terça-feira, 31 de julho de 2018

NOTA FÚNEBRE - Morre Ari Cunha


MORRE ARI CUNHA


O jornalista, colunista e vice-presidente institucional do Correio Brasiliense Ari Cunha morreu durante a madrugada desta terça-feira (31/7), aos 91 anos. Segundo uma das filhas do jornalista, Circe, Ari Cunha faleceu em casa após sofrer falência múltipla de órgãos devido à idade e às condições de saúde dele. O velório está previsto para a manhã desta quarta-feira (1°/8) e o sepultamento, para às 17h, no Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul.


Filho de Eva e Raimundo Gomes de Pontes Cunha, José de Arimathéa Gomes Cunha nasceu em 22 de julho de 1927, na cidade cearense de Mondubim. Ele descobriu ainda criança a habilidade para a escrita e a para a notícia. Aos 16 anos, em 1944, foi contratado como revisor da Gazeta de Notícias, de Fortaleza, e, depois, trabalhou no jornal Estado.

A bordo de um navio, deixou a Região Nordeste em 1948 em direção ao Rio de Janeiro, onde começou carreira no Bureau Interestadual de Imprensa e no International News Service.


Matéria da edição de hoje (31.07.18) do jornal Correio Brasiliense, enviado por Wilson Ibiapina.




Ari Cunha era cearense de Fortaleza, nascido em Mondubim. Desde cedo radicou-se no Rio, e depois em Brasília. 

Em 2006, Ari Cunha foi homenageado com o Troféu Sereia de Ouro, do Sistema Verdes Mares de Comunicação, prêmio instituído pelo Chanceler Edson Queiroz para distinguir os cearenses que se destacam em todas as áreas.

O evento anual de outorga da Sereia de Ouro é hoje capitaneado pelo Chanceler Edson Queiroz Neto, que é Membro Benemérito da ACLJ.
  


MORREU O HOMEM
DAS ÁRVORES INTOCADAS

Em 1957, Assis Chateaubriand mandou para Brasília um jovem jornalista dos Diários Associados no Rio com a missão de chefiar a equipe que ergueria a sede do Correio Braziliense.

Ari Cunha assim fez. Preservou o máximo que pôde as árvores esturricadas do cerrado goiano no lote do futuro Setor de Indústrias Gráficas em que pontificaria o Correio. Foi o primeiro ecologista de Brasília.

O primeiro exemplar do jornal rodou no dia da inauguração da Capital. Uma epopeia igual a dos construtores pioneiros, pois acompanhou exatamente os 3 anos dados por JK para que o sonho se realizasse.

O Ari morreu com suas árvores intocadas. Ainda estão lá. E lá estarão sempre.

Leonardo Mota Neto



segunda-feira, 30 de julho de 2018

ARTIGO - O Vídeo Que Me Mandou Augusto Câmara (HE)


O VÍDEO QUE
ME ENVIOU
AUGUSTO CÂMARA
Humberto Ellery*



Uma senhora postou um vídeo na Internet, apontando dois erros do padre de sua paróquia. Em primeiro lugar, ele cometeu um erro conceitual quando se disse apolítico. Isso não existe. O homem é um animal político (Aristóteles); talvez ele se pretenda apartidário, o que também não é, uma vez que tomou partido contrário a um dos candidatos.

Os padres, pastores, rabinos e demais líderes religiosos têm, mais que o direito, o dever de orientar seus seguidores no sentido de escolherem seus candidatos segundo suas convicções religiosas de honestidade e honradez, mostrando o mal que ideologias totalitárias (nazismo, fascismo, comunismo) têm praticado ao longo da História. Pode orientá-los no sentido de evitar candidatos corruptos (não é tão difícil reconhecê-los) e populistas, que oferecem um paraíso inalcançável, ou soluções milagrosas e inexequíveis, verdadeiras utopias.

Mas a senhora, que me pareceu indignada, também cometeu alguns equívocos. Em primeiro lugar, fez uma confusão entre os padres e a Igreja. Padres, mesmo fazendo parte de instituições católicas, como a CNBB, cometem barbaridades que não podem ser atribuídas à Igreja. Eles fazem parte da Igreja, mas não são a Igreja.

