O PERIGO ESQUECIDO
Rui Martinho Rodrigues*
Estamos cansados das nossas pendengas
político-jurídicas. Mas fechamos os olhos para perigos vindos de fora. Há uma
crise na Síria, tão séria quanto a “crise dos foguetes” dos mísseis soviéticos
em Cuba, em 1962. O contexto da crise cubana era um mundo bipolar. Dois líderes
se entendem mais facilmente do que muitos. A crise da Síria envolve Irã, Arábia
Saudita, Turquia, Rússia, EUA, potências europeias e rivalidades étnicas e
religiosas regionais. É mais difícil apaziguar paixão religiosa do que
interesses de Estados. As duas superpotências perderam muito da influência que
tinham sobre as potências regionais.
A crise de 1962 se deu quando os líderes eram
pessoas equilibradas, de conduta prudente, que evitavam declarações
incendiárias. Kennedy (1917 – 1963), veterano de guerra, sabia a tragédia que é
uma conflagração e estava lendo o livro de Barbara Tuchman (1912 – 1989), que
seria publicado no Brasil com o título “Canhões de agosto”, no qual a autora
afirma que os líderes, em 1914, não queriam a guerra, mas tornaram-se
prisioneiros da retórica belicista e caíram no abismo. Kennedy citou esta obra
várias vezes nas reuniões do gabinete de crise.
Trump adota um discurso agressivo semelhante ao
do Kaiser Guilherme II (1859 – 1941). Premido por investigações perigosas para
o seu mandato, o presidente americano pode se sentir tentado a desviar a
atenção para uma crise externa. A Rússia, vivendo uma longa recessão, encontra-se
em situação semelhante.
Cuba ficava na área de influência americana,
reconhecida pelos soviéticos em Ialta e Potsdam. Não há acordo semelhante na
Síria.
Os acordos de proscrição das armas químicas estipularam
duras sanções contra os seus violadores. Armas químicas têm sido usadas na
guerra da Síria. A primeira vez Obama ladrou, mas não mordeu. Novo uso das
citadas armas e Trump deu uma mordidinha de leve. Seguiram-se novos episódios
de uso de armas químicas. Os chefes dos governos dos EUA, França e Reino Unido,
desta vez, ameaçam usar a força. Putin promete interceptar os mísseis lançados
contra a Síria e atacar a origem dos lançamentos, ameaçando com guerra. Trump
prometeu atacar, dizendo à Rússia que se prepare.
A imprensa não deu a devida atenção e a ONU
não tem protagonismo como em 1962. Não há mediador. Novas tecnologias militares
podem criar a esperança de vitória para um lado. A crise de 1962 não terminou
em guerra principalmente porque se acreditava que não haveria vencedor. Agora
um general russo diz que pode ganhar a guerra sem disparar um tiro, valendo-se
da ciberguerra e mais alguma coisa. As novidades bélicas podem estimular a
ideia de fazer a guerra enquanto a vantagem tecnológica não é alcançada pelo
adversário.
Os líderes de ambos os lados estão
prisioneiros da retórica belicista, como em 1914. Ao tempo da I GM as
democracias estavam bem armadas. Hoje as potências europeias democráticas,
embora muito mais ricas do que a Rússia, estão desarmadas, dependendo
unicamente do arsenal nuclear para a defesa. Até os EUA, campeões de gastos com
defesa, aplicaram suas ricas verbas preparando e sustentando guerras
assimétricas, deixaram de modernizar a força nuclear.
A atual crise é a mais grave desde o fim da II
GM.
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