violentíssimos vinham assustar os uruguaianos,
principalmente as crianças e doentes hospitalizados!...
Vários
colegas sacerdotes chamavam sua atenção para o despropósito. Pelo menos, que
ele diminuísse a fúria, amatasse a raiva, reduzisse a aversão, enrustisse o
desapreço nítido – o que já aborrecia, também, os brasileiros.
Como
não houve jeito, um dos clérigos foi ao Bispo, dizendo-se temeroso de que a
Diocese, por meio desse cura, causasse um problema diplomático com a Nação
confinante, tanto era o rancor expresso, tão grande o ódio, que já contaminava
alguns dos ouvintes de suas práticas, aliás, sobejamente, anticristãs.
Furioso,
o antístite mandou chamá-lo e o proibiu, terminantemente, de fazer essas
alusões, sob pena de uma reprimenda escrita ou de uma sanção mais carregada. Dom
Fulano, então, lhe concedeu umas férias, de sorte que aquele presbítero passou
30 dias sem celebrar na Sé diocesana.
Quando
da Ceia Derradeira, com o maior cuidado para não escorregar e
desobedecer às determinações superiores, comentava que quando Jesus ceava com
os doze apóstolos, assim se referiu: “Em
verdade, em verdade, vos digo: um de
vós que come aqui comigo vai me trair!”
–
E, então – continuou o sacerdote – Judas se levantou e falou bem alto: “¿ POR LO ACASO, SERÉ YO, SENÕR?”
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