“SÓ DOIS VOLTARAM”
Vianney Mesquita*
(Para o Prof. Dr. Arnaldo Santos)
Arre
égua! Cadê os Outros? (Dito popular)
Conquanto
meio acovardado, para não encarar assunto sério e desagradável no domingo, Dia
do Senhor, a fim de nominar esta croniqueta, pego bochecha na boleia do camião
ontem dirigido pelo Dr. Reginaldo Vasconcelos, no belo artigo intitulado A Volta dos que não Foram, onde bem cuida,
com raro potencial de leitura e decodificação da realidade, de assunto
vergonhoso e paulificante, com licença das más palavras – as eleições de 2018
no Brasil.
A
seu turno, o Prof. Dr. Rui Martinho Rodrigues, lá dos Pampas gaúchos, nos
mimoseia com dois paradigmáticos textos, cobrindo outras matérias cascudas,
atinentes à vida nacional, conforme o fizeram e registaram em livro, também, os
enormes Gilberto Freyre, Fernando de Azevedo e Sérgio Buarque de Holanda, entre
tantos, num transato mais distante.
Esses
argumentos, todavia, resultam bem menos densos de opressão temática, mercê do
estilo inteligente do autor, das suas tiradas cultas e teores professoralmente
informativos, particulares aos seus cabedais de cultura, os quais, para
regozijo dos seus receptores, ele socializa midiaticamente, em vez de guardar
somente para si.
Esta
providência – a segunda – configura o jeito como fazem os metidos a sabidos, os
pseudossábios, que só querem deitar sua mistura de sabedoria-apedeutismo no
âmbito das arcádias e silogeus (onde alguns adentram por dinheiro), felizmente
sem qualquer espalhamento massivo, nem conceder o menor cartaz ao uomo qualunque, como outrora a
inteligência italiana chamava a pessoa comum, o zé-povinho, a plebe rude – mencionada por Miguel Gustavo, no seu Café Soçaite – alfim, nós,
consumidores de informações jornalísticas.
Limpei,
também, a vista com a crônica bem tecida do intelectual Marcos Maia Gurgel,
evocando estórias dos seus começos como cirurgião-dentista do Exército
Brasileiro, sob a rubrica de Com o
Exército não Dói, evidentemente – espero – sem alusão a certas
possibilidades que fazem tremer em seus carneiros os militantes da derradeira
“gloriosa” civil-castrense, enchendo-nos de sobrosso das botinas e seus
desdobres, da caserna para as ruas.
Enfim,
a folha da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, no dia de ontem,
primou pela elegância e o fino trato da Língua Portuguesa, fato que dela me
aproxima, num crescendo, feito admirante de seus haveres informativos e
culturais, até como um sóbrio colaborador no decurso de uns seis anos.
Sem
mais tardança, como um paregórico para esta dor de barriga que lota os media, me remeto ligeiramente à
molecagem cearense, nomeadamente quando as pessoas tinham mais tempo disponível
para industriar suas patranhas e invenções gaiatas, sem tanta tecnologia para
operar, sem smartphone para cutucar –
em casa, na rua, no cinema, na aula et
reliqua. A história das façanhas moleques do Ceará é suficientemente rica,
enciclopédica, com narrações de tipos e comportamentos os mais singulares.
De
carona no comboio lusitano do Dr. Reginaldo – que se reportou à A Volta dos que não Foram, uma das
facetas interessantes daqui é a titulagem conferida aos filmes, aliás, que o
cearense inventa e debita a graça aos piauienses, nas denominações enviesadas
das películas, mormente as mais vistas, como Assim Caminha a Humanidade, que a raça transfere para o teresinense, principalmente, os novos títulos,
no caso, Arre égua, pra onde vai tanta
gente?
Candelabro italiano é Lamparina
estrangeira; O último dos bravos é O
derradeiro caboco escroto; Só dois voltaram tem como título de Arre égua, cadê os outros? Romeu e
Julieta é Esse bichim, essa bichinha;
Perdidos no espaço, por sua vez, é Areado nos ares e 55 dias em Pequim é Quase
dois meses fora de casa etc. etc.
Nos
dísticos de frente de caminhões, então, a inventiva é espetacular! Exemplos: em
carreta Mercedes Benz, é escrito Enquanto
Maria Reza, Mercedes Benze; Mulher feia e caju azedo minha vara não cutuca; Eu
não troco uma coroa por dez obturações; Dinheiro é coisa do Diabo, (mas, Quer
ver o Diabo, fique sem dinheiro!) E por aí vai ...