O próprio Papa só é infalível quando fala Ex Catedra sobre questões doutrinárias. O nosso querido Papa Francisco, em viagem entre o Sri Lanka e as Filipinas, em janeiro de 2015, afirmou que “se o Dr. Gasbarri, que é um grande amigo, xingar a minha mãe, se prepare para levar um soco”. Com todo o respeito à Sua Santidade, essa afirmação é uma Heresia, pois contrária à doutrina de Jesus Cristo de “oferecer a outra face”. Difícil? É, mas quem disse que é fácil ser cristão?

Não gostaria de tecer comentários acerca do candidato Bolsonaro, mas me parece que a senhora indignada está escolhendo seu candidato por enxergar nele o contrário do lulismo que, sim, infelicitou nosso País. Mas talvez ela não tenha percebido que o candidato é apenas e tão somente a outra face de uma mesma moeda: trata-se de um Lula com o sinal trocado.

Quando será que vamos chegar à posição de equilíbrio desse pêndulo? Chega de mitos, chega de salvadores da pátria, chega de Jânios, de Collors, de Lulas. Já é tempo de escolhermos um candidato que fuja desse figurino tão “manjado”, e possamos buscar alguém equilibrado, sereno, competente, que tenha serviços prestados, alguém que se aproxime do modelo de um estadista, e não um populista.



COMENTÁRIO

Parece-me que é justa e legítima a indignação dessa senhora referida no artigo do impagável Humberto Ellery, confrade de ideias tão límpidas e de tão clara redação. Um sacerdote não pode usar o púlpito para praticar politicagem.

Em tese, ele é um pastor de almas e não um defensor de ideias partidárias, de ideologias políticas, portanto lhe é defeso se postar de perseguidor de candidatos, ou de adorador de outros, que todos estão devidamente submetidos somente à legislação eleitoral.

Um representante do Divino na terra, ele tem que batizar e extrema-ungir, acatar e perdoar, o rico e o pobre, o ladrão e a sua vítima, o supliciado e o seu algoz, cabendo-lhe, no máximo, pregar contra o mal, genericamente colocado, bem como aconselhar o pecador ao seu ouvido.

Aliás, como se diz ter feito o nosso inolvidável Padre Cícero, que em sede privada teria repreendido pessoal e vigorosamente o Cangaceiro Lampião, dizem que até brandido o seu cajado simbolicamente contra o bandido genuflexo diante dele.

Aconselhou-o a seguir o que fizera Antônio Silvino, um bandoleiro precursor, que, ao receber um indulto de Getúlio Vargas, transferiu-se para Goiás, onde consta que se tornou um próspero e bem-comportado fazendeiro. Se Virgulino tivesse escutado o velho padre, teria mantido a cabeça nos ombros e teria salvo a própria alma.

Mas discordo do brilhante articulista quando diz que padres e Igreja não se podem confundir. Ora, e o que é a Igreja, se não o seu corpo eclesiástico? Serão os prédios, os templos, as relíquias que eles guardam? Inclusive legalmente, qualquer pessoa jurídica se constitui de seus integrantes, confunde-se com estes e é por eles e por seus atos responsável.

Quanto ao Capitão Bolsonaro, que por sinal é católico praticante, trata-se realmente de um candidato mitológico – assim como Lula da Silva – de modo que nada que se diga dele, ou que se deixe de dizer, vai interferir no seu patrimônio eleitoral – nem para menos, nem para mais.

Pode ser que Bolsonaro não se eleja nesse pleito majoritário, como pode ser que o Lula nem seja candidato. Mas tenho certeza de que seus respectivos eleitorados estão absolutamente definidos, pois que não se demove lulistas e bolsonarianos da sua paixão respectiva – que não se alterará por qualquer infâmia, nem se transferirá por qualquer argumentação racional.

Reginaldo Vasconcelos
                     


domingo, 29 de julho de 2018

CRÔNICA - Furna da Onça (TL)



FURNA DA ONÇA
Totonho Laprovitera*




Curiosamente, “seu” Joaquim era um comerciante fora do comum. Para se ter ideia disso, por exemplo, ele dava preferência a empregar ex-detentos em sua famosa loja de móveis usados,  não se importando com o histórico dos delitos deles. Isso, nos anos 60, em Fortaleza.

Uma vez, ao receber a visita da Fiscalização da Fazenda Estadual em sua “Furna da Onça”, “seu” Joaquim assim justificou a ausência do livro contábil na loja: - “Excelência, o livro tá com o contador, que levou pra casa dele, coitado... Acontece que o pobre infeliz tá acometido de lepra, mas aguarde um minuto só que eu vou mandar buscar agora mesmo pro senhor examinar.” 

