terça-feira, 3 de abril de 2018

CRÔNICA - Remoque Gaúcho - Judas Platino (VM)


Judas Iscariotes Platino
Vianney Mesquita*



A Argentina é minha segunda pátria (VM).
  


Em janeiro-fevereiro de 1971, fiz uma das melhores excursões da minha vida – 44 dias – em ônibus, pelo Brasil, acompanhando a Banda de Música Paulo Sarasate, do Colégio Padre João Piamarta, dirigida pelo saudoso Padre Luís Rebuffini (31.01.1932 – 16.08.2016).

Nesse tempo, dos 32 músicos da famosa orquestra – que tocou para São João Paulo II no Vaticano – seis são meus irmãos – Raimundo, José Marcelo, Paulo César, Fernando Antônio, Vicente de Paulo e Fabiano. Conforme dizia a “tropa”, éramos uma banda da Banda.


O passeio atravessou o País pela Rio-Bahia e suas continuidades, com paradas para tocatas em Salgueiro-PE, Salvador, Belo-Horizonte, Juiz de Fora, Governador Valadares, Rio, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Colônia do Sacramento (Uruguay), Montevidéu, Gualeguaychú, Buenos Aires, Baía Blanca e San Carlos de Bariloche, para me referir apenas à ida.

Um dos melhores momentos – todos foram muitos bons – ocorreu quando ficamos dois dias em Uruguaiana – RS, para, entre outras coisas, na repartição local, o Padre Luís e o Mattos Dourado (Clube do Bom Companheiro, lembram-se, no rádio cearense?) tratarem dos documentos da equipe – a maioria, então, menor de idade.

Uruguaiana é um município cuja Sede conta, hoje, com um pouco mais de 125 mil habitantes, localizada à margem do rio Uruguai, ligada pela ponte Pres. Getúlio Vargas/Pres. Agustin Pedro Justo, com 1.400m de vão, a Paso de los Libres, cidade pertencente à Província de Corrientes. 

Por este viaduto – inaugurado em 21 de maio de 1947 pelos Presidentes Eurico Gaspar Dutra e Juan-Domingo Perón – eu, o Raimundo e três ou quatro outros fomos, a pé, tomar umas Quilmes e, após, como disse esse irmão – ao ser chamado para voltarmos a Uruguaiana – aun voy dar una orina!

É uma das cidades mais desenvolvidas do Rio Grande do Sul, a terceira do Estado em área territorial (1 Alegrete e 2 Santana do Livramento) e possui tripla fronteira – Argentina, Uruguay e Paraguay. É sede da Diocese católica, fundada em 1910, cujo titular, atualmente, é Dom José Maria Escalon Angonese.

Foi ali – e agora lá vem a estória – que, conforme se conta, havia um padre celebrante na Catedral de Santa Ana que não simpatizava (“não simpatizava” é muito pouco) com argentinos e, em todos os sermões, atacava violentamente esses vizinhos, de modo que tudo o que ocorria de errado no Rio Grande do Sul era por ele debitado à responsabilidade nos irmãos da Prata.

Se aconteciam roubos, furtos, homicídios e demais crimes no Município, esse clérigo os contabilizava à rubrica da “maldade ínsita aos platinos”. Tais comentários chegaram ao ponto de reduzir bastante, à medida do tempo, a quantidade de fiéis que vinham de Paso de los Libres assistir, na Sé, ao Santo Sacrifício, preferindo outros templos, horários e com oficiantes diferentes; ou não o frequentando mais.

Quando os temporais chegavam ao Rio Grande do Sul, o padre tachava o agravo à responsabilidade dos irmãos portenhos. De onde vinham? Evidentemente, de Corrientes e do resto do País de Evita Perón, pois, em vez de ficarem por lá mesmo, os trovões e relampos violentíssimos vinham assustar os uruguaianos, principalmente as crianças e doentes hospitalizados!... 

Vários colegas sacerdotes chamavam sua atenção para o despropósito. Pelo menos, que ele diminuísse a fúria, amatasse a raiva, reduzisse a aversão, enrustisse o desapreço nítido – o que já aborrecia, também, os brasileiros. 

Como não houve jeito, um dos clérigos foi ao Bispo, dizendo-se temeroso de que a Diocese, por meio desse cura, causasse um problema diplomático com a Nação confinante, tanto era o rancor expresso, tão grande o ódio, que já contaminava alguns dos ouvintes de suas práticas, aliás, sobejamente, anticristãs.

Furioso, o antístite mandou chamá-lo e o proibiu, terminantemente, de fazer essas alusões, sob pena de uma reprimenda escrita ou de uma sanção mais carregada. Dom Fulano, então, lhe concedeu umas férias, de sorte que aquele presbítero passou 30 dias sem celebrar na Sé diocesana.

Reintegrou-se no começo da Semana Santa, tendo sido sorteado para presidir à cerimônia do Domingo de Ramos, juntamente com cinco concelebrantes, porém, não abriu mão da oportunidade de proceder à prédica, sem protesto de nenhum dos com-oficiantes.

Quando da Ceia Derradeira, com o maior cuidado para não escorregar e desobedecer às determinações superiores, comentava que quando Jesus ceava com os doze apóstolos, assim se referiu: “Em verdade, em verdade, vos digo: um de vós que come aqui comigo vai me trair!”

– E, então – continuou o sacerdote – Judas se levantou e falou bem alto: “¿ POR LO ACASO, SERÉ YO, SENÕR?”





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