sexta-feira, 6 de abril de 2018

CRÔNICA - Contrarrespostas (VM)


Contrarrespostas
Vianney Mesquita*


Pessoa sem educação é como terra sem adubo. (Provérbio árabe).


Quando me reformei por tempo de serviço na Universidade Federal do Ceará, sem proceder a generalizações, já não suportava a míngua de civilidade, com a total falta de polidez de alguns estudantes, os quais tratavam, não apenas os colegas, como também os professores e funcionários, por cima dos ombros, com descaso e indelicadeza.

Como sempre evocava a Professora Doutora Maria Adísia Barros de , já houvera eu contraído as três alergias de um docente maturado e entediado, após as quais não adianta prosseguir na carreira: ao giz, à disciplina ministrada e a uns poucos alunos, nomeadamente aqueles malcriados e incivis.

A primeira hipersensibilidade, ainda hoje, conduzo, uma vez que não consegui debelar uma onicomicose, a qual de início afetou do polegar ao dedo mínimo da destra (com a qual escrevia), sendo que o mindinho nunca se recuperou. As duas restantes foram capitais para me levar à aposentadoria.

Certa vez, um acadêmico me abordou em um pátio do Centro de Humanidades, no Benfica, querendo operar um bullying ascendente – além do que fazia horizontalmente com os colegas mais desprovidos, em especial os pretos, pobres e depositários de senões físicos.

Remeto-me um pouco ao fulcro desse assunto para, logo em seguida, volver ao episódio do Campus do Benfica e às contrarrespostas no âmbito universitário. Impende exprimir, pois, a ideia de que esta modalidade de assédio moral, ocorrente não apenas na escola, como também em diversas circunstâncias da vida em sociedade – igreja, esportes, na própria conivência familiar etc. – necessita, urgentemente, de um remédio legal, de uma sanção resolutiva aos seus agentes, pois conduz a desvios de personalidade de quem chega à adultícia.

Exemplos de desdobres negativos dessa espécie de mobbing estão em diversas ocorrências desastrosas no mundo todo, como, por exemplo, evoco no momento a chamada “chacina do Realengo”, perpetrada no Rio de Janeiro, no dia 7 de abril de 2011, quando um rapaz de nome Wellington Menezes de Oliveira invadiu a Escola Municipal Tasso da Silveira, disparando em quem via, fato resultante no óbito de doze crianças desse estabelecimento e, ainda, no autopassamento do atirador.

No decurso desse tempo e de acordo com o atestado por matérias de jornais, magazines da Cidade e media nacionais, componentes da família do poli-homicida, bem assim muitos dos seus conhecidos, referiram-se ao fato de haver sido ele portador de consequências psicológicas advindas do recebimento e retenção de bullying, quando estudante secundarista.

Tal suposição – ou justificada certeza – parece racional, a se mensurar pela maneira inusitada de proceder do mencionado jovem, ao trazer desespero a todos os que se relacionavam com a Escola (a qual homenageia o escritor curitibano Tasso Azevedo da Silveira) e atemorizar quantos assistiram à horrorosa cena e aos seus desdobramentos lamentáveis.

 A Lei número 13.185, de 6 de novembro de 2015, chamada Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), é bastante criticada pela literatura das Ciências Pedagógicas, pois, como a denominação sugere, se limitou a indicar o “combate”, sem apontar qualquer castigo inibitório ou sistema de punição aos que a praticam.

Também indicam as estatísticas atuais, conforme está em Toda-a-Matéria (2018, on line), que cerca de oitenta por cento das escolas brasileiras ainda não possuem nenhum aparato corretor, de sorte a prosseguir existindo, à farta, esse tipo de acercamento moral, que configura um grave  problema psicológico, de ética e formação do caráter, com desdobramentos prejudiciais ao estabelecimento da individuação, da dignidade pessoal, quando é fundada, por definitivo, a personalidade do ser adulto.