Aí, pelando-se de medo de pegar o mal-de-são-lázaro, o fiscal almofadinha escusou a busca do folhoso, alegando estar muito avexado e que depois retornaria àquele estabelecimento comercial.


CRÔNICA - "Só Dois Voltaram" (VM)


“SÓ DOIS VOLTARAM”
Vianney Mesquita*

(Para o Prof. Dr. Arnaldo Santos)



  Arre égua! Cadê os Outros? (Dito popular)



Conquanto meio acovardado, para não encarar assunto sério e desagradável no domingo, Dia do Senhor, a fim de nominar esta croniqueta, pego bochecha na boleia do camião ontem dirigido pelo Dr. Reginaldo Vasconcelos, no belo artigo intitulado A Volta dos que não Foram, onde bem cuida, com raro potencial de leitura e decodificação da realidade, de assunto vergonhoso e paulificante, com licença das más palavras  as eleições de 2018 no Brasil.

A seu turno, o Prof. Dr. Rui Martinho Rodrigues, lá dos Pampas gaúchos, nos mimoseia com dois paradigmáticos textos, cobrindo outras matérias cascudas, atinentes à vida nacional, conforme o fizeram e registaram em livro, também, os enormes Gilberto Freyre, Fernando de Azevedo e Sérgio Buarque de Holanda, entre tantos, num transato mais distante.

Esses argumentos, todavia, resultam bem menos densos de opressão temática, mercê do estilo inteligente do autor, das suas tiradas cultas e teores professoralmente informativos, particulares aos seus cabedais de cultura, os quais, para regozijo dos seus receptores, ele socializa midiaticamente, em vez de guardar somente para si.

Esta providência – a segunda – configura o jeito como fazem os metidos a sabidos, os pseudossábios, que só querem deitar sua mistura de sabedoria-apedeutismo no âmbito das arcádias e silogeus (onde alguns adentram por dinheiro), felizmente sem qualquer espalhamento massivo, nem conceder o menor cartaz ao uomo qualunque, como outrora a inteligência italiana chamava a pessoa comum, o zé-povinho, a plebe rude – mencionada por Miguel Gustavo, no seu Café Soçaite – alfim, nós, consumidores de informações jornalísticas.

Limpei, também, a vista com a crônica bem tecida do intelectual Marcos Maia Gurgel, evocando estórias dos seus começos como cirurgião-dentista do Exército Brasileiro, sob a rubrica de Com o Exército não Dói, evidentemente – espero – sem alusão a certas possibilidades que fazem tremer em seus carneiros os militantes da derradeira “gloriosa” civil-castrense, enchendo-nos de sobrosso das botinas e seus desdobres, da caserna para as ruas.

Enfim, a folha da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, no dia de ontem, primou pela elegância e o fino trato da Língua Portuguesa, fato que dela me aproxima, num crescendo, feito admirante de seus haveres informativos e culturais, até como um sóbrio colaborador no decurso de uns seis anos.

Sem mais tardança, como um paregórico para esta dor de barriga que lota os media, me remeto ligeiramente à molecagem cearense, nomeadamente quando as pessoas tinham mais tempo disponível para industriar suas patranhas e invenções gaiatas, sem tanta tecnologia para operar, sem smartphone para cutucar – em casa, na rua, no cinema, na aula et reliqua. A história das façanhas moleques do Ceará é suficientemente rica, enciclopédica, com narrações de tipos e comportamentos os mais singulares.

De carona no comboio lusitano do Dr. Reginaldo – que se reportou à A Volta dos que não Foram, uma das facetas interessantes daqui é a titulagem conferida aos filmes, aliás, que o cearense inventa e debita a graça aos piauienses, nas denominações enviesadas das películas, mormente as mais vistas, como Assim Caminha a Humanidade, que a raça transfere para o teresinense, principalmente, os novos títulos, no caso, Arre égua, pra onde vai tanta gente?

Candelabro italiano é Lamparina estrangeira; O último dos bravos é O derradeiro caboco escroto; Só dois voltaram tem como título de Arre égua, cadê os outros?  Romeu e Julieta é Esse bichim, essa bichinha; Perdidos no espaço, por sua vez, é Areado nos ares e 55 dias em Pequim é Quase dois meses fora de casa etc. etc.

