segunda-feira, 20 de novembro de 2017

ARTIGO - Ortodoxia e Democracia (RMR)


ORTODOXIA E DEMOCRACIA
Rui Martinho Rodrigues*


O Renascimento coincidiu com o desmoronamento da escolástica, que causou uma orfandade paradigmática. Houve então uma explosão de tendências as mais diversas, desde de místicos como Nostradamus (1503 – 1566) até cientistas como Galileu (1564 – 1642). A pós-modernidade, com o relativismo, invocando equivocadamente as físicas relativista e quântica, deslumbrada com o perspectivismo do sujeito cognoscente, como se a objetividade fosse impossível, destruiu todas as referências, valendo-se do relativismo cultural, cognitivo e axiológico. 

A antimetodologia e a dialética, esta “senhora de costumes cognoscitivos fáceis” (Lucio Colletti, 1924 – 2001), deram ares de validade às incoerências. Quem não quer pagar juros se permite defender o endividamento crescente; quem é contra pagar a dívida pública se permite defender déficits crescentes. A previdência, em 1988, absorvia 2,5% do PIB; em 2014 devorou 7,5%; hoje abocanha muito mais. Quantas vezes ainda poderemos multiplicar tal despesa? “Mas se não desvincularmos diversos tributos da previdência as contas fecham” (por enquanto). Isso é apenas transferência do déficit, da contabilidade da previdência para a contabilidade geral da União, e não poderá prolongar-se indefinidamente.

A desorientação e a anomia assim cultivadas encontram no hedonismo uma forma de escapismo. Consumidores de drogas ilícitas financiam o crime, mas fazem discurso moralista no campo político e social. O sujo radicaliza a cobrança moral contra o outro. A nova ortodoxia paradoxal reivindica tolerância para os transgressores da lei e dos valores tradicionais, mas é intolerante com quem não se rende aos “novos gestores da moral”. O valor do outro é preconceito ou fobia.

O direito à intimidade, à privacidade e ao segredo (art. 5, inc. X, da CF/88) é massacrado. Uma conversa privada é publicada sem autorização do interessado; uma frase irrefletida é criminalizada (caso William Waack). Delito de opinião! Preconceito não é crime se for apenas ideia ou sentimento. Não há injúria sem pessoa injuriada, que no caso não soube do fato. Palavras proferidas privadamente, ainda que preconceituosas, não constituem crime. Criminoso é quem divulga a intimidade alheia.

Progressivamente eliminávamos os preconceitos. Já não existem igrejas só para pretos, que já não são barrados no Itamaraty ou na oficialidade da Marinha. A miscigenação generalizada mitigou a discriminação. A intolerância “politicamente correta” é vontade de potência e ressentimento (Nietzsche (1844 – 1900); e de parentar virtude (Maquiavel 1469 – 1527). Relativismo cultural e cognitivo produziram o paradoxo da ortodoxia seletivamente permissiva, do puritanismo devasso e dos pseudodemocratas agressivos e intolerantes. Os mais letrados são os mais desorientados, vítimas dos sofismas de pensadores, em geral de conduta desabonadora (Paul Johnson, “Os intelectuais”).





Nenhum comentário:

Postar um comentário