As
comparações, que dão outra crônica – e grande – são também engraçadas, como Está melado que nem menino gripado chupando
manga; Apanha que só tapete em dia de
faxina; Grosso que só mijada de elefante; Liso que nem muçum ensaboado; Quebrado que só arroz de terceira; Valente
que nem leão com dor de ouvido; Imoral que nem o papagaio do Joãozinho; Passa
fome que nem rato em casa de ferragem; Curto que nem coice de bacorinho [...]
São
tantas invencionices, umas mais pesadas, fora da linguagem civil – que não se
sustentam nesse medium, porém muito
engraçadas, como soem ser as coisas dissolutas, não sendo urbano, entretanto,
socializá-las (ao meu sentir) nos meios de comunicação maciça.
Lembro-me
de, no Rio de Janeiro, só faltar “matar” de rir o jornalista cearense, ali
radicado, Hamilton Alcântara (filho do Tancredo Alcântara, o “Casco Escuro”),
quando disse que, no Piauí, Chico Rabo
Seco era o nome do ator Francisco Cuoco, na época trabalhando na novela Feijão Maravilha (1979).
É
bobagem se falar nisso, talvez. Agora, sem nenhuma dúvida, é bem mais agradável
do que se reportar às postulações à Presidência da República nas eleições de
2018, o que me não apetece, porém, reconheço ser absolutamente necessário –
mandatório, até – que a imprensa informe, sem, entanto, tomar partido. Que seja
feito como fazem nossos colaboradores deste jornal eletrônico...
COMENTÁRIOS
Vianney Mesquita, uma das nossas maiores reservas
intelectuais, conhecedor dos meandros do idioma vernáculo, dono de uma rica
sinonímia, um ícone do magistério superior no Ceará, tem uma veia satírica
refinada, como na crônica acima se percebe, em que ele nos traz exemplos do “Ceará
Moleque” de Quintino Cunha, que já não existe mais.
Já não se tem a própria vaia, que tanto nos
caracterizou, tampouco o estrépito produzido com a boca, ao modo dos flatos dos
cavalos, usado antes pela molecada para desancar e fazer “perder o rebolado”
algum pedante que passasse.
Os modernos conceitos do “politicamente
correto”, do bullying e do “assédio
moral”, a criminalização da jocosidade e da facécia, pelo nervo exposto em que a
individualidade se tornou, hipersensibilizando os diferentes – cujas diferenças
não se podem mais glosar, e sequer notar, sob pena de processo na Justiça – tirou de nós a
disposição de pespegar os apelidos e de fazer gozações, quase sempre tão bem humoradas e sadias.
Inventar títulos de peças de cinema – A Volta
dos Que Não Foram, Incêndio na Caixa D’água, Batalha Naval no Deserto do Saara,
etc. – ou acarinhar os sobralenses com o título de “americanos”, e os piauienses com ditados maliciosos, “mais medroso que a Polícia
do Piauí”, por exemplo, quando se sabe que aquele povo-irmão é gentil e
generoso e que os seus homens da lei são tão corajosos quanto os nossos.
Falando de dísticos populares, como as frades
de para-choques, alguns são maravilhoso: “Que Deus me proteja do que vem pela
frente. E que venha pela frente”. Atrás de um velho fusca se lia a seguinte
recomendação, dirigida aos buzinadores apressados: “A minha pisada é essa!”. Já
no vidro traseiro de uma camioneta, alguém escreveu: “Sem Deus... nem tente!”.
Deploro os pichadores, uma classe de idiotas
que empestam o mundo todo – esta, sim, uma patologia social odienta trazida
pela modernidade. Mas talvez nem fosse tão rigoroso em relação a eles se, em
vez de encher a vida de rabiscos, que imaginam ser arte, pelo menos deixassem
nas nossas paredes frases inteligentes, espirituosas e poéticas, ao estilo dos
caminhoneiros.
Uma vez encontrei escrito a pincel, em um
velho muro, numa rua de subúrbio em Fortaleza, uma declaração de amor tão franca, vigorosa e poética, cheia de aliteração, que jamais pude esquecer, e sobre a qual até já croniquei: “Dea. Te adoro, sua doita. Jean”.
Reginaldo Vasconcelos
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Em relação à última referência do Dr.
Reginaldo, certa vez eu ia no ônibus do Jardim América e vi, escrito em um muro
do hoje Shopping Benfica, a frase: “Adile,
porque você não olha para mim?” (o por que estava junto).
Todos os dias, passava por ali e já havia
deixado de ler a sentença do apaixonado, quando, uma vez, divisei, escrito,
embaixo: “Porque você escreve Português muito mal”.
E a canalha da UDN ficou dizendo que quem
escreveu a resposta foi o Arnaldo Santos. Será?
Obrigado ao Dr. Reginaldo pelas referências
elogiosas e, talvez, imerecidas. Tem muita gente, muita mesmo, melhor do que
eu.
Abração.
Vianney
Mesquita