Nos dísticos de frente de caminhões, então, a inventiva é espetacular! Exemplos: em carreta Mercedes Benz, é escrito Enquanto Maria Reza, Mercedes Benze; Mulher feia e caju azedo minha vara não cutuca; Eu não troco uma coroa por dez obturações; Dinheiro é coisa do Diabo, (mas, Quer ver o Diabo, fique sem dinheiro!) E por aí vai ...

As comparações, que dão outra crônica – e grande – são também engraçadas, como Está melado que nem menino gripado chupando manga; Apanha que só tapete em dia de faxina; Grosso que só mijada de elefante; Liso que nem muçum ensaboado; Quebrado que só arroz de terceira; Valente que nem leão com dor de ouvido; Imoral que nem o papagaio do Joãozinho; Passa fome que nem rato em casa de ferragem; Curto que nem coice de bacorinho [...]

São tantas invencionices, umas mais pesadas, fora da linguagem civil – que não se sustentam nesse medium, porém muito engraçadas, como soem ser as coisas dissolutas, não sendo urbano, entretanto, socializá-las (ao meu sentir) nos meios de comunicação maciça.

Lembro-me de, no Rio de Janeiro, só faltar “matar” de rir o jornalista cearense, ali radicado, Hamilton Alcântara (filho do Tancredo Alcântara, o “Casco Escuro”), quando disse que, no Piauí, Chico Rabo Seco era o nome do ator Francisco Cuoco, na época trabalhando na novela Feijão Maravilha (1979).

É bobagem se falar nisso, talvez. Agora, sem nenhuma dúvida, é bem mais agradável do que se reportar às postulações à Presidência da República nas eleições de 2018, o que me não apetece, porém, reconheço ser absolutamente necessário – mandatório, até  que a imprensa informe, sem, entanto, tomar partido. Que seja feito como fazem nossos colaboradores deste jornal eletrônico...




COMENTÁRIOS

Vianney Mesquita, uma das nossas maiores reservas intelectuais, conhecedor dos meandros do idioma vernáculo, dono de uma rica sinonímia, um ícone do magistério superior no Ceará, tem uma veia satírica refinada, como na crônica acima se percebe, em que ele nos traz exemplos do “Ceará Moleque” de Quintino Cunha, que já não existe mais.

Já não se tem a própria vaia, que tanto nos caracterizou, tampouco o estrépito produzido com a boca, ao modo dos flatos dos cavalos, usado antes pela molecada para desancar e fazer “perder o rebolado” algum pedante que passasse.

Os modernos conceitos do “politicamente correto”, do bullying e do “assédio moral”, a criminalização da jocosidade e da facécia, pelo nervo exposto em que a individualidade se tornou, hipersensibilizando os diferentes – cujas diferenças não se podem mais glosar, e sequer notar, sob pena de processo na Justiça – tirou de nós a disposição de pespegar os apelidos e de fazer gozações, quase sempre tão bem humoradas e sadias.

Inventar títulos de peças de cinema – A Volta dos Que Não Foram, Incêndio na Caixa D’água, Batalha Naval no Deserto do Saara, etc. – ou acarinhar os sobralenses com o título de americanos, e os piauienses com ditados maliciosos, “mais medroso que a Polícia do Piauí”, por exemplo, quando se sabe que aquele povo-irmão é gentil e generoso e que os seus homens da lei são tão corajosos quanto os nossos.

Falando de dísticos populares, como as frades de para-choques, alguns são maravilhoso: “Que Deus me proteja do que vem pela frente. E que venha pela frente”. Atrás de um velho fusca se lia a seguinte recomendação, dirigida aos buzinadores apressados: “A minha pisada é essa!”. Já no vidro traseiro de uma camioneta, alguém escreveu: “Sem Deus... nem tente!”.

Deploro os pichadores, uma classe de idiotas que empestam o mundo todo – esta, sim, uma patologia social odienta trazida pela modernidade. Mas talvez nem fosse tão rigoroso em relação a eles se, em vez de encher a vida de rabiscos, que imaginam ser arte, pelo menos deixassem nas nossas paredes frases inteligentes, espirituosas e poéticas, ao estilo dos caminhoneiros.

Uma vez encontrei escrito a pincel, em um velho muro, numa rua de subúrbio em Fortaleza, uma declaração de amor tão franca, vigorosa e poética, cheia de aliteração, que jamais pude esquecer, e sobre a qual até já  croniquei: “Dea. Te adoro, sua doita. Jean”.

