PROJETOS
MIRABOLANTES
(As maluquices que inundam o Brasil desde o
Império)
Wilson Ibiapina*
José
de Salles era oficial de justiça em Fortaleza. Com quase dois metros de altura,
só andava de terno escuro e com um chapéu de madeira na cabeça. Na terra de
baixinhos, Zé de Sales era notado por onde passava com seu andar meio capenga.
Ele ficou famoso também por tocar bandolim no programa A Hora da Saudade, que
José Limaverde apresentava nas noites das segundas na Ceará Rádio Clube.
Ele
ensaiava numa oficina de consertar violões e outros instrumentos de corda, que
ficava na Avenida Padre Ibiapina, bem em frente ao Sesi. A audiência do
programa do pai do Narcélio e do Paulo ajudou a popularizar a figura do Zé de
Sales, que logo-logo disputou uma cadeira na Câmara Municipal de Fortaleza. Um
dos projetos do Zé de Sales prometia encanar o vento da serra de Guaramiranga
para Fortaleza, como forma de amenizar o calor. Quilômetros e quilômetros de
canos descendo a serra rumo ao litoral. Ainda bem que ele não foi eleito.
Essa
coisa de canalização atormenta os legisladores e administradores públicos desde
o começo do Brasil. Em 1670, o governo português decidiu canalizar a água do
rio carioca, descendo o morro do Corcovado até o centro do Rio de Janeiro. No
audacioso projeto foram usados canos de madeira. Em pouco tempo apodreceu tudo.
Um
outro governante carioca apresentou um projeto parecido com o do candidato a
vereador de Fortaleza. Igualmente ambicioso, mandava derrubar o Pão de Açúcar,
com o objetivo único de melhorar a ventilação da cidade. O projeto que acabava
com o morro, que é um dos símbolos da cidade maravilhosa, foi aprovado pelo
Visconde de Ouro Preto, presidente do Conselho de Ministros. Uma firma inglesa
chegou a ser contratada para fazer a demolição, que só não ocorreu por causa da
proclamação da República. O projeto foi esquecido.
No
Ceará, um espirituoso deputado pediu ao governador do Estado que lhe doasse uns
canos furados que ele vira no pátio da Secretaria de Agricultura. O governador
imediatamente atendeu. Meses depois o secretário de Agricultura comunica que o
projeto de irrigação que seria inaugurado no interior teve que ser cancelado.
Os canos que seriam usados no projeto simplesmente desapareceram. O governador
manda chamar o deputado, achando que tinha sido enganado por ele:
– Você disse que os canos estavam furados.
– Sim, Governador. O Sr. já viu cano sem ser
furado?
O
Rio de Janeiro, em várias ocasiões, esteve sob o comando de desastrados
administradores. O historiador Milton Teixeira chegou a reunir 35 fatos que
mostram quão loucos foram alguns desses administradores do Rio. O jornalista
Mário de Moraes, que ficou famoso escrevendo reportagens nas páginas da revista
O Cruzeiro, conta que o historiador Milton Teixeira gastou dias fazendo pesquisas
no Museu Histórico do Exército e no Instituto Brasileiro do Patrimônio
Cultural. Ele queria reunir dados que comprovassem a veracidade de suas
histórias.
Mário
de Moraes conta duas outras histórias saborosas, levantadas pelo mesmo
historiador Milton Teixeira. Após a independência, o Brasil precisou formar seu
próprio Exército. Como tinham que correr contra o tempo, o jeito foi contratar
mercenários alemães. O major Von Ewald, em 1825, era o comandante da tropa. Na
época, a mais famosa e rica prostituta do Rio era Gertrudes. Mulata bonita,
morava em uma mansão em Botafogo. Bastou uma noite de amor para que o major Von
Ewald se apaixonasse. Para azar do alemão, Gertrudes não queria nada com ele.
No desespero provocado pela rejeição, o major comandante mandou sua tropa
desfilar em frente a residência de sua amada, em Botafogo. Como não surtiu
efeito, ele engendrou plano mais diabólico para tocar os sentimentos mais
profundos de Gertrudes. Não se sabe como ele conseguiu as ligas íntimas de
Gertrudes, que mandou prender à Bandeira do Brasil e desfilou com ela em frente
a Dom Pedro I. O apaixonado major teve que fugir do país para escapar da corte
marcial .
Em
reportagem escrita no jornal Terceiro Tempo, Mário de Moraes conta que o Brasil
entrou no século XVIII dominado pela violência que se alastrava pelas ruas do
Rio. O governador do Rio, Luiz Monteiro, desencadeou uma campanha contra
ladrões, criminosos e corruptos que infestavam a cidade. As cadeias ficaram
abarrotadas. Foi preciso alugar casas, que foram improvisadas como presídios. O
governador não contente, pegou a caneta e escreveu o seguinte bilhete ao rei de
Portugal: “Senhor, nesta terra todos roubam, menos eu”. O Rei, acreditando que
seu governador ficara louco, mandou prendê-lo, também.
Esses
legisladores e governantes pirados continuam existindo no país. A exemplo do
que ocorreu em Nebraska, Estados Unidos, onde o governador mandou construir uma
pista de pouso para extraterrestres, aqui no Brasil o dinheiro público também
foi usado na construção de pista de pouso para disco voador. Perto de Barra do
Garças, está o primeiro discoporto do Brasil. A jornalista Carla Fagundes me
mostra o recorte de jornal que prova que o prefeito de Bocaiúva do Sul, que
fica perto de Curitiba, também teve essa brilhante ideia. Élcio Berti anunciou
a criação de um aeroporto para discos voadores, batizado de Ovniporto. Ele
disse que “é uma coisa do futuro”
A
lista de projetos inusitados não pára de crescer em pleno século XXI. E não
adianta transparência nas contas públicas governamentais. Os desmandos
acontecem desde que o Brasil foi descoberto. Sempre soubemos dos exageros, por
exemplo , da família imperial, que gastava uma fábula em dinheiro para manter
palácios e residências nos quatro cantos do Rio. E, como hoje, aumentava os
impostos, deixando indignados os brasileiros que moravam longe da corte, que já
não se conformavam com as notícias de favoritismo e corrupção.
Para
ajudar nos gastos da família real, Dom João vendia até títulos de nobreza. O
historiador Pedro Calmon escreveu que para ser Conde em Portugal eram precisos
500 anos. No Brasil, bastava 500 contos. Dom João VI, segundo o historiador
Patrick Wilcken conta no livro “Império à deriva”, criou 28 títulos de
marqueses, 8 de condes, 16 viscondes, 21 barões e mais de mil cavaleiros.
A
comunidade tem o direito de saber onde o dinheiro dos impostos é empregado e
pode até questionar qual a melhor maneira de sua utilização. Só não vamos nos
livrar é desses malucos criativos. Eles vão continuar angariando a simpatia dos
eleitores e estarão sempre preparando projetos que consideram geniais, sempre
“com a melhor das intenções”.
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