domingo, 29 de julho de 2018

CRÔNICA - "Só Dois Voltaram" (VM)


“SÓ DOIS VOLTARAM”
Vianney Mesquita*

(Para o Prof. Dr. Arnaldo Santos)



  Arre égua! Cadê os Outros? (Dito popular)



Conquanto meio acovardado, para não encarar assunto sério e desagradável no domingo, Dia do Senhor, a fim de nominar esta croniqueta, pego bochecha na boleia do camião ontem dirigido pelo Dr. Reginaldo Vasconcelos, no belo artigo intitulado A Volta dos que não Foram, onde bem cuida, com raro potencial de leitura e decodificação da realidade, de assunto vergonhoso e paulificante, com licença das más palavras  as eleições de 2018 no Brasil.

A seu turno, o Prof. Dr. Rui Martinho Rodrigues, lá dos Pampas gaúchos, nos mimoseia com dois paradigmáticos textos, cobrindo outras matérias cascudas, atinentes à vida nacional, conforme o fizeram e registaram em livro, também, os enormes Gilberto Freyre, Fernando de Azevedo e Sérgio Buarque de Holanda, entre tantos, num transato mais distante.

Esses argumentos, todavia, resultam bem menos densos de opressão temática, mercê do estilo inteligente do autor, das suas tiradas cultas e teores professoralmente informativos, particulares aos seus cabedais de cultura, os quais, para regozijo dos seus receptores, ele socializa midiaticamente, em vez de guardar somente para si.

Esta providência – a segunda – configura o jeito como fazem os metidos a sabidos, os pseudossábios, que só querem deitar sua mistura de sabedoria-apedeutismo no âmbito das arcádias e silogeus (onde alguns adentram por dinheiro), felizmente sem qualquer espalhamento massivo, nem conceder o menor cartaz ao uomo qualunque, como outrora a inteligência italiana chamava a pessoa comum, o zé-povinho, a plebe rude – mencionada por Miguel Gustavo, no seu Café Soçaite – alfim, nós, consumidores de informações jornalísticas.

Limpei, também, a vista com a crônica bem tecida do intelectual Marcos Maia Gurgel, evocando estórias dos seus começos como cirurgião-dentista do Exército Brasileiro, sob a rubrica de Com o Exército não Dói, evidentemente – espero – sem alusão a certas possibilidades que fazem tremer em seus carneiros os militantes da derradeira “gloriosa” civil-castrense, enchendo-nos de sobrosso das botinas e seus desdobres, da caserna para as ruas.

Enfim, a folha da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, no dia de ontem, primou pela elegância e o fino trato da Língua Portuguesa, fato que dela me aproxima, num crescendo, feito admirante de seus haveres informativos e culturais, até como um sóbrio colaborador no decurso de uns seis anos.

Sem mais tardança, como um paregórico para esta dor de barriga que lota os media, me remeto ligeiramente à molecagem cearense, nomeadamente quando as pessoas tinham mais tempo disponível para industriar suas patranhas e invenções gaiatas, sem tanta tecnologia para operar, sem smartphone para cutucar – em casa, na rua, no cinema, na aula et reliqua. A história das façanhas moleques do Ceará é suficientemente rica, enciclopédica, com narrações de tipos e comportamentos os mais singulares.

De carona no comboio lusitano do Dr. Reginaldo – que se reportou à A Volta dos que não Foram, uma das facetas interessantes daqui é a titulagem conferida aos filmes, aliás, que o cearense inventa e debita a graça aos piauienses, nas denominações enviesadas das películas, mormente as mais vistas, como Assim Caminha a Humanidade, que a raça transfere para o teresinense, principalmente, os novos títulos, no caso, Arre égua, pra onde vai tanta gente?

Candelabro italiano é Lamparina estrangeira; O último dos bravos é O derradeiro caboco escroto; Só dois voltaram tem como título de Arre égua, cadê os outros?  Romeu e Julieta é Esse bichim, essa bichinha; Perdidos no espaço, por sua vez, é Areado nos ares e 55 dias em Pequim é Quase dois meses fora de casa etc. etc.

Nos dísticos de frente de caminhões, então, a inventiva é espetacular! Exemplos: em carreta Mercedes Benz, é escrito Enquanto Maria Reza, Mercedes Benze; Mulher feia e caju azedo minha vara não cutuca; Eu não troco uma coroa por dez obturações; Dinheiro é coisa do Diabo, (mas, Quer ver o Diabo, fique sem dinheiro!) E por aí vai ...

As comparações, que dão outra crônica – e grande – são também engraçadas, como Está melado que nem menino gripado chupando manga; Apanha que só tapete em dia de faxina; Grosso que só mijada de elefante; Liso que nem muçum ensaboado; Quebrado que só arroz de terceira; Valente que nem leão com dor de ouvido; Imoral que nem o papagaio do Joãozinho; Passa fome que nem rato em casa de ferragem; Curto que nem coice de bacorinho [...]

