O SAMBA DO
CRIOULO DOIDO
Rui Martinho Rodrigues*
CRIOULO DOIDO
A disputa entre desembargadores (conflito de
competência) envolveu associações de juízes, membros do MP e da OAB. A
repercussão deveu-se ao fato do objeto de conflito ser a suspensão da execução
provisória da pena do ex-presidente Lula. A definição da vigência e da validade
da norma no campo penal é altamente sensível. Divergência é normal em Direito. Porém,
a desorientação do Judiciário abala a segurança jurídica.
O ativismo judicial e a Nova Hermenêutica
Constitucional são expressões da pós-modernidade. Modernos buscavam conceitos
válidos, classificavam e hierarquizavam normas. Admitiam universalidades, isonomia
e completude do Direito. A pós-modernidade é relativista, nega as
universalidades e a completude do Direito. Proclama a inadequação da normativa ao
caso concreto. Substituiu a subsunção do caso ao texto legal – fundada nas
técnicas de interpretação como a gramatical, a histórica, a lógica, a
sistemática – pela argumentação, adotando a zetética.
Zetética é um método de questionamentos
intermináveis e de ceticismo gnosiológico, adequado ao debate acadêmico e aos
problemas teóricos que não terminam jamais. É um tratamento filosófico do
Direito. A solução judicial de conflitos, porém, precisa ter fim em tempo
razoável. Os cidadãos precisam distinguir o obrigatório, o proibido e o
permitido. A reserva legal prevalecente no âmbito penal perde sentido quando se
aceita o relativismo cognitivo da pós-modernidade, oculto sob o manto da
zetética.
Admitir a inadequação da norma genérica à
concretude dos casos específicos afasta a isonomia. Substituir a subsunção à
norma pela ponderação é substituir as leis pela subjetividade dos homens. Nega
a democracia. A singularidade dos casos concretos é falaciosa. O inédito é aparente.
Invadir computadores e contas bancárias, por exemplo, são formas novas do velho
furto e violação de privacidade.
A obrigação de fundamentar decisão não
resguarda a segurança jurídica. O contorcionismo hermenêutico “fundamenta” tudo.
A ética teleológica é outro salvo conduto para o ativismo partidário e a
mercantilização das decisões amparadas em conceitos indeterminados.
Desembargadores e ministros do STF batendo cabeça, cidadãos desorientados,
perplexos e indignados desnudam o fracasso dos novos rumos dado ao Direito.
Confiar no novo Direito Natural, sem conceitos
razoavelmente determinados, e com a imprevisibilidade da ponderação da
autoridade e a falsa singularidade do caso concreto estão nas raízes do caos. Valores
devem embasar o Direito. Cabe, todavia, ao Legislativo fazê-lo. A tripartição
do Poder do Estado continua válida. Universalidades existem e ensejam a
completude do Direito. A ponderação baseada nos princípios gerais do Direito e
na analogia reservam-se à integração, não à interpretação do Direito.
Porto Alegre, 9/7/18.
COMENTÁRIO
Rui
Martinho Rodrigues, grande cientista político e sociólogo refinando, mestre de
todos nós, enquadra em seu artigo as recentes estripulias dos magistrados brasileiros,
notadamente integrantes dos tribunais, como fenômeno jurídico, baseado em uma
processualística pós-moderna, que ele considera equivocada.
Semelha
uma análise científica que se fizesse das causas psicossociais das facções
criminosas no Brasil, de tal modo que, ao fim e ao cabo do estudo, restasse mitigada
a culpabilidade essencial de seus integrantes, colocando a explicação de sua
conduta criminosa em complexos processos ontológicos, antropológicos, sociológicos.
Ora,
o que ocorre de fato no crime organizado violento, na prática, pão-pão – queijo-queijo,
é banditismo desvairado, a requerer combate efetivo e enérgico. Fizeram-se mil
interpretações eruditas sobre o fenômeno do cangaço, mas ele somente cessou
quando foi militarmente enfrentado e exterminado.
O
que acontece no Judiciário Brasileiro, a meu sentir, com todas as vênias, não é
uma novel mentalidade jurídica que entenda, de forma intelectualmente elaborada, deva a norma ser
adaptada ao caso concreto. O que está ocorrendo é a atuação ideológica de desembargadores
e ministros de tribunais nomeados por políticos, ou pelo “quinto constitucional”, o que também
é uma excrecência.
Advogado
é advogado a vida toda; promotor e procurador o são para sempre. Só os juízes de
carreira adquirem a embocadura adequada para julgar imparcialmente. Os juízes de
fato não se conformam em ser apenas juízes de direito – com perdão do
trocadilho. Eles querem fazer justiça.
Juízes
de direito, que também o são de fato, são conscientes de que a sua função é distribuir justiça,
assim como os cantores sabem que a sua função é usar a voz. Juízes de direito,
que não são juizes de fato, são como cantores mudos. Sua judicatura é mero
exercício de dublagem.
O
desembargador que tentou soltar o Lula se desfilhou do PT para se desincompatibilizar,
ao deixar a advocacia para assumir a judicatura, pelas mãos de Dilma Rousseff,
mas continuou um “cumpanhero”, defensor dos mesmos ideais, obviamente, que ninguém trafega facilmente de uma convicção ideológica para outra.
O
que ele fez, qualquer estudante terceiranista de Direito sabe que ele não poderia
fazer. Não porque a prisão do Lula seja justa; ou porque ainda vigora o
entendimento do STF no sentido de que o trânsito em julgado na Justiça Ordinária
justifique o início da pena; ou porque os argumentos dos políticos que
impetraram o habeas corpus fossem ineptos; ou porque não havia “fato novo”.
O
Desembargador Favreto não podia acolher aquele habeas corpus porque ele era
plantonista, e o desembargador plantonista somente pode decidir, em processos relatados
por colegas, em casos de
intercorrências processuais imprevisíveis, flagrantes, que exijam uma canetada inadiável. Em emergências judiciárias,
que requeiram medidas mais urgentes do que definitivas, tomadas por um julgador ocasional.
O
que ele fez foi uma tentativa tresloucada de atender os interesses dos seus
correligionários tradicionais, dentro da metodologia transversa que vem
norteando a política brasileira. Aproveitando-se ele de uma aparente oportunidade, terminou
por ficar desmoralizado, e por multiplicar os cadeados que trancafiam Lula da
Silva. Agora vai ficar bem mais difícil alguém se atrever a tentar de novo. Lula é vítima novamente dos seus simpatizantes “aloprados”.
Reginaldo
Vasconcelos
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