Reginaldo Vasconcelos

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Em relação à última referência do Dr. Reginaldo, certa vez eu ia no ônibus do Jardim América e vi, escrito em um muro do hoje Shopping Benfica, a frase: “Adile, porque você não olha para mim?” (o por que estava junto).

Todos os dias, passava por ali e já havia deixado de ler a sentença do apaixonado, quando, uma vez, divisei, escrito, embaixo:  “Porque você escreve Português muito mal”.

E a canalha da UDN ficou dizendo que quem escreveu a resposta foi o Arnaldo Santos. Será?

Obrigado ao Dr. Reginaldo pelas referências elogiosas e, talvez, imerecidas. Tem muita gente, muita mesmo, melhor do que eu.

Abração.

Vianney Mesquita


sábado, 28 de julho de 2018

ARTIGO - O Novo Tempo e a Política (RMR)


O NOVO TEMPO
E A POLÍTICA
Rui Martinho Rodrigues*



Vivemos um novo tempo. A Pós-modernidade é caracterizada pela instabilidade das referências, o relativismo cognitivo e axiológico, a inovação tecnológica constante e o fim do segredo. A imprevisão tornou-se aguda. 

Compreender o mundo e exercer liderança tornou-se mais difícil. Intelectuais, políticos, sindicatos e partidos sofrem descrédito crescente. A transparência do novo tempo, expondo o lado podre das lideranças e instituições muito contribuiu para isso. A complexidade do mundo e a difusão de informações evidenciaram a fragilidade das narrativas ideológicas.

Falar em pobreza comparada, sob o nome de desigualdade, quando o que interessa é a pobreza objetiva, revelada pelos indicadores tais como os de esperança de vida, escolaridade e acesso aos bens que significam conforto, continua seduzindo os que padecem de indigestão de letras. Mas a desilusão com os que aparentam virtude, seguindo o conselho de Maquiavel (1469 – 1527), é um fenômeno crescente. 

Estatizar a solidariedade, retirando-a de sobre os próprios ombros, convence cada vez menos. O exercício do poder pelos que se presumem sábios e virtuosos perde credibilidade. São os que se propunham a governar como os reis filósofos da República de Platão (427. a. C – 347.C.). Manipulam as massas. Prometem bem-estar. Fingem representar, mas querem dirigir. Perderam credibilidade no mundo inteiro.

No Brasil tudo é mais agudo. A instabilidade das referências dissolveu a separação dos poderes. O Judiciário legisla e executa. A difusão da informação desmascarou os que se passavam por defensores dos fracos e oprimidos. O assassinato de reputações voltou-se, como um bumerangue, contra quem o praticava. 

Os estranhos no ninho da política – ou quem nele habitava como um corpo estranho – desgastaram-se menos. Os anticorpos da velha política atacam violentamente os corpos estranhos no seu território, para o que não faltam bons argumentos. Estranhos não sabem navegar no organismo invadido. São incompetentes. Mas o que o espírito do novo tempo deseja é ruptura com o mecanismo carcomido. O Brexit e a eleição de Donald Trump, respectivamente no Reino Unido e nos EUA, tornaram evidente a opção pela ruptura, não uma escolha pela competência (desacreditada).

Líderes e instituições em crise política, econômica e ética representam o abismo. Mas do caos nasce a luz? Então a história está grávida. Não se sabe quão demorado e doloroso pode ser o parto. Velhas doutrinas falharam. Os sem-doutrina mostram-se despreparados, a não ser que o único preparo necessário seja a disposição para romper com as velhas doutrinas, que tanto infelicitaram o mundo, e ousar inovar. 

Crise é impasse e oportunidade. Temos perdido muitas oportunidades. Um fantasma, porém, ronda a política. Tolerado pelos que percebem a desmoralização generalizada como nivelando todos por baixo; amparado pelos que perderam o acesso às tetas oficiais; idolatrado pelos iludidos com a ideia mágica do bem-estar sem investimento e sem produtividade. A Lava Jato poderá exorcizá-lo? Depende do STF.

Porto Alegre, 27 de julho de 2018.


