FOGO AMIGO
Reginaldo Vasconcelos*
Cid
Saboia de Carvalho, Senador Constituinte em 1988, imortal da Academia Cearense
de Letras, é o Presidente de Honra da ACLJ.
Advogado,
lente da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, jornalista
veterano, ele é o comandante do programa radiofônico de variedades “Antenas e
Rotativas”, que entra no éter em Fortaleza com altos índices de audiência.
Seu
show de rádio, muito tradicional, vai ao ar diariamente ao meio-dia, pelo Sistema Cidade de Comunicação, precedido pelo comentário “Doa a Quem Doer” e seguido
pela “Crônica do Meu Sentimento”, todos de sua verve, muito viva e muito lúcida,
e na sua brilhante elocução.
Recentemente
o Dr. Cid Carvalho fez um comentário em seu programa protestando contra a rescisão
imposta à Medida Liminar concedida por um Desembargador Federal que mandava
libertar Lula da Silva.
Estando
respondendo pelo plantão judiciário no foro de Porto Alegre em final de semana,
referido Desembargador concedeu ao Ex-Presidente Habeas Corpus, que fora impetrado
por três políticos do PT.
Como
se sabe, Lula foi condenado em segundo grau por improbidade cometida no cargo
público que exerceu, e iniciou o cumprimento de sua pena de 12 anos de prisão, por
decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com base em jurisprudência
do Supremo Tribunal, o qual, provocado a respeito, confirmou por maioria sua
posição anterior: prisão a partir da condenação em tribunal colegiado.
Cid
defendeu a tese, clara e escorreita, de que decisão em Habeas Corpus (o chamado “remédio heroico”), exarada por um
magistrado, titular ou respondente, e mesmo plantonista, tem que ser imediatamente
obedecida.
Entendia
ele que, ainda que pudesse ser posteriormente revogada por uma instância
superior, descabia a outros juízes interferir de ofício para contestar a concessão
do benefício e suspender de plano os seus efeitos bonançosos.
Essa
decisão, de certo, realmente seria revogada a posteriori, porque atacava medidas
exaradas e referendadas por Colendos Pretórios Federais, e o “fato novo” hasteado
em favor do paciente era absolutamente inconsistente.
O
juiz plantonista está a postos para atender a alguma emergência jurídica
inadiável, como, por exemplo, autorizar a saída de um condenado, acometido de
um mal súbito, para atendimento hospitalar. Jamais para mudar os destinos de um
processo com um outro juiz ou relator prevento.
Ademais,
forjado para justificar a soltura de Lula, alegado pelos impetrantes e acatado
pelo magistrado, o fato já não era “novo”, processualmente falando, porque publicamente
divulgado há muitos meses, desde antes da prisão.
Por
outro lado, o motivo apresentado ainda não era sequer um “fato”, juridicamente
considerado, por se tratar apenas de uma alegada pretensão de pré-candidatura à
Presidência da República, portanto, sem registro ou configuração oficial.
No
mérito, Cid Carvalho está correto. Em condições normais de temperatura e
pressão, os ritos legais devem ser obedecidos, para que se garanta a segurança
jurídica e se mantenha a normalidade institucional. Habeas Corpus concedido se
cumpre imediatamente. Ponto.
Acontece
que o Brasil atual, analogicamente, é como um avião desgovernado, cheio de
defeitos, com os motores em chamas, em que o piloto morreu e o copiloto é
incapaz. Em tais circunstancias dramáticas, os protocolos de voo não funcionam
e os bons modos são abandonados.
Náufragos
num mar de corrupção e desmandos, os cidadãos, incluindo os doutos em Direito,
não querem saber de salamaleques jurídicos e de ademanes normativos,
regularmente manejados por advogados de defesa. Querem que se tomem medidas objetivas
que restabeleçam a moral social e restaurem a ordem pública.
Assim,
os bons juristas teóricos, como no caso do Dr. Cid, defensores das
prerrogativas da cidadania, consideram a norma processual como única linha de
conduta cabível, e esperam que ela seja adotada e respeitada, de forma rígida e
soberana, em nome da democracia.
Mas
o senso comum, incluindo a imprensa, não consegue se libertar da sabença
notória do grave quadro fático moral subjacente. Sabem todos que o magistrado
em questão tem íntima vinculação política com o paciente e com os impetrantes,
a cuja grei partidária pertenceu – e ideologicamente ainda pertence – exposto,
portanto, ao princípio da suspeição, por óbvio conflito de interesses.
Sabe-se
também que, tendo em vista o caráter populista do político preso, seria
difícil, quase impossível, conseguir prendê-lo de novo, sem provocar uma grande
comoção social, uma vez revertida a sua soltura, em futura revogação do
malfadado Habeas Corpus.
Diante
disso, estabeleceu-se um debate acirrado no Grupo de Whatsapp composto por
membros da ACLJ, alguns apoiando e defendendo a compreensão jurídica de Cid
Carvalho, mestre de nós todos, titular da Cadeira de Nº 1 da nossa entidade, e
outros combatendo a consepção teórica por ele perfilhada.
