quarta-feira, 19 de julho de 2017

CRÔNICA - Um Homem de Palavra (HE)


UM HOMEM DE PALAVRA
Humberto Ellery*


Esta historinha que vou contar aconteceu com personagens nascidas num lugar chamado “Deus-Me-Livre”, que era um pequeno povoado perdido no meio da caatinga do Ceará,  esquecido por Deus, tanto que sumiu em meio a uma daquelas secas brabas, que com terrível frequência assolam o nosso Estado.

No entanto, o fato se passou em Fortaleza, nas proximidades da estação de trens. Havia ali perto uma Casa de Recursos comandada por uma madame que se orgulhava de ter as meninas mais bonitas da zona.

Um dia chegou ali um rapaz bem apessoado, tímido e de pouca conversa, passos leves, trajando uma roupinha bem limpa e engomada, mas de um tecido barato, que chamavam de mescla. Na cabeça, o indefectível chapéu de palha.

Ao adentrar no recinto retirou cerimoniosamente o chapéu da cabeça, segurou-o contra o peito, fez uma ampla reverência e cumprimentou a madame. Sua voz era suave, quase inaudível: 

 – Boa tarde, madame.

A madame, impressionada com tanta distinção e fidalguia, com um movimento da mão indicou ao visitante uma mesinha de madeira, guarnecida com quatro banquinhos, e disse:
 
– Sente-se, cavalheiro. Em que posso servi-lo?

O rapaz sentou-se empertigado no banquinho, e escolhendo cuidadosamente as palavras, pausadamente perguntou:

– Madame, a senhora tem hospedada aqui em sua casa uma moça muito formosa chamada Maroquinha?

A madame, meio intrigada, acostumada que era com clientes brutos e barulhentos, respondeu de modo bem direto e profissional:

– Mora aqui sim, mas seu nome agora é Shirley, é a moça mais bonita da casa, pra falar a verdade ela é linda, e é também a mais cara, quinhentos mil réis pra passar a noite.

 – Vixe!!!  tudo isso? – espantou-se o jovem.

– Pagamento adiantado! – precaveu-se a madame.

O rapaz, demonstrando um certo desconforto, respondeu:

– Madame eu sou um homem de palavra, mas, se o pagamento adiantado é norma da casa, eu aceito. E, fechando o cenho, solicitou:

– A madame pode chamá-la, por favor?

A madame enfurnou-se no corredor que havia por trás de  uma cortina, de onde voltou alguns segundos depois, trazendo a Shirley pela mão.

Quando a Shirley apareceu, deslumbrante, sorridente, recém-saída do banho, a pele fresca cheirando a flor de laranjeira, a negra cabeleira ainda úmida, o rapaz quase caiu do banquinho. A Shirley era ainda muito mais bonita do que ele imaginara. Com um vestidinho curto, quase transparente, deixava perceber a perfeição do seu corpo. Cinturinha inacreditavelmente fina, ancas generosas.

Mal comparando, parecia uma cabaça de coité. As coxas grossas, bem torneadas, pernas grossas, os seios pareciam querer pular para fora do vestido, seus bicos quase furando o tecido leve.

O coitado do matuto estava sem respirar, o coração quase a sair pela boca. Reparou então no rosto brejeiro da morena. Era lindo, dentes perfeitos, boca carnuda, os olhos oblíquos e dissimulados de cigana, de um verde intenso, que contrastava maravilhosamente com a tez bronzeada da moça.

A voz da madame veio lhe despertar do êxtase que o dominava:

- Gostou? Trêmulo, excitado, o matutinho puxou do bolso um pequeno embrulho de jornal, desembrulhou-o nervosamente e o entregou nas mãos de Shirley. Era um bolo de dinheiro, exatos quinhentos mil réis. Olhou de soslaio para a madame e disse:

– Eu sou um homem de palavra! A Shirley colocou o maço de dinheiro entre os seios e puxou pela mão o atônito rapaz, em direção à alcova.

Foi uma longa noite de loucuras, entre gemidos e suspiros o matuto viveu o gozo e as delícias do paraíso na terra. A Shirley, além de deter técnicas orientais do Kama Sutra, cumpria com enorme prazer e satisfação o que seria uma obrigação profissional.

Ao amanhecer do dia, o matutinho, com medo de perder o trem de volta para “Deus-Me-Livre”, levantou-se, vestiu sua roupa e ficou alguns instantes deliciando-se com a visão daquela deusa, que quase o matou de tanto prazer, deitada, nuinha sobre a cama.

Suavemente chamou-a pelo seu verdadeiro nome:

– Maroquinha! A moça acordou assustada, sentou-se na cama, com a mão direita puxou uma ponta do lençol e cobriu parcialmente os seios. Fitou o rapaz com um olhar de espanto quando ele perguntou:

– Você é filha da Dona Maroca, lá de “Deus-Me-Livre”. A moça respondeu rapidamente:

– Sim, sim é minha mãe. Ai meu Deus, morro de saudade dela. Ela está bem?

O matutinho sossegou-a dizendo:

– Sim, ela está muito bem, graças a Deus! Ela é minha amiga e confia muito em mim, pois sabe que sou um homem de palavra, por isso que ela me confiou pra trazer pra você esses quinhentos mil réis, e me recomendou que eu entregasse em suas mãos.

Antes que a Shirley se refizesse do susto, o matutinho enfiou o chapéu na cabeça e sumiu.

Eu lembrei dessa historinha porque vi a oposição esculhambando o Presidente Temer quando ele liberou as Emendas Parlamentares de alguns deputados na véspera da votação na Comissão de Constituição e Justiça. 

Ora, ora, as emendas não foram inventadas, elas já estavam previstas no Orçamento da União, deveriam mesmo ser liberadas, o Temer apenas escolheu o melhor momento de fazê-lo. Afinal, ele também é um homem de palavra!


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