segunda-feira, 27 de novembro de 2017

ARTIGO - Guia de Cego (HE)

GUIA DE CEGO
Humberto Ellery*


Um antigo dito popular afirma que “médico pensa que é Deus; Juiz tem é certeza”. Observando a cena política nacional tenho visto que vários ministros de tribunais superiores, juízes e até procuradores têm o vezo de permanecerem pairando acima da lei,  sempre prontos a fazerem novas leis. Esquecem que a função de um juiz é interpretar e aplicar a lei, não é fazê-las.

A Deusa Iustitia, da mitologia romana, difere de sua correspondente grega, a Deusa Dice, por alguns aspectos, como o uso da espada, enquanto Dice a tem sempre à mão para impor a punição aos infratores da lei, e mantém os olhos bem abertos para procurar o direito, a Deusa Iustitia deixa a espada em posição de descanso para ser usada apenas se necessário, e tem os olhos vendados para buscar o direito pelo equilíbrio dos pratos da balança, “sem olhar a quem”, objetivando a imparcialidade.

Daí dizermos que “a justiça é cega”; só que atualmente ela conta com vários “guias de cegos”. Vejamos por exemplo o caso da Dra. Adriana Ancelmo, esposa do ex-governador Sérgio Cabral. 

Antes de comentar a suspensão de sua prisão domiciliar e a volta ao presídio, preciso deixar bem claro que não conheço a cidadã, não lhe tenho nenhum apreço nem desapreço especial, nem pretendo fazer uma defesa da indigitada senhora (nem Advogado sou), preocupa-me o cumprimento da lei!

Aliás permitam-me um parêntese: se ela precisar de um jurista brilhante para defendê-la poderá, quem sabe, contar com os préstimos do Ministro Luis Fux. Foi ele quem, ao ser nomeado ministro do STF dirigiu-se à casa dela no Leblon onde, teatralmente, ajoelhou-se e beijou seus pés, em agradecimento ao empenho do seu marido, o ex-governador Sérgio Cabral, em lhe conseguir a tão sonhada nomeação. Se fosse deputado ou senador teriam pedido sua cassação por falta de decoro parlamentar. 

Já que citei o Fux, e por falar em decoro, devo acrescentar que o jurisconsulto é tão competente que consegue ser contra e a favor de um mesmo fato ao mesmo tempo. Quando a OAB pediu, através de uma ADI, que o STF considerasse inconstitucional a lei dos precatórios estaduais, o ínclito magistrado atendeu à pretensão da OAB (com as novas normas definidas por ele os advogados iriam “rachar de ganhar dinheiro” em cima dos R$ 100 bilhões de precatórios).

Mas aconteceu o inesperado, os TJs estaduais resolveram não pagar mais nenhum precatório, posto que a nova norma foi considerada inconstitucional. Diante do impasse a OAB recorreu de novo ao meritíssimo que não se fez de rogado, “matou no peito” e, incontinenti, concedeu uma liminar “derrubando” a sua própria decisão anterior, validando a lei antiga. Não é fofo? O preço de tanta prestimosidade (que a OAB pagou sem pestanejar),  foi a indicação da jovem advogada Marianna Fux ao cargo de desembargadora do TJ do Rio de Janeiro. Não sei se ele beijou de novo os pés da Dra. Adriana, ou mandou sua filha fazê-lo.

Voltando ao caso em comento, a hoje execrada ex-primeira-dama, a ex-rainha que teve os pés beijados, que tem direito, por lei, a cumprir a sua prisão em regime domiciliar, teve seu direito subtraído por juízes que legislaram no sentido de que, já que existem outras presas que têm o mesmo direito, e não o estão usufruindo, então se revogue o direito da Dra. Adriana. Simples assim!

