terça-feira, 7 de novembro de 2017

NOTA JORNALÍSTICA - Golpe de Misericórdia


GOLPE DE MISERICÓRDIA
NA MEMÓRIA CEARENSE


José Quintino da Cunha, o poeta Quintino Cunha, tido como “o Bocage cearense”, nasceu em Itapajé, no norte do Ceará, em 1875, e faleceu em Fortaleza, em 1943.

Seu talento jornalístico aflorou cedo. Já aos 11 anos estreou na imprensa, redigindo O Álbum e colaborando no jornal O Cruzeiro, ambos de Baturité. Quintino estudou no Ginásio Cearense e na Escola Militar.

Emigrou para o Amazonas durante o ciclo da borracha, onde passou a publicar seus textos nos jornais locais da época. Por lá se notabilizou pela publicação do poema “Encontro das Águas”, sobre confluência bicolor dos Rios Negro e Solimões.

Voltando do Norte do País ao seu Estado, já atuando como rábula havia anos, ingressou na Faculdade Livre de Direito do Ceará, concluindo o curso em 1909, passando a atuar na advocacia criminal, notabilizando-se por suas atuações vitoriosas no Tribunal do Júri, marcadas pela sua veia satírica apuradíssima.

Foi deputado estadual entre 1913 e 1914, ocasião em que defendia fervorosamente a melhoria da instrução do povo e onde lutou contra a extinção da Faculdade de Direito, então cogitada na Assembleia.

Ingressou na Academia Cearense de Letras em 1922, na época da primeira reorganização, capitaneada por Justiniano de Serpa, ocupando a cadeira número 22, cujo Patrono era o poeta Paula Ney.

Mas Quintino integrou o histórico “Grupo dos Injustiçados”, assim como o Padre Antônio Tomás, por ocasião da segunda reorganização do sodalício, em 1930, em que foram excluídos, ele e o Patrono que escolhera. 

Injustiça maior em se tratando de um intelectual cearense que figura ao lado dos grandes mestres do improviso literário ferino, como Bernard Shaw, Quevedo e Swift, sendo considerado pelo crítico Agripino Grieco “o maior humorista brasileiro de todos os tempos”.

Contemporâneo de Leonardo Mota, Gustavo Barroso, Ramos Cotoco, Gil Amora, Renato Sóldon, Guimarães Passos, Emílio de Menezes e Paula Ney, foi homenageado por Euclides da Cunha, Guerra Junqueiro, Rostand e Émile Fagueto monstro da Academia Francesa”, de quem foi íntimo em Paris. Rachel de Queiroz o considerava "um patrimônio da terra”. 

Mas o grande título que Quintino Cunha ostenta hoje é de ter sido o primeiro humorista cearense, espírito do “Ceará Moleque”, precursor do grande Chico Anysio, do Renato Aragão, do Tom Cavalcante, do Paulo Diógenes e do Falcão, dentre outros quejandos.

Quintino Cunha é nome de rua em Itapajé, e de bairro em Fortaleza, entretanto sua cidade natal acaba de demolir a histórica casa em que ele nasceu, que já havia sido adulterada pelo seu proprietário anterior, o falecido dentista Eldo Rios Lousada. 

Os herdeiros venderam o imóvel, e os compradores, da mais tradicional família da região, os Gomes, deram o golpe de misericórdia na memória do Estado. 

Agora, a aprazível cidade de Itapajé, aos pés do frade de pedra, que já não tem as suas tradicionais linguiças de porco e a ótima paçoca de pilão, perdeu a única relíquia histórica de seu conjunto arquitetônico.  

Isso combina com o desalento que inspirou Quintinho Cunha ao escrever o seu próprio epitáfio, que até hoje pode ser lido no Cemitério São João Batista  em Fortaleza: O Pai Eterno segundo, reza a História Sagrada, tirou o mundo do nada, e eu nada tirei do mundo

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