CRÔNICA - Com o Exército, Não Doi! (MMG)


COM O EXÉRCITO, 
NÃO DÓI!
Marcos Maia Gurgel*



Como 2ª Tenente R/2 do Quadro de Saúde, lotado no Hospital do Exército em Fortaleza, e cedido ao Quartel do 23º Batalhão de Caçadores, participei de uma Ação Cívico-Social em um pequeno Distrito do Município de Caucaia, região metropolitana de Fortaleza.

Hospital de campanha montado, iniciei o trabalho no começo de uma bela manhã. O primeiro paciente, um falante, que foi logo dizendo: “Toda vez que o Exército vem aqui eu extraio um dente. Todo mundo sabe que eu só extraio dente com o Exército, porque, com o Exército, não dói”.

Posicionei o saltitante paciente na cadeira odontológica – de campanha, muito sem conforto – e comecei a trabalhar. Logo de cara fraturei a coroa de um primeiro molar inferior. Mas fui por ele encorajado: “Vá em frente Doutor. É sempre assim. Eu sou descendente de índios, e tenho os dentes muito duros”.

Era janeiro de 1978, eu, em início de profissão, tinha pouca experiência. Então procurei me valer do Capitão Chefe. Procurei-o, mas não o encontrei. Então, consegui um esforçado soldado para me auxiliar e, não tendo a coroa do dente para facilitar a exodontia, iniciei o “quebra-quebra”, com cinzel e martelo.

Dava uma pancada e perguntava: “Doeu?”. E lá vinha a resposta indagativa: “Como Tenente, se com o Exército não dói?”. Duas horas de luta, consegui o intento, terminei a extração, mediquei o paciente e o dispensei.

À noite, no acampamento, eu já deitado, eis que o índio-falante procura pelo Tenente Gurgel... e quando o vi, imaginei: “Meu Deus, esse coitado deve estar morrendo de dor!”. Com o coração angustiado me dirigi a ele e perguntei: “Está sentindo alguma coisa, está com muita dor?”. E veio a resposta incontinenti: 

Não estou sentindo nada. Eu vim só saber se podemos arrancar o dente vizinho, amanhã de manhãzinha”. E repetiu o velho chavão: “Dor que nada, Tenente.  Com o Exército, não dói.


ARTIGO - O Abandono da Cidadania (RMR)

O ABANDONO DA CIDADANIA
Rui Martinho Rodrigues*



Os brasileiros tomaram-se de indignação com a política tradicional. Explodiram nas jornadas de junho de 2013. Destituíram a Presidente Dilma. Encheram-se de entusiasmo e de esperança com as condenações da Lava Java, que também recuperou somas expressivas do dinheiro desviado do erário.


Criou-se uma expectativa de que os problemas seculares, agudizados pela recessão semeada pelo governo destituído, fossem resolvidos de imediato. O que temos, porém, é a mais profunda depressão econômica, cuja complexidade não permite recuperação a curto prazo. Raízes políticas e institucionais da crise não serão removidas com brevidade.

O público percebeu isso. A sucessão manteve no poder parte da composição do governo destituído. As práticas da velha e desmoralizada política continuam, indiferentes à Lava Jato. As idas e vindas do Judiciário colocam em dúvida o prosseguimento das investigações e condenações que fizeram o brasileiro sonhar com o fim da impunidade. Ficou evidente que não temos partidos dignos deste nome.


A falta de liderança capaz e confiável ficou evidente. O eleitorado perdeu a esperança. A ideia de emigrar atingiu proporções inéditas no Brasil, que deixou de ser visto como o país do futuro, para ser considerado um país sem futuro, no limite das projeções previsíveis. Saímos do exagero otimista para o pessimismo extremado. A situação é grave, mas tem solução, ainda que com prolongado sacrifício. 

A desesperança, todavia, levou os brasileiros na direção do voto nulo ou em branco. O não comparecimento às urnas, segundo pesquisas, tende a alcançar proporções preocupantes. É a renúncia ao exercício da cidadania. Quem está abdicando do voto válido? Os indignados e desesperançados. Algum líder, individualmente, ainda pode atrair votos na esfera do Executivo. O Parlamento, porém, não conta com a sedução dos salvadores da pátria, líderes carismáticos havidos como mitos. A renúncia ao exercício da cidadania é mais aguda no tocante ao voto para as casas legislativas.



O presidencialismo de cooptação foi desmascarado. O Congresso sofreu grande desgaste. As campanhas, que já estão em andamento há muito tempo, só tratam dos cargos executivos. O sistema proporcional desorienta o eleitor, que não sabe quem se beneficia do seu voto. Não temos desinteresse pela política. Desesperança é a atitude dos que se abstêm do voto. 

