ORTODOXIA E DEMOCRACIA
Rui Martinho Rodrigues*
O Renascimento coincidiu com o desmoronamento
da escolástica, que causou uma orfandade paradigmática. Houve então uma
explosão de tendências as mais diversas, desde de místicos como Nostradamus
(1503 – 1566) até cientistas como Galileu (1564 – 1642). A pós-modernidade, com
o relativismo, invocando equivocadamente as físicas relativista e quântica, deslumbrada
com o perspectivismo do sujeito cognoscente, como se a objetividade fosse
impossível, destruiu todas as referências, valendo-se do relativismo cultural,
cognitivo e axiológico.
A antimetodologia e a dialética, esta “senhora
de costumes cognoscitivos fáceis” (Lucio Colletti, 1924 – 2001), deram ares de
validade às incoerências. Quem não quer pagar juros se permite defender o endividamento
crescente; quem é contra pagar a dívida pública se permite defender déficits
crescentes. A previdência, em 1988, absorvia 2,5% do PIB; em 2014 devorou 7,5%;
hoje abocanha muito mais. Quantas vezes ainda poderemos multiplicar tal despesa?
“Mas se não desvincularmos diversos tributos da previdência as contas fecham”
(por enquanto). Isso é apenas transferência do déficit, da contabilidade da
previdência para a contabilidade geral da União, e não poderá prolongar-se
indefinidamente.
A desorientação e a anomia assim cultivadas encontram
no hedonismo uma forma de escapismo. Consumidores de drogas ilícitas financiam
o crime, mas fazem discurso moralista no campo político e social. O sujo
radicaliza a cobrança moral contra o outro. A nova ortodoxia paradoxal
reivindica tolerância para os transgressores da lei e dos valores tradicionais,
mas é intolerante com quem não se rende aos “novos gestores da moral”. O valor
do outro é preconceito ou fobia.
O direito à intimidade, à privacidade e ao
segredo (art. 5, inc. X, da CF/88) é massacrado. Uma conversa privada é publicada
sem autorização do interessado; uma frase irrefletida é criminalizada (caso William
Waack). Delito de opinião! Preconceito não é crime se for apenas ideia ou
sentimento. Não há injúria sem pessoa injuriada, que no caso não soube do fato.
Palavras proferidas privadamente, ainda que preconceituosas, não constituem crime.
Criminoso é quem divulga a intimidade alheia.
Progressivamente eliminávamos os preconceitos. Já não existem igrejas só
para pretos, que já não são barrados no Itamaraty ou na oficialidade da
Marinha. A miscigenação generalizada mitigou a discriminação. A intolerância
“politicamente correta” é vontade de potência e ressentimento (Nietzsche (1844
– 1900); e de parentar virtude (Maquiavel 1469 – 1527). Relativismo cultural e
cognitivo produziram o paradoxo da ortodoxia seletivamente permissiva, do
puritanismo devasso e dos pseudodemocratas agressivos e intolerantes. Os mais
letrados são os mais desorientados, vítimas dos sofismas de pensadores, em
geral de conduta desabonadora (Paul Johnson, “Os intelectuais”).
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