A discussão mais prolongada, assentada em maior profundez investigativa, não há de ser procedida em um medium como este, de leitura informacional, literária e opinativa, de indiscutível qualidade, porém, desenvolvo, no momento, demanda de caráter científico intitulada Bullying: Algo Negativamente Sério e Ilícito “Penal” não Tipificado, a fim de ser editada por um periódico receptor de matérias desde jaez.

***

Dando continuidade à narração da tentativa de mobbing em ascensão, iniciada no quarto parágrafo deste escrito, o estudante K.R.O.M. interceptou-me no campus para, estudadamente, me confrontar e, junto a um grupo, disse estranhar meu nome – Vianney – ao achar esquisito meus pais o haverem escolhido. Ele indagou-me se eu sabia o seu significado, ao que lhe respondi ser o crédito de um santo francês, da Igreja Católica, e, por haver sido vigário da Paróquia de Ars, em França, foi cognominado Cura d’Ars.

Ele respondeu que não, eu estava “por fora.” E expressou: Vianney quer dizer exatamente cachorro ca ... do na chuva, o que suscitou risos em todo o grupo e, de imediato, convocou mais estudantes para a roda.

Estupefato, porém, sem perder a esportiva, deixei os motejos passarem e, com muita serenidade, o interroguei sobre seus créditos, o que significavam. Ofereceu explicações não muito convincentes acerca dos dois nomes e dois sobrenomes – K.R. e O.M. Então aduzi, em discurso diferente deste:

– Oh, rapaz, temos, portanto, eu e você, identificações nominais muito próximas, a julgar pelo que explicou o meu nome – Vianney – como cachorro ca ... do na chuva, pois K.R.O.M. significa, exatamente, chuva. Não é interessante?

Risos e vaias em cima dele, liberei-me da turma e afastei-me.

Não é de se estranhar o fato de, também, os professores, usarem esse tipo de expediente maléfico com os alunos, hoje, bem menos; mas, quando estudava na antiga Escola Técnica Federal do Ceará, agora Instituto Federal de Educação Tecnológica, os mestres (dois, principalmente, C.N.G.P. e C.L.B.) punham apelidos que pegavam e duravam até os alunos terminarem o curso, quando deixavam a Escola.

Uma vez, na Faculdade de Direito (não terminei o curso), quando já lecionava na U.F.C., fiz uma pergunta, chamando de professor o desembargador J.J.S.F., e ele me repreendeu: – Sou desembargador, quero que me chamem de desembargador!

A isto, retruquei: – Desculpe-me, professor, mas aqui não é um tribunal; é uma faculdade, onde quem leciona são os professores! Isto provocou risos da sala toda.

Furioso, então, me mandou sair da aula. E não saí. Quem fez isso foi ele. E a turma achou ótimo (certamente, ele também), pois, com apenas quinze minutos, nos livramos de uma aula sem qualidade. Poucos anos depois, os dois éramos colegas na Academia Cearense da Língua Portuguesa...

Como remate destas notas, narro um fato ocorrido na Universidade Federal da Paraíba – Campus de João Pessoa. Meu irmão, Vicente de Paulo Campos de Mesquita, aplicara uma prova da disciplina Introdução à Estatística, salvo engano, para uma turma no começo de um curso das engenharias.

Dias depois, ao se dirigir à cantina, o Professor foi interceptado por uma aluna que tinha o apelido de “Biscoitcho” (como fala o paraibano), pelo fato de lembrar fisicamente a atriz Zezé Macedo, uma das personagens do cearense Chico Anísio.

A “Biscoitcho” foi logo dizendo, sem qualquer tinta de urbanidade, tampouco de bom português:

Ei, cara! Tu tem de recorrigir a minha prova, pois tu só me deu seis!

A prova continha cinco quesitos, cada qual valendo dois pontos. Segundo a primeira correção do Vicente, ela havia errado dois, razão por que lhe conferiu o seis.

– Vamos. É ligeiro, disse o Professor. Ele notou que, na recorreção, em vez de errar duas, ela escorregou em três. Então ele perquiriu à “Biscoitcho”:

Quanto é mesmo que você acha que tirou nesta prova?

Pelo menos um “oitcho” – respondeu.

Pois pegue um “quatcho”! – Fechou o Mestre...


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