UM
HOMEM DE PALAVRA
Humberto
Ellery*
Esta historinha que vou contar aconteceu com
personagens nascidas num lugar chamado “Deus-Me-Livre”, que era um pequeno
povoado perdido no meio da caatinga do Ceará, esquecido por Deus, tanto
que sumiu em meio a uma daquelas secas brabas, que com terrível frequência
assolam o nosso Estado.
No entanto, o fato se passou em Fortaleza, nas
proximidades da estação de trens. Havia ali perto uma Casa de Recursos
comandada por uma madame que se orgulhava de ter as meninas mais bonitas da
zona.
Um dia chegou ali um rapaz bem apessoado,
tímido e de pouca conversa, passos leves, trajando uma roupinha bem limpa e
engomada, mas de um tecido barato, que chamavam de mescla. Na cabeça, o
indefectível chapéu de palha.
Ao adentrar no recinto retirou
cerimoniosamente o chapéu da cabeça, segurou-o contra o peito, fez uma ampla
reverência e cumprimentou a madame. Sua voz era suave, quase inaudível:
– Boa
tarde, madame.
A madame, impressionada com tanta distinção e
fidalguia, com um movimento da mão indicou ao visitante uma mesinha de madeira,
guarnecida com quatro banquinhos, e disse:
– Sente-se, cavalheiro. Em que posso servi-lo?
O rapaz sentou-se empertigado no banquinho, e
escolhendo cuidadosamente as palavras, pausadamente perguntou:
– Madame, a senhora tem hospedada aqui em sua
casa uma moça muito formosa chamada Maroquinha?
A madame, meio intrigada, acostumada que era
com clientes brutos e barulhentos, respondeu de modo bem direto e profissional:
– Mora aqui sim, mas seu nome agora é Shirley,
é a moça mais bonita da casa, pra falar a verdade ela é linda, e é também a
mais cara, quinhentos mil réis pra passar a noite.
– Vixe!!!
tudo isso? – espantou-se o jovem.
– Pagamento adiantado! – precaveu-se a madame.
O rapaz, demonstrando um certo desconforto,
respondeu:
– Madame eu sou um homem de palavra, mas, se o
pagamento adiantado é norma da casa, eu aceito. E, fechando o cenho, solicitou:
– A madame pode chamá-la, por favor?
A madame enfurnou-se no corredor que havia por
trás de uma cortina, de onde voltou alguns segundos depois, trazendo a
Shirley pela mão.
Quando a Shirley apareceu, deslumbrante,
sorridente, recém-saída do banho, a pele fresca cheirando a flor de laranjeira,
a negra cabeleira ainda úmida, o rapaz quase caiu do banquinho. A Shirley era
ainda muito mais bonita do que ele imaginara. Com um vestidinho curto, quase
transparente, deixava perceber a perfeição do seu corpo. Cinturinha
inacreditavelmente fina, ancas generosas.
Mal comparando, parecia uma cabaça de coité.
As coxas grossas, bem torneadas, pernas grossas, os seios pareciam querer pular
para fora do vestido, seus bicos quase furando o tecido leve.
O coitado do matuto estava sem respirar, o
coração quase a sair pela boca. Reparou então no rosto brejeiro da morena. Era
lindo, dentes perfeitos, boca carnuda, os olhos oblíquos e dissimulados de
cigana, de um verde intenso, que contrastava maravilhosamente com a tez
bronzeada da moça.
A voz da madame veio lhe despertar do êxtase
que o dominava:
- Gostou? Trêmulo, excitado, o matutinho puxou
do bolso um pequeno embrulho de jornal, desembrulhou-o nervosamente e o
entregou nas mãos de Shirley. Era um bolo de dinheiro, exatos quinhentos mil
réis. Olhou de soslaio para a madame e disse:
– Eu sou um homem de palavra! A Shirley
colocou o maço de dinheiro entre os seios e puxou pela mão o atônito rapaz, em
direção à alcova.
Foi uma longa noite de loucuras, entre gemidos
e suspiros o matuto viveu o gozo e as delícias do paraíso na terra. A Shirley,
além de deter técnicas orientais do Kama Sutra, cumpria com enorme
prazer e satisfação o que seria uma obrigação profissional.
Ao amanhecer do dia, o matutinho, com medo de
perder o trem de volta para “Deus-Me-Livre”, levantou-se, vestiu sua roupa e
ficou alguns instantes deliciando-se com a visão daquela deusa, que quase o
matou de tanto prazer, deitada, nuinha sobre a cama.
Suavemente chamou-a pelo seu verdadeiro nome:
– Maroquinha! A moça acordou assustada,
sentou-se na cama, com a mão direita puxou uma ponta do lençol e cobriu
parcialmente os seios. Fitou o rapaz com um olhar de espanto quando ele
perguntou:
– Você é filha da Dona Maroca, lá de “Deus-Me-Livre”.
A moça respondeu rapidamente:
– Sim, sim é minha mãe. Ai meu Deus, morro de
saudade dela. Ela está bem?
O matutinho sossegou-a dizendo:
– Sim, ela está muito bem, graças a Deus! Ela
é minha amiga e confia muito em mim, pois sabe que sou um homem de palavra, por
isso que ela me confiou pra trazer pra você esses quinhentos mil réis, e me
recomendou que eu entregasse em suas mãos.
Antes que a Shirley se refizesse do susto, o
matutinho enfiou o chapéu na cabeça e sumiu.
Eu lembrei dessa historinha porque vi a
oposição esculhambando o Presidente Temer quando ele liberou as Emendas
Parlamentares de alguns deputados na véspera da votação na Comissão de
Constituição e Justiça.
Ora, ora, as emendas não foram inventadas,
elas já estavam previstas no Orçamento da União, deveriam mesmo ser liberadas,
o Temer apenas escolheu o melhor momento de fazê-lo. Afinal, ele também é um
homem de palavra!
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