O sentimento tem fundadas razões. Mas nada pode ser pior do que a renúncia ao exercício da cidadania. Quem se beneficia da inapetência política? O velho e tradicional jogo da política de favores. Na ausência do voto cidadão, o voto vendido passa a ter um peso proporcionalmente maior. Outro beneficiado é o voto sectário, da militância de partidos de convicção, com todas as suas mazelas, que vão da intolerância messiânica ao comportamento inescrupuloso dos supostos salvadores, para os quais os fins justificam os meios.

Porto Alegre, 23 de julho de 2018.


ARTIGO - A Volta Dos Que Não Foram (RV)


A VOLTA DOS 
QUE NÃO FORAM
Reginaldo Vasconcelos*



Brasil já vai à guerra / comprou um porta aviões / um viva pra Inglaterra / de oitenta e dois bilhões / mas que ladrões! (Juca Chaves)



Em 1960, o Governo Kubitschek resolveu adquirir, pelo equivalente a nove milhões de dólares, o porta-aviões inglês Vengeanse, construído para a 2ª Grande Guerra, que entre nós recebeu o pomposo nome de Navio-Aeródromo Ligeiro (NAeL) Minas Gerais (A-11). 


Cinquenta anos depois o Minas Gerais, que custou caro e não teria nenhuma utilidade prática no Brasil de então, considerado um país subdesenvolvido e não beligerante, que já se endividara bastante para construir Brasília, foi vendido para ser depeçado nas sucatas náuticas da Índia.

A estrofe da modinha “Brasil Já Vai à Guerra”, citada à epígrafe, do irônico compositor Juca Chaves, gravada naquela época, merece agora a paráfrase abaixo:

Brasil já vai às urnas, pagamos a eleição, um viva pro Congresso de quase dois bilhões, mas que ladrões”.

Sim, somos uma democracia. Vamos “escolher” os menos piores, entre os “cândidos” concorrentes que nos serão impostos pelos partidos políticos brasileiros, os quais, como todos nós sabemos, em sua grande maioria não passam de feudos políticos, de grupos de interesses, alguns até considerados “organizações criminosas”.

Para tanto, o Parlamento Brasileiro aprovou uma verba vultosa (nada menos que 1,7 bilhão de reais), grande parte dela vinda dos tributos arrancados do suor dos brasileiros, para custear as mentiras eleitorais dos candidatos que pretendem se reeleger aos mesmos cargos, ou a cargos maiores.

Bastaria ao eleitor que fossem divulgadas amplamente a vida pregressa, as credenciais sociopolíticas, e as bandeiras administrativas defendidas por cada candidato, bem como impor debates entre os pretendentes a cargos majoritários, sem a mínima necessidade de se promover um derramamento de verbas públicas em comícios e em propaganda eleitoral, que somente servem para encantar e iludir o eleitorado.  

Querem permanecer no Legislativo e no Executivo, onde possam manter gordos proventos, dezenas de assessores e demais mordomias, quando são os mesmos que não demonstraram a minha competência político-administrativa para conduzir de forma honesta e eficiente os destinos da Nação – bem como dos Estados, as Unidades da Federação que a compõem. Os que foram, e que não mereceram ter ido, querem voltar com caras novas.  

Muito poucos deles têm verdadeiro espírito público, quase todos destituídos de patriotismo, uma parte composta de ideólogos desvairados, tentando vender um onírico céu de bonanças sociais em troca do poder absoluto, a outra parte de notórios fisiológicos, que só almejam o seu enriquecimento próprio, locupletando-se contra o erário.

Eu, de minha parte, não vislumbro no horizonte eleitoral os candidatos ideais, pessoas equilibradas e maduras, de passado ilibado, estadistas dignos e intelectualmente preparados para as mais elevadas funções estatais.


Todavia, sem dar atenção às mentiras da propaganda obrigatória, muito menos às fake news da Internet, vou fazer um acurado exercício de escrutínio mental para distinguir aqueles que pelo menos demonstrem as melhores intenções e ostentem inquestionável probidade, que jamais se tenham envolvido com governos corruptos e desastrados, e que prometam pulso forte contra a crise ética que temos vivido, bem como respeito à liturgia de seus cargos, visando garantir a paz social e restaurar a autoridade e a moral públicas nacionais.