Pseudoconhecimento
(Para o Prof. Dr. Rui Martinho Rodrigues)
Vianney Mesquita*
A Ciência não passa do bom senso exercitado e
organizado.
(Thomas Huxley).
Senso Comum
Aparentemente,
talvez, resulte sobejo exprimir para audiência tão bem aparelhada como a deste
meio de propagação coletiva – porém não perfaz nenhum ato transgressor – o fato
de que o senso comum ou communis opinio significa a maneira de se
entender as coisas, denotando ideações comumente acatadas pelo maior
contingente de pessoas.
O
modelo retrata o conhecimento granjeado pelo ser humano com amparo em
observações do seu ambiente em todos os tempos. O senso geral – assim também divisado – assinala-se por conhecimentos
rotineiros (empíricos) durante a vida inteira de uma pessoa, que, a seu turno,
transmite essas ideias, recebidas de seus antecessores, aos próprios
sucessores, de geração em geração, as quais comunicam à sua descendência e,
deste modo, sucessivamente.
Dito
saber (componente do Mundo 1,
pressentido pelo filósofo da Ciência austríaco Karl Raimund Popper, com suporte
na Teoria dos Mundos, de Platão) não está assentado em metodologias nem
inferências oriundas da ciência – o chamado saber ordenado – mas é adquirido na
assimilação de informações e saberes procedentes da vida cotidiana, sendo,
entretanto, fonte de procura da ciência, presidida do método.
O Senso Crítico
Convém
adiantar, por ensejado, a noção de que o senso
comum difere daquele de teor crítico,
este assentado no pensamento reflexivo e na demanda de caráter científico por
parte dos pesquisadores.
Como
manancial para a ciência, a qual também, normalmente não é definitiva na
maioria dos seus sub-ramos, o saber
geral o é apenas por enquanto, ad hoc,
passível de ser desacreditado pela intervenção de um fato novo advindo das
investigações procedidas pelo ordenamento epistemológico, eo ipso, transitadas pela metodologia no âmbito dos ditames da
Filosofia das Ciências, da Epistemologia.
Feito
reflexão acerca do real latente (Mundo 1), então o saber comum pode se
transferir para o estádio do Mundo 2
popperiano, pois, nesse patim, já experimenta curso a concepção de um juízo, a
conceição de um discernimento dotado de circunstâncias históricas.
A
communis opinio resulta, pois,
assistemática, porquanto despossuída de organização prévia, sem amparo em
postulados, teorias, leis e outros segmentos de procura científica lógicos,
congruentes, sem conservar ligações comunicativas. Estas circunstâncias, de que
o senso comum é órfão, pertencem,
por conseguinte, ao conhecimento
sistemático (já postado no Mundo 2
popperiano), constituinte de base da ciência. Esta, por sua vez, possui (ou não)
comprovados, por via de uma conjunção de experimentos e exames sob metodologias,
seus sistemas (ou teorias), proposições e suposições prováveis – estas, as
hipóteses.
O Estatuto de Ciência
Quando,
então, o resultado de um pensamento ou da indústria etnológica de cada um
assume configuração de peça socializada, tecida em mensagem massivamente
propagada, passa a ter existência própria, como um produto objetivo e
excogitado pelo próprio ensaísta-pesquisador, sujeito, portanto, a uma análise
crítica, porém, passível de defeitos, suscetível, por conseguinte, de revisões,
adendos, consertos e aperfeiçoamentos, recriações, enfim, a ciência, sujeita a
esses percalços; bem menos o são, todavia, as ditas exatas, como, verbi gratia, os conhecimentos matemáticos. São
as chamadas Coisas Imperfeitas, as
quais habitam já o Mundo 3 de Karl
Raimund Popper.
A Teoria dos Três Mundos
(exageradamente sucinta)
Karl
Raimund Popper, austríaco e naturalizado inglês (Viena, 28.07.1902 – Kenley –
UK, 17.09.1974) desenvolveu, na esteira da ideação platonista do Sistema dos
Mundos, a Teoria do subtítulo desta seção, com o escopo de esclarecer a relação
corpo-mente. Então, neste passo, sem dever se examinar com profundidade os
meandros desse sistema – e até pelo fato de a expressa teoria não haver logrado
fazer com que se entenda na totalidade esse vínculo – resulta a ideia de que o
Mundo 1 é o locus das ocorrências
físicas, das substâncias, dos campos e do que há de material no Globo, onde
residem, também, os entendimentos do senso
comum ou communis opinio.
Na
sequência do Mundo 2 residem as ocorrências reflexivas, as práticas
conscientes, subordinadas aos cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato e
gosto). Aí está, principalmente, a cabeça, o cérebro, afirmando-se toda a
consciência, evidentemente, humana, onde se aloca, para o objetivo dessas
linhas, o conhecimento sistemático,
por assim exprimir, o prelúdio do saber de ciência, a “pré-ciência”. Vem o
terceiro estádio, configurado no Mundo 3,
das criações objetivas do cérebro, incluindo os feitos estáveis das realizações
do ser humano, como depuração dos dois mundos anteriores. Aqui se dispõe a
atividade de procura e descoberta dos fatos científicos – o Universo Popperiano
Três.
Com
este apressado, incompleto e talvez desasado comentário, tenta-se facilitar ao
leitor a decodificação do soneto à frente, o qual constitui um dos recheios de
produtos da mente, como expressão linguística aposta no derradeiro estádio da
(mal) escoliada teoria de Popper.
Fantasias, mentiras sob lógicas,
Isagógicas sobre as audiências,
Pseudociências fenomenológicas,
Morfológicas desobediências.
Conheceres fingidos das potências,
Carências antropossociológicas,
Filológicas falsas congruências,
São coerências
amplamente alógicas.
A tal grade, v.g., estão avessos
Os adereços da Ciência Exata,
O cimo, a nata do saber mundano.
E, neste plano, saltam os endereços,
Sem desapreço nem quaestio (vexata),
N’ata do Mundo
3 popperiano.
COMENTÁRIO:
Culto
e erudito, exímio conhecedor da língua portuguesa, o professor Vianney Mesquita
é um intelectual que sem favor podemos conceituar como um sofisticado artesão
das palavras na construção hodierna do pensamento.
Antelóquio
do soneto encadeado, essa sua valorosa colaboração ao blog da ACLJ, ao
referir ao pseudoconhecimento, pela elaborada forma literária, objetividade,
didatismo, e a qualidade do conteúdo temático, onde discorre sobre o senso
comum e o pensamento crítico, nos remete a uma reflexão acerca da percepção
cotidiana que temos das coisas (muita vez herdada), e a elaboração de um
pensamento crítico e reflexivo dos fatos.
Ao
trazer à colação, ainda que de forma “exageradamente sucinta”, a teoria dos
três mundos, (Karl Raimund Popper), nos chama atenção de forma elegante e
oportuna, para a necessidade e a imprescindibilidade de observarmos quão
importante é irmos além do pensamento geral na observação dos fatos, já que até
a ciência está em constante movimento e evolução.
Arnaldo Santos
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