O CASO LULA
TROCADO EM MIÚDOS
TROCADO EM MIÚDOS
Reginaldo Vasconcelos*
DO CRIME
A
tese da defesa de Lula da Silva se baseia no fato de que o apartamento tríplex na
Praia de Guarujá, em São Paulo, reservado e reformado para o ex-presidente,
pela empreiteira do Governo OAS, não está em nome dele, nem foi por ele pago –
embora ele tenha feito uma longa negociação para a sua compra, conforme está confessado,
documentado e, portanto, é incontroverso.
É
fato, o imóvel nunca teve registro em cartório no seu nome, e Lula jamais pagou
por ele – e exatamente estes fatos, que embasam a sua tese da defesa, representam,
de forma irônica, o cerne da acusação que se lhe faz. A Justiça interpretou que
ele nunca pagou pelo imóvel porque o recebia por propina, e nunca transferiu
para si por ocultação de patrimônio.
Como
a “mulher de César deve parecer honesta”, segundo o velho axioma, tendo sido
Presidente da República por dois mandatos, e mentor político da sua sucessora
no poder, ele já não deveria ter se metido em negociação com um empreiteiro do
Governo, Leu Pinheiro – que também está preso e que confessa que o apartamento era objeto de
propina.
Para
o Direito Penal, o que se procura é a chamada “verdade real”, e não a verdade
processual, a verdade administrativa, a verdade burocrática. Para o Direito
Civil, se um automóvel, ou um imóvel, não está registrado no nome de alguém, a
coisa não lhe pertence. Se o nome de uma pessoa não consta nos documentos
constitutivos de uma empresa, para o Direito Civil ela não integra a sociedade. Ponto final.
Mas, o Direito Penal admite as figuras do “proprietário oculto” de um certo
patrimônio, e do “sócio oculto” de uma determinada empresa, por eventual dissimulação
com objetivos criminais. Se alguém emana ordens definitivas em uma organização
empresarial, da qual não participa oficialmente, e tem o seu birô no local mais
destacado do escritório – e há atividades ilícitas envolvidas no negócio, a
Justiça presume que ele é o verdadeiro responsável.
Do
mesmo modo, se alguém ostenta, sobre um determinado bem, todos os direitos concernentes
às atribuições da propriedade – o direito de usar pessoalmente, o direito de
fruir (obter renda com ele), o direito e dispor dele (emprestar ou vender),
para o Direito Penal, no campo da “verdade real”, ele é o dono verdadeiro – se dessa
propriedade defluir algum ilícito.
Vai
se repetir a mesma coisa no julgamento de Lula, pelo mesmo crime, no caso do
sítio de Atibaia. O imóvel nunca foi dele, porque não foi registrado em seu
nome e Lula não pagou por ele. Mas ele usava o sítio, tinha o nome dos seus
netos nos pedalinhos da lagoa, tinha monogramas do casal nas roupas de cama,
mesa ou banho, mantinha ali sua adega de vinhos e ostentava fotografias da
família sobre os móveis da mansão.
DA PRISÃO
O
Supremo Tribunal Federal tem oscilado no tempo quanto ao entendimento de que a
condenação penal de alguém, emanada ou confirmada por um colegiado, ou seja,
exarada originalmente por um tribunal, ou prolatada por um juiz de primeira
instância e mantida por um primeiro júri de vogais, em recurso interposto, já
pode o condenado ter a prisão decretada para a execução provisória da sentença,
sem se ter que esperar o “trânsito em julgado” da decisão condenatória.
Tecnicamente,
o trânsito em julgado somente se dará após o exame dos recursos Especial e
Extraordinário, em face do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal
Federal, respectivamente. Mas esses recursos não têm efeito suspensivo dos comandos
da sentença, e somente se prestam à análise de questões de Direito, e não de
fato, de modo que a materialidade e a autoria do crime não serão mais
examinadas.
Os
que defendem a execução provisória da sentença condenatória, já confirmada no primeiro
tribunal de segunda instância, alegam que os dois últimos recursos aos
tribunais superiores, que são excepcionais, e que somente os criminosos ricos
impetram, demoram anos a fio a serem julgados, de modo que esperar por
eles tem lavado à prescrição dos crimes e, consequentemente, à impunidade. Demonstram
que em mínima porcentagem esses recursos, ao fim e ao cabo, afetam o mérito da
causa a ponto de elidir a condenação.
Os
que são contra a execução provisória da sentença hasteiam o inciso 57 do artigo
5º da Constituição Federal, segundo o qual a pessoa somente pode ser
considerada “culpada” após o trânsito em julgado. Mas não fala em prisão. O
inciso do artigo 5º da Constituição que fala em prisão, o de número 61, reza
que ela somente pode ocorrer em flagrante, ou por ordem expressa do juiz
competente, devidamente fundamentada.
O
que é fato, estreme de dúvida, é que a presunção relativa de inocência se
mantém preservada enquanto a pessoa é suspeita, investigada, indiciada, denunciada,
ou mesmo ré (in dubio pro reo).
Quando ela é condenada, desde o primeiro grau, mas principalmente em segundo
grau, a materialidade e autoria do crime estão demonstrados, a culpa já está
formada, de modo que passa a prevalecer, a partir de então, a presunção de
culpabilidade (in dubio pro societate). Assim, de maneira lógica, a pessoa já é considerada culpada antes do trânsito em julgado.
É inelutável. Desse modo, o inciso 57 do artigo 5º, na prática, é letra morta.
DO HABEAS CORPUS
Se
estivessem dispostos a julgar corretamente, sem nenhuma inflexão política, caberia aos Ministros do Supremo
Tribunal Federal negar esse remédio jurídico de plano, porque um habeas corpus somente tem cabimento quanto o impetrante faz
prova de que o paciente está preso ou ameaçado de prisão, de forma ilegal,
injusta, ou com abuso de autoridade.
Lula
estava condenado à prisão por um juiz e um tribunal competentes, após o
decurso do devido processo legal. A fundamentação da execução provisória da
sentença, mesmo antes do trânsito em julgado, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estava arrimada em decisão
anterior do Supremo Tribunal Federal, pacificada há dois anos, súmula que já
tinha justificado dezenas de outras prisões da Lava-Jato.
Não
cabia, portanto, aos Ministros, discutir a decisão anterior do seu tribunal, ao contrário do
que, impertinentemente, eles fizeram, porque não era a oportunidade técnico-processual
para que ela fosse reformada. O habeas
corpus era inepto, e assim teria de ser declarado – mesmo pelos Ministros
que ficaram vencidos dois anos atrás, quando a maioria consolidou o
entendimento – em respeito ao primado da “colegialidade”, conforme a Ministra
Rosa Weber, sabiamente, defendeu.
COMENTÁRIO:
Li artigo intitulado O CASO LULA. TROCADO EM
MIÚDOS. Repliquei-o na minha página do FACEBOOK com a chamada “DIDÁTICO”. Já
havia visto alguém comentar na TV algo parecido, no entanto, sem a clareza
necessária. Didático!
Fácil entendimento! Parabéns!
Luiz de Morais Rego Filho
O
artigo vai direto ao ponto, deixando claro a regularidade do processo e os
fundamentos das conclusões pelas quais o ex-presidente Lula está preso. O mais
é tática eleitoral. Parabéns pelo texto.
Rui
Martinho Rodrigues
Didático! Fácil entendimento! Parabéns!
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