“SONET’ÂNCIA”
Vianney Mesquita*
No começo dos ’80, ministrava
na U.F.C. a disciplina Prática de Redação
para estudantes do Curso de Comunicação Social, matéria obrigatória com seis
módulos de quatro créditos, do primeiro semestre ao sexto.
Dos diversos escorregos
linguísticos perpetrados contra nosso código, um dos que mais apareciam era a
prática – inocente – da redundância,
com significação assente na ideia de superfluidade, na superabundância
vocabular desnecessária, com pleonasmos e abusos na ornamentação do discurso
oral e escrito. Este só perdia para as escorregadelas ortográficas e
impropriedades de concordância e regência de substantivos, adjetivos e verbos.
Além de haver a oportunidade
de juntos corrigir esses excessos, afiguravam-se realmente engraçados os fatos
sobejados dos escritos de alguns estudantes, os quais, pela míngua de maiores
exigências e cuidados durante o primeiro e segundo graus – como se chamavam,
então – esses descuidos (“lapso de engano de erro equivocado”, dizíamos,
brincando) continuavam a baldear o repertório grafado de quem iria comunicar
teores pelo caminho dos media massivos,
evento realmente desabonador, se viesse a suceder.
De tal modo, era obrigatório
que se cuidasse de removê-los o mais depressa possível, para que o futuro
comunicador não ludibriasse o imenso universo de receptores, na contextura dos
quais há milhões e milhões que acreditam cegamente em tudo o que é veiculado
pelos meios de propagação maciça, de sorte que poderiam alargar
consideravelmente, em progressão geométrica, o espectro de recepção equívoca dessas
mensagens.
Numa das turmas, havia alguns
ensaístas versificadores de boa qualidade, hoje poetas reconhecidos, e outros,
como eu, curiosos e interessados, por diletantismo, no âmbito da cultura
manifesta por via do metro. Divisei, então, a oportunidade de proceder a um
exercício por meio dos sonetos, que, após alguns anos no limbo, em especial
depois da Semana da Arte Moderna (fevereiro de 1922), eram praticados, sem
muita obediência aos cânones dessa grade métrica, por muitas pessoas ligadas às
letras e outras meramente amadoras e diletantes.
Compus, então, o undecassílabo
–
catorze versos com onze acentos, dois quartetos e dois tercetos –
intitulado Sonet’ância, eo ipso,
soneto + redundância, para exame em sala de aula, com vistas a afastar das
redações dos mass media esse viés do cadáver do defunto morto que morreu de morte
morrida, do pássaro de asas, dos há dez anos atrás etc.
Espero, contudo – e isto é por
demais relevante – que a audiência dos meios onde essas linhas chegam,
configurada na outra ponta da mensagem, não me assaque a tacha de redundante e “analfa”,
porquanto os motivos para este exercício foram há pouco meridianamente
explicados, de modo que a configuração da peça, lotada de vocábulos e
expressões palavrosas e pleonásticas, foi feita para emprego somente em
laboratório, vedado, por conseguinte, o seu curso pelo desmedido agrupamento de
pessoas – a recepção mássica do recado comunicativo.
Vamos ao soneto.
SONET’ÂNCIA
Ensaio
cavalgar meu jegue asinino,
Na
fazendola rural, a fazendinha,
Terra
particular, propriedade minha,
Onde,
aliás, monto meu Pégaso equino.
Subo,
para cima, em hirta e reta linha,
À
procura, em caça a um porco suíno.
Pois
houvera, antes, atacado a rinha
De
galos, que brigavam luta de inopino.
Eu vi,
então, com um sorriso nos lábios,
O
meu porco bácoro preso e cativo.
E
logo, breve, anotei nos alfarrábios
Carpatácios:
“o porqueiro cerdo é vivo:
Então,
pois, farei como os sapientes sábios:
Deixá-lo-ei
renascente e redivivo”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário