DO QUE SE TRATA?
Rui Martinho Rodrigues*
O momento é grave. Uma tíbia recuperação
econômica não é suficiente para afastar a múltipla crise. O clientelismo irrita
os brasileiros. A velha corrupção e os privilégios pessoais e corporativos,
típicos da indiferenciação entre a fazenda pública e o patrimônio privado das
autoridades, herança do patrimonialismo, transformou-se na preocupação central
da sociedade. O combate à corrupção é um imperativo moral, legal e econômico. A
Lava Jato deu uma grande contribuição despertando-nos para isso. Os temores de
que o crime triunfe sobre ela está gerando pânico.
Será a corrupção uma espécie de problema
fundamental, do qual dependem todos os outros e que, uma vez resolvido, os demais
desafios serão superados? Haverá uma solução final para a tradição de
improbidade? A resposta é negativa para ambas as indagações. O marechal
Ferdinand Jean Marie Foch (1851 – 1929), durante uma ofensiva alemã, na IGM,
vendo o seu Estado-Maior em pânico, indagou: do que se trata? A ofensiva
causava baixas e era uma grave ameaça, conforme esperado. Era preciso
identificar prioridades para concentrar os esforços da defesa.
A crise atual tem uma dose de patrimonialismo,
com os privilégios e a corrupção elevada a um novo patamar, nos últimos quinze
anos. É relevante, mas não surpreende. As desventuras econômicas, porém,
decorrem da ideologia do “nacional-desenvolvimentismo”, com a hipertrofia do
estamento burocrático-patrimonial, facilitando a corrupção e o desperdício,
além de fortalecer a ideia dos gastos públicos ilimitados e do desfrute sem
ônus. O paradoxo de um povo que não confia nos políticos, mas deposita suas
esperanças no Estado, é o ponto central.
Então, do que se trata? A hegemonia ideológica da
deusa Bem-Aventurança, personagem do panteão grego cuja promessa era oferecer a
todos o direito de tudo usar sem despender esforço, é a questão. A deusa
Virtude, porém, dizia: não quero oferecer deleites, desejo apenas mostrar as
coisas tais como os deuses as quiseram, conclamando ao esforço. Deblaterar
somente contra a corrupção é isentar a deusa enganadora de toda a desgraça. A
prioridade é para o mal representado pela ilusão do Estado provedor. É precisar
defender os valores da deusa Virtude, contrários aos da deusa enganadora
Bem-Aventurança.
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