Atenção para o fato de que esse direito existe não é para beneficiar a mãe presa, mas para proteger seus filhos menores, para que as crianças tenham em casa ao menos a mãe para dar-lhes carinho, educá-los, se o pai também estiver encarcerado, como é o caso. Mas aí entrou a Procuradora Mônica de Ré, cheia de razão, afirmando que os filhos menores da Dra. Adriana não precisam dela em casa uma vez que “dispõem de um séquito de empregados para cuidar deles”, circunstância não prevista na legislação. Mas e daí? 

Eles dispõem de uma bandeira altamente popular, o “combate à corrupção”, não importa que as leis do País sejam estupradas, pois o “povão” vai aplaudir, a massa ignara, a plebe rude, na sua pouca compreensão do risco que corremos por conta da deterioração do nosso ordenamento jurídico, quando a força do direito vai paulatinamente sendo substituída pelo direito da força, irá se esbaldar vendo a desgraça dos poderosos.


Existe uma palavra alemã que traduz esse sentimento, que Schopenhauer considerava diabólico: schadenfreude, que significa alegria pela desgraça alheia. Um sentimento rasteiro, abjeto, que existia latente, quase despercebido em nossa cultura, tanto que não existe sequer uma palavra para defini-lo, como no alemão, e hoje se alastra em nosso meio como fogo de morro acima. O povo pacato, ordeiro e bem humorado está se tornando um povo ressentido, zangado  e cruel. Não é pequeno o prejuízo sociológico causado por essa irresponsabilidade de alguns dos nossos magistrados.


É muito triste!
COMENTÁRIO:

O Titular Humberto Ellery sempre produz os mais interessantes artigos, nutridos com eruditas citações, trazendo aspectos inusitados da fluente realidade do País, que ele escrutina com malícia e com coragem.

Não sei se o Ministro Fux beijou os pés da então Primeira-Dama do Rio de Janeiro, Adriana Anselmo, atribuindo-lhe a sua indicação para o STF, porém confesso que eu mesmo o faria, fosse eu o indicado, e ela a madrinha política do ato.

Fá-lo-ia hic et nunc, sem o compromisso de em futuro pagar com a toga a indicação, favorecendo interesses escusos que um dia ela tivesse. Não. Quem indica um juiz não pode esperar esse retorno. Juiz de Direito que não é justo não é juiz de fato. É um dublê profissional.

Sim, é claro, não é correto que juízes de tribunais sejam indicados por políticos. Malgrado, no Brasil isso é legalmente permitido e adotado. Sendo legal, volto a dizer, fosse eu indicado, beijaria os pés de quem indicou, e ainda pediria para indicar uma filha minha, se tivesse uma preparada para tal. Nem por isso seria um dublador de juiz no exercício da judicatura.

Quanto aos julgamentos divergentes, sobre o mesmo caso, em momentos processuais diversos, por incrível que pareça ao senso comum, isso é permitido e acontece bastante. O entendimento que um juiz expresse agora não o vincula para as futuras decisões.

Em cada oportunidade o juiz tem que motivar nos fatos e fundamentar na lei o seu decisum, de forma congruente naquele momento, sem importar de que maneira o tenha feito antes, ou venha a fazê-lo depois. O juiz pode evoluir no entendimento, e pode até fazer juízo de retratação, se e quando lhe aprouver.

Sobre a prisão das inditosas mulheres dos políticos corruptos, com filhos pequenos ou não, eu acho cruel e desnecessária, desde que, uma vez soltas, não delinquam. Aliás, noventa e nove por cento de todas as mulheres condenadas e presas foram induzidas, ou obrigadas, por seus homens, a praticar delitos. Alguém conhece quem se tornou criminoso por influência feminina?

Não sei o que as feministas pensam disso, tampouco me interessa. Estas costumam ter um comportamento esquizofrênico. Uma hora querem se diferenciar dos homens, sendo tenentas e presidentas, outra hora querem se confundir com eles, sendo poetas e não poetisas. Uma hora querem ter privilégios, outra hora querem funções iguais  que se lhes abra a porta e lhes puxe a cadeira — mas que concorram com os homens nas mais árduas profissões.

Reginaldo Vasconcelos          

       

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