A VOZ DAS RUAS
Rui Martinho Rodrigues*
O desgaste das instituições está nos levando
por caminhos perigosos. Estamos atribuindo ao fenômeno chamado “voz das ruas”
um poder não previsto no ordenamento jurídico.
Manifestações públicas fazem parte da
democracia, como reconhecimento do direito de expressão do pensamento. Mas
quais os seus limites? Não existe direito absoluto, no sentido de
incondicionado ou ilimitado.
Além da expressão do pensamento, em nome da defesa pacífica dos próprios interesses, admitimos o direito de
greve. Seguiu-se a isso a prática dos piquetes impedirem o trabalho
dos dissidentes do movimento paredista, avançando sobre o direito de terceiros.
Mais tarde vieram as obstruções de vias,
impedindo o trânsito de pessoas alheias aos interesses relacionados com a
manifestação. Seguiram-se greves em órgãos públicos, atingindo até serviços de emergência, como hospitais especializados nesse mister, sem embargo do comando
constitucional segundo o qual essas atividades não podem sofrer solução de
continuidade.
Chegamos às invasões de propriedade,
eufemisticamente chamadas “ocupações”, passando ao exercício arbitrário das
próprias razões, capitulado como crime no art 345 do CPB, com a conivência de
autoridades.
Agora temos agressões contra pessoas nos aeroportos,
nos aviões, restaurantes e ruas; temos atentados, verdadeiros ou forjados, ameaças
dirigidas contra ministros do STF. Obviamente, já não estamos no campo da
legitimidade, nem diante de práticas democráticas.
Mas há quem fale em “voz das ruas” como fonte
de legitimidade. Multidões podem representar, de modo proporcional, minorias
insignificantes, arrebanhadas ao modo de mercenários, mediante pagamento,
alimento e até vestimenta, na forma de camisas com dizeres políticos. Nada
disso é representativo. O Direito está longe de consagrar a tirania de
manifestantes.
Multidões ou grupos de apenas algumas centenas ou dezenas de manifestantes não podem submeter a sociedade, obstruir vias, depredar, incendiar, apedrejar policiais para provocar reação e fabricar vítimas. “Movimentos sociais” e “sociedade civil” aparelhados seguem a mesma trilha dos manifestantes. Não têm representatividade, e ainda que tivessem não poderiam se colocar acima da lei.
Quem não ganha eleição pode arregimentar
grupos e formar organizações domesticadas de representação duvidosa. Não pode,
todavia, se colocar acima da lei. As instituições estão desacreditadas, mas é
um equívoco buscar fazer o certo pelo caminho errado. A voz das ruas não está acima
da lei. O que está ruim pode ficar pior.
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