(IN)DIFERENÇA E
(DES)IGUALDADE
Rui Martinho Rodrigues*
Desigualdade é tema polêmico. Como nem sempre
as pessoas sabem do que estão falando. Cumpre distinguir diferença e
desigualdade, como o fez José D’Assunção Barros, na obra Igualdade e diferença
(2016). Reservemos diferença para os aspectos objetivos da realidade,
denotação, sem conotação.
Alguém de 1,90m é alto. Outrem, de 1,50 é
baixo. Eis uma diferença objetiva, um juízo de fato, sem nenhum juízo de valor
ou significado social, político, jurídico ou moral. Desigualdade fica para um
juízo de valor, seja ele de natureza jurídica, política, social ou moral.
A estatura, no exemplo da diferença, se
transformará em desigualdade se associada a algum dos juízos citados, com
alguma repercussão no mundo dos fatos, indo além de simples opinião.
Desigualdades podem ser legítimas ou
ilegítimas. Adquirir disponibilidade financeira, diferencia, na lei, em relação
ao Imposto de Renda. A conversão de tal diferença em desigualdade tributária é
legítima. Aqui temos (1) a (des)igualdade legítima de alguns (adquirentes de disponibilidade financeira) em algo (obrigação tributária).
É preciso, ainda, discernir a igualdade de
oportunidades da igualdade de resultados, exemplificada na reivindicação de
oportunidades iguais no ensino público de qualidade, suplementado por aulas de
reforço, material escolar, bibliotecas, tecnologia da informação e o que mais
houver, é um caso típico de (2) igualdade legítima de todos em algo (oportunidades).
A igualdade de resultados se constitui na (3) igualdade de todos em tudo, exigindo as
mesmas condições de vida material para todos, sem nenhuma influência da
resposta de cada um aos desafios da existência, afastando todos os demais
fatores que possam modificar os resultados da luta pela vida. Requer um poder
absoluto para afastar tais coisas. Por isso é totalitária. Contraria a
experiência histórica universal acumulada. Afasta inclusive o mérito. A
legitimidade desta forma de igualdade é muito questionável, para dizer o mínimo.
Temos ainda (4) a igualdade de alguns em tudo, no caso das disposições
legais e imperativos morais que instituem direitos e obrigações para alguns em tudo, equiparando, verbi
gratia, todas as crianças em tudo. (Des)igualdades impostas por engenharia
social são totalitárias.
As elucubrações de Platão (428 – 347 a. C.), exigiam
a supressão da propriedade e da família, fatores de desigualdade, embora a
República do pensador ateniense instituísse uma violenta desigualdade entre
filósofos e demais estratos criados por sua utopia, impondo uma desigualdade
concebida por quem se julgava esclarecido.
A distopia de Aldous Huxley (1894 – 1963)
também extinguia a família (Admirável mundo novo, publicado pela primeira vez
em 1932). Diferenças podem ser parte da cultura. Existem, todavia, diferenças
próprias da natureza, observadas em todos os lugares e épocas. Submetê-las à
engenharia social e antropológica é um grave erro.
A indiferenciação e a indiferença, em face de
realidades distintas, podem trazer mais problemas do que soluções. Postular
igualdade jurídica e política não deve instituir uma moral oficial, violando a
liberdade de consciência e instituindo delito de opinião. A boa igualdade é a
proporcional, que é jurídica, política e valorativa. A igualdade material pode
levar a absurdos.
É preciso não confundir direitos potestativos
com os direitos das obrigações, para não tomar Direito como se patrocínio
fosse. Dizer, como o Fez D’Assunção Barros na obra citada, que a igualdade de todos em relação a algo, por exemplo, que todos têm o direito de ter um
palácio, é uma falsidade da teoria de John Locke (1632 – 1704), pois a barreira
do dinheiro desfaz esta igualdade, é ignorar que direito potestativo não é
garantia, é faculdade, cujo desfrute deve ser uma conquista. Direito não é
patrocínio.
Todos têm o direito (potestativo) de ter um
palácio. Isso significa que ninguém pode opor objeção a este direito. Não
significa que alguém tem obrigação de patrocinar o desfrute de um direito que
não vincula terceiros. A diferença é: direito obrigacional é sinalagmático;
direito potestativo apenas não admite contestação. Mas isso é assunto para
outra reflexão.
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