GUIA DE CEGO
Humberto Ellery*
Um antigo dito popular afirma que “médico
pensa que é Deus; Juiz tem é certeza”. Observando a cena política nacional
tenho visto que vários ministros de tribunais superiores, juízes e até
procuradores têm o vezo de permanecerem pairando acima da lei, sempre
prontos a fazerem novas leis. Esquecem que a função de um juiz é interpretar e
aplicar a lei, não é fazê-las.
Daí dizermos que “a justiça é cega”; só que atualmente ela conta com vários “guias de cegos”. Vejamos por exemplo o caso da Dra. Adriana Ancelmo, esposa do ex-governador Sérgio Cabral.
Antes de
comentar a suspensão de sua prisão domiciliar e a volta ao presídio, preciso
deixar bem claro que não conheço a cidadã, não lhe tenho nenhum apreço nem
desapreço especial, nem pretendo fazer uma defesa da indigitada senhora (nem
Advogado sou), preocupa-me o cumprimento da lei!
Aliás
permitam-me um parêntese: se ela precisar de um jurista brilhante para
defendê-la poderá, quem sabe, contar com os préstimos do Ministro Luis
Fux. Foi ele quem, ao ser nomeado ministro do STF
dirigiu-se à casa dela no Leblon onde, teatralmente, ajoelhou-se e beijou seus
pés, em agradecimento ao empenho do seu marido, o ex-governador Sérgio Cabral,
em lhe conseguir a tão sonhada nomeação. Se fosse deputado ou senador teriam
pedido sua cassação por falta de decoro parlamentar.
Já que citei o Fux, e por falar em decoro, devo
acrescentar que o jurisconsulto é tão competente que consegue ser contra e a
favor de um mesmo fato ao mesmo tempo. Quando a OAB pediu, através de uma ADI,
que o STF considerasse inconstitucional a lei dos precatórios estaduais, o
ínclito magistrado atendeu à pretensão da OAB (com as novas normas definidas
por ele os advogados iriam “rachar de ganhar dinheiro” em cima dos R$ 100
bilhões de precatórios).
Mas aconteceu o inesperado, os TJs estaduais
resolveram não pagar mais nenhum precatório, posto que a nova norma foi
considerada inconstitucional. Diante do impasse a OAB recorreu de novo ao
meritíssimo que não se fez de rogado, “matou no peito” e, incontinenti,
concedeu uma liminar “derrubando” a sua própria decisão anterior, validando a
lei antiga. Não é fofo? O preço de tanta prestimosidade (que a OAB pagou sem
pestanejar), foi a indicação da jovem advogada Marianna Fux ao
cargo de desembargadora do TJ do Rio de Janeiro. Não sei se ele beijou de novo
os pés da Dra. Adriana, ou mandou sua filha fazê-lo.
Voltando ao caso em comento, a hoje execrada
ex-primeira-dama, a ex-rainha que teve os pés beijados, que tem direito, por
lei, a cumprir a sua prisão em regime domiciliar, teve seu direito subtraído
por juízes que legislaram no sentido de que, já que existem outras presas que
têm o mesmo direito, e não o estão usufruindo, então se revogue o direito da
Dra. Adriana. Simples assim!
Atenção para o fato de que esse direito existe não
é para beneficiar a mãe presa, mas para proteger seus filhos menores, para que
as crianças tenham em casa ao menos a mãe para dar-lhes carinho, educá-los, se
o pai também estiver encarcerado, como é o caso. Mas aí entrou a Procuradora
Mônica de Ré, cheia de razão, afirmando que os filhos menores da Dra. Adriana
não precisam dela em casa uma vez que “dispõem de um séquito de empregados para
cuidar deles”, circunstância não prevista na legislação. Mas e daí?
Eles dispõem de uma bandeira altamente popular, o
“combate à corrupção”, não importa que as leis do País sejam estupradas, pois o
“povão” vai aplaudir, a massa ignara, a plebe rude, na sua pouca compreensão do
risco que corremos por conta da deterioração do nosso ordenamento jurídico,
quando a força do direito vai paulatinamente sendo substituída pelo direito da
força, irá se esbaldar vendo a desgraça dos poderosos.
Existe uma
palavra alemã que traduz esse sentimento, que Schopenhauer considerava
diabólico: schadenfreude, que significa alegria pela desgraça
alheia. Um sentimento rasteiro, abjeto, que existia latente, quase
despercebido em nossa cultura, tanto que não existe sequer uma palavra para
defini-lo, como no alemão, e hoje se alastra em nosso meio como fogo de morro
acima. O povo pacato, ordeiro e bem humorado está se tornando um povo
ressentido, zangado e cruel. Não é pequeno o prejuízo sociológico causado
por essa irresponsabilidade de alguns dos nossos magistrados.
É muito triste!
COMENTÁRIO:
O Titular Humberto Ellery sempre produz os
mais interessantes artigos, nutridos com eruditas citações, trazendo
aspectos inusitados da fluente realidade do País, que ele escrutina com malícia
e com coragem.
Não sei se o Ministro Fux beijou os pés da
então Primeira-Dama do Rio de Janeiro, Adriana Anselmo, atribuindo-lhe a sua indicação
para o STF, porém confesso que eu mesmo o faria, fosse eu o indicado, e ela a
madrinha política do ato.
Fá-lo-ia hic
et nunc, sem o compromisso de em futuro pagar com a toga a indicação,
favorecendo interesses escusos que um dia ela tivesse. Não. Quem indica um juiz
não pode esperar esse retorno. Juiz de Direito que não é justo não é juiz de
fato. É um dublê profissional.
Sim, é claro, não é correto que juízes de tribunais
sejam indicados por políticos. Malgrado, no Brasil isso é legalmente permitido
e adotado. Sendo legal, volto a dizer, fosse eu indicado, beijaria os pés de
quem indicou, e ainda pediria para indicar uma filha minha, se tivesse uma
preparada para tal. Nem por isso seria um dublador de juiz no exercício da
judicatura.
Quanto aos julgamentos divergentes, sobre o mesmo
caso, em momentos processuais diversos, por incrível que pareça ao senso comum,
isso é permitido e acontece bastante. O entendimento que um juiz expresse agora
não o vincula para as futuras decisões.
Em cada oportunidade o juiz tem que motivar
nos fatos e fundamentar na lei o seu decisum, de forma congruente naquele momento,
sem importar de que maneira o tenha feito antes, ou venha a fazê-lo depois. O
juiz pode evoluir no entendimento, e pode até fazer juízo de retratação, se e
quando lhe aprouver.
Sobre a prisão das inditosas mulheres dos
políticos corruptos, com filhos pequenos ou não, eu acho cruel e desnecessária, desde que, uma vez soltas,
não delinquam. Aliás, noventa e nove por cento de todas as mulheres condenadas
e presas foram induzidas, ou obrigadas, por seus homens, a praticar delitos.
Alguém conhece quem se tornou criminoso por influência feminina?
Não sei o que as feministas pensam disso, tampouco me interessa. Estas costumam ter um comportamento esquizofrênico. Uma hora querem se diferenciar dos homens, sendo “tenentas” e “presidentas”, outra hora querem se confundir com eles, sendo “poetas” e não “poetisas”. Uma hora querem ter privilégios, outra hora querem funções iguais — que se lhes abra a porta e lhes puxe a cadeira — mas que concorram com os homens nas mais árduas profissões.
Reginaldo Vasconcelos
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