São tantas invencionices, umas mais pesadas, fora da linguagem civil – que não se sustentam nesse medium, porém muito engraçadas, como soem ser as coisas dissolutas, não sendo urbano, entretanto, socializá-las (ao meu sentir) nos meios de comunicação maciça.

Lembro-me de, no Rio de Janeiro, só faltar “matar” de rir o jornalista cearense, ali radicado, Hamilton Alcântara (filho do Tancredo Alcântara, o “Casco Escuro”), quando disse que, no Piauí, Chico Rabo Seco era o nome do ator Francisco Cuoco, na época trabalhando na novela Feijão Maravilha (1979).

É bobagem se falar nisso, talvez. Agora, sem nenhuma dúvida, é bem mais agradável do que se reportar às postulações à Presidência da República nas eleições de 2018, o que me não apetece, porém, reconheço ser absolutamente necessário – mandatório, até  que a imprensa informe, sem, entanto, tomar partido. Que seja feito como fazem nossos colaboradores deste jornal eletrônico...




COMENTÁRIOS

Vianney Mesquita, uma das nossas maiores reservas intelectuais, conhecedor dos meandros do idioma vernáculo, dono de uma rica sinonímia, um ícone do magistério superior no Ceará, tem uma veia satírica refinada, como na crônica acima se percebe, em que ele nos traz exemplos do “Ceará Moleque” de Quintino Cunha, que já não existe mais.

Já não se tem a própria vaia, que tanto nos caracterizou, tampouco o estrépito produzido com a boca, ao modo dos flatos dos cavalos, usado antes pela molecada para desancar e fazer “perder o rebolado” algum pedante que passasse.

Os modernos conceitos do “politicamente correto”, do bullying e do “assédio moral”, a criminalização da jocosidade e da facécia, pelo nervo exposto em que a individualidade se tornou, hipersensibilizando os diferentes – cujas diferenças não se podem mais glosar, e sequer notar, sob pena de processo na Justiça – tirou de nós a disposição de pespegar os apelidos e de fazer gozações, quase sempre tão bem humoradas e sadias.

Inventar títulos de peças de cinema – A Volta dos Que Não Foram, Incêndio na Caixa D’água, Batalha Naval no Deserto do Saara, etc. – ou acarinhar os sobralenses com o título de americanos, e os piauienses com ditados maliciosos, “mais medroso que a Polícia do Piauí”, por exemplo, quando se sabe que aquele povo-irmão é gentil e generoso e que os seus homens da lei são tão corajosos quanto os nossos.

Falando de dísticos populares, como as frades de para-choques, alguns são maravilhoso: “Que Deus me proteja do que vem pela frente. E que venha pela frente”. Atrás de um velho fusca se lia a seguinte recomendação, dirigida aos buzinadores apressados: “A minha pisada é essa!”. Já no vidro traseiro de uma camioneta, alguém escreveu: “Sem Deus... nem tente!”.

Deploro os pichadores, uma classe de idiotas que empestam o mundo todo – esta, sim, uma patologia social odienta trazida pela modernidade. Mas talvez nem fosse tão rigoroso em relação a eles se, em vez de encher a vida de rabiscos, que imaginam ser arte, pelo menos deixassem nas nossas paredes frases inteligentes, espirituosas e poéticas, ao estilo dos caminhoneiros.

Uma vez encontrei escrito a pincel, em um velho muro, numa rua de subúrbio em Fortaleza, uma declaração de amor tão franca, vigorosa e poética, cheia de aliteração, que jamais pude esquecer, e sobre a qual até já  croniquei: “Dea. Te adoro, sua doita. Jean”.

Reginaldo Vasconcelos

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Em relação à última referência do Dr. Reginaldo, certa vez eu ia no ônibus do Jardim América e vi, escrito em um muro do hoje Shopping Benfica, a frase: “Adile, porque você não olha para mim?” (o por que estava junto).

Todos os dias, passava por ali e já havia deixado de ler a sentença do apaixonado, quando, uma vez, divisei, escrito, embaixo:  “Porque você escreve Português muito mal”.

E a canalha da UDN ficou dizendo que quem escreveu a resposta foi o Arnaldo Santos. Será?

Obrigado ao Dr. Reginaldo pelas referências elogiosas e, talvez, imerecidas. Tem muita gente, muita mesmo, melhor do que eu.

Abração.

Vianney Mesquita


Um comentário:

  1. Em relação à última referência do Dr. Reginaldo, certa vez eu ia no ônibus do Jardim América e vi, escrito em um muro do hoje Shopping Benfica, a frase: "Adile, porque você não olha para mim?" (o por que estava junto). Todos os dias, passava por ali e já havia deixado de ler a sentença do apaixonado, quando, uma vez, divisei, escrito, embaixo: - "Porque você escreve Português muito mal". E a canalha da UDN ficou dizendo que quem escreveu a resposta foi o Arnaldo Santos. Será?

    Dr. Reginaldo, obrigado pelas referências elogiosas e, talvez, imerecidas. Tem muita gente, muita mesmo, melhor do que eu. Abração. Vianney Mesquita.

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