sábado, 8 de julho de 2017

CRÔNICA - Doer no Corpo (HE)


DOER AGORA NO CORPO
PARA NÃO
DOER SEMPRE NA ALMA
Humberto Ellery*


Eu era ainda um menino de apenas onze ou doze anos quando tive a minha primeira experiência de briga de rua, que felizmente foram pouquíssimas.

O nome do adversário era Wellington, era meu colega de classe na segunda série ginasial do Colégio Cearense, e eu me dava bem com ele.

Um belo dia eu fiz uma brincadeira, da qual ele não gostou, e ameaçou “me pegar na saída”. Eu não levei a sério a ameaça e falei para ele deixar de besteira, o que parece que o enfureceu ainda mais.

Esquecido do fato, depois da última aula, estava saindo do Colégio para encontrar meu pai e seguir para casa. Já na calçada, senti uma mão me puxar pelo ombro direito, e no momento seguinte um soco, que não pegou em cheio no meu rosto porque instintivamente desviei a cabeça, mas, mesmo assim, com o impacto,  minha bolsa de livros caiu no chão (naquele tempo só quem tinha mochila era o Laurinho Chaves).

Ao me sentir assim agredido injustamente, de surpresa, covardemente, senti uma raiva tão grande e tão súbita que mesmo não sabendo brigar parti pra cima do garoto que, pelo inesperado de minha atitude, desequilibrou-se e caiu de costas. Eu também, pelo embalo que imprimi na minha reação, caí por cima dele. Naquele momento ecoou o grito da molecada: “É BRIGAAAA!”.

Como, por causa do inesperado, eu fiquei em situação de vantagem, apliquei logo um soco meio desajeitado no rosto do menino, e já preparava outro quando senti uma mão muito forte me segurar pelo antebraço e me erguer no ar, retirando-me de cima do adversário. Era meu pai.

O Wellington, certamente com medo do meu pai, juntou sua bolsa de livros e correu. A molecada entoou outro grito, agora para amedrontar: “ÓÓÓi!”.
.
Meu pai, sorrindo, na maior calma, esperou que eu juntasse minha bolsa e me dirigisse ao seu carro. Sem dizer nada, apenas sorriu e acenou para alguns irmãos Maristas que acorreram por causa da gritaria.

Seguimos em silêncio, ele dirigindo e eu em pé, na parte de trás do carro, me segurando no encosto do assento dianteiro. Os carros antigos tinham o teto alto e havia um grande espaço entre os bancos dianteiro e traseiro. Eu era tão pequeno que só gostava de andar de carro assim, em pé. Nunca me sentava.

Já perto de casa, eu ainda tenso e ofegante, meu pai perguntou: “Quem provocou a briga?”. Eu relatei toda a história, desde o começo. Ele ficou uns instantes em silêncio, e em seguida falou, pausadamente:

Meu filho, aprenda uma coisa: Você nunca provoque uma briga, tente resolver seus problemas sempre através do diálogo, amistosamente. Mas o mais importante é: Nunca provocar, mas também nunca fugir. Se você entrar numa briga em desvantagem e apanhar, ficar muito machucado, lembre-se de que as dores passarão, mas se você se acovardar e fugir, toda vez que você se lembrar vai doer de novo”.



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