Por
fim, na edição do “Doa a Quem Doer” de hoje (20.07.18), Dr. Cid Carvalho deixou
claro que, fosse ele o magistrado plantonista, não teria concedido o Habeas Corpus a Lula da Silva – mas mantém a sua posição de que ordem judicial tem de ser cumprida, para somente
em instância acima ser reexaminada. Isenção e coerência.
COMENTÁRIOS
Mesmo não frequentando as lides jurídicas – não sou
“operador do Direito” – apenas recorro ao direito inalienável de opinar, posto
que sei ter guarida, para contestar sua brilhante intervenção no blog da
Academia com artigo intitulado “Fogo Amigo”.
Acredito que seu raciocínio estava bem equilibrado
e coerente até quando cometeu a frase: “Acontece que o Brasil atual,
analogicamente, é como um avião desgovernado, cheio de defeitos, com os motores
em chamas, em que o piloto morreu e o copiloto é incapaz. Em tais
circunstancias dramáticas, os protocolos de voo não funcionam e os bons modos
são abandonados.”
Muito estranho que o Sr. admita um pressuposto sem
sustentação factual – por que o Brasil é um avião desgovernado? Temos todas as
instituições funcionando como manda o figurino (Constituição), há produção
agrícola, comercial, industrial, os bancos funcionam, as escolas, direito de ir
e vir, etc. Temos problemas. Óbvio. Mas não somos um “avião com motores em
chamas”, salvo se para dar “sustança” a uma argumentação sem argumentos...
E, mesmo que assim tivéssemos – para efeito de sua
defesa – nada justificaria a quebra das normas judiciais. Bem ao contrário, é
nos momentos de crise que dela não podemos prescindir...
Pensei que fosse ficar nisso, mas o Sr. é ainda
mais explicito no parágrafo seguinte: “Náufragos num mar de corrupção e
desmandos, os cidadãos, incluindo os doutos em Direito, não querem saber de
salamaleques jurídicos e de ademanes normativos, regularmente manejados por
advogados de defesa. Querem que se tomem medidas objetivas que restabeleçam a
moral social e restaurem a ordem pública.”
Isto é, quando o negócio estiver pesado, esqueçam
as formalidades e legalidade. E, faça-se aquilo que a plebe reclama: justiça ao
modo que desejam. Lembrei-me, sem esforço, do Julgamento de Cristo. Pilatos
lavando as mãos e entregando Cristo aos fariseus. Mudamos nós ou mudou o tempo?
Ou nada mudou?
Sim. Fui ao
dicionário saber o que é: salamaleques jurídicos e de ademanes normativos. [salamaleque:
s.m. cumprimento exagerado; polidez sem naturalidade.] [ademanes – gestos
ensaiados e estilosos, feitos geralmente com as mãos, para expressar
sentimentos ou ideais.] O que, no vulgar, poderia ser dito como
“frescuras jurídicas.”
Querido amigo, tudo
isso é muito perigoso e abre caminho a outras atitudes ainda mais insensatas...
Não podemos retroceder na História. Desculpe, mas antes de ser um Fogo Amigo,
o texto em epígrafe, pareceu muito mais UM PALPITE INFELIZ!..
Antônio Mourão
Cavalcante.
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O psiquiatra
Antônio Mourão não pertence à ACLJ, mas, como é leitor assíduo do nosso Blog,
repercutimos acima o seu comentário.
Embora seja um
“tudólogo”, e aprecie se aventurar em raciocínios jurídicos, neste caso Mourão
sequer alcançou a cognição exata do que expressa e pretende o artigo que
comenta – mal dos brasileiros letrados que não compreendem o que estão lendo.
Quando digo que o
País vai mal em função da corrupção (ou não houve corrupção no Brasil?), e que
as pessoas do povo estão cansadas das firulas jurídicas, que provocam dilações
sem fim, além de idas e vindas das providências judiciais adotadas (ou isso não
tem ocorrido?), eu não estava dando a minha opinião pessoal.
Na verdade, eu
estava fazendo a mera constatação dos fatos reais, que não atingem somente a direita, mas, principalmente, o campo das esquerdas. O observador atento tem
que focar na realidade, e não no ideal ideológico.
O País vai muito
mal, muitas autoridades presas ou investigadas, com os Três Poderes se
entrechocando, com o Supremo Tribunal se desentendendo, após uma greve de
caminhoneiros que paralisou a economia, e indo para eleições gerais em que o
mais votado é inelegível, e o segundo mais votado é uma incógnita, a par de ser uma
esperança.
Por fim, tratando
de um debate específico entre os acadêmicos, do qual o Mourão não participou,
eu pretendia demonstrar, e demonstrei, que o Prof. Cid Carvalho tinha toda a
razão em sua tese jurídica – habeas corpus deve ser cumprido
imediatamente.
Por fim, expliquei
o raciocínio dos que defenderam a exceção dessa regra, como no caso recente,
quando irregularidades jurídicas subjacentes estavam maculando aquele “remédio
heroico”, quais fossem a condição de mero plantonista do Desembargador concedente, além da
sua óbvia suspeição em relação aos demais sujeitos da causa, por conflito de
interesses.
O leitor pode muito
bem notar onde está o “palpite infeliz”.
Reginaldo Vasconcelos
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