quinta-feira, 14 de setembro de 2017

SONETO ENCADEADO - Pseudoconhecimento (VM)


Pseudoconhecimento
(Para o Prof. Dr. Rui Martinho Rodrigues)
Vianney Mesquita*

A Ciência não passa do bom senso exercitado e organizado.
(Thomas Huxley).



Senso Comum

Aparentemente, talvez, resulte sobejo exprimir para audiência tão bem aparelhada como a deste meio de propagação coletiva – porém não perfaz nenhum ato transgressor – o fato de que o senso comum ou communis opinio significa a maneira de se entender as coisas, denotando ideações comumente acatadas pelo maior contingente de pessoas.

O modelo retrata o conhecimento granjeado pelo ser humano com amparo em observações do seu ambiente em todos os tempos. O senso geral – assim também divisado – assinala-se por conhecimentos rotineiros (empíricos) durante a vida inteira de uma pessoa, que, a seu turno, transmite essas ideias, recebidas de seus antecessores, aos próprios sucessores, de geração em geração, as quais comunicam à sua descendência e, deste modo, sucessivamente.

Dito saber (componente do Mundo 1, pressentido pelo filósofo da Ciência austríaco Karl Raimund Popper, com suporte na Teoria dos Mundos, de Platão) não está assentado em metodologias nem inferências oriundas da ciência – o chamado saber ordenado – mas é adquirido na assimilação de informações e saberes procedentes da vida cotidiana, sendo, entretanto, fonte de procura da ciência, presidida do método.

O Senso Crítico

Convém adiantar, por ensejado, a noção de que o senso comum difere daquele de teor crítico, este assentado no pensamento reflexivo e na demanda de caráter científico por parte dos pesquisadores.

Como manancial para a ciência, a qual também, normalmente não é definitiva na maioria dos seus sub-ramos, o saber geral o é apenas por enquanto, ad hoc, passível de ser desacreditado pela intervenção de um fato novo advindo das investigações procedidas pelo ordenamento epistemológico, eo ipso, transitadas pela metodologia no âmbito dos ditames da Filosofia das Ciências, da Epistemologia.

Feito reflexão acerca do real latente (Mundo 1), então o saber comum pode se transferir para o estádio do Mundo 2 popperiano, pois, nesse patim, já experimenta curso a concepção de um juízo, a conceição de um discernimento dotado de circunstâncias históricas.

A communis opinio resulta, pois, assistemática, porquanto despossuída de organização prévia, sem amparo em postulados, teorias, leis e outros segmentos de procura científica lógicos, congruentes, sem conservar ligações comunicativas. Estas circunstâncias, de que o senso comum é órfão, pertencem, por conseguinte, ao conhecimento sistemático (já postado no Mundo 2 popperiano), constituinte de base da ciência. Esta, por sua vez, possui (ou não) comprovados, por via de uma conjunção de experimentos e exames sob metodologias, seus sistemas (ou teorias), proposições e suposições prováveis – estas, as hipóteses.

O Estatuto de Ciência

Quando, então, o resultado de um pensamento ou da indústria etnológica de cada um assume configuração de peça socializada, tecida em mensagem massivamente propagada, passa a ter existência própria, como um produto objetivo e excogitado pelo próprio ensaísta-pesquisador, sujeito, portanto, a uma análise crítica, porém, passível de defeitos, suscetível, por conseguinte, de revisões, adendos, consertos e aperfeiçoamentos, recriações, enfim, a ciência, sujeita a esses percalços; bem menos o são, todavia, as ditas exatas, como, verbi gratia, os conhecimentos matemáticos. São as chamadas Coisas Imperfeitas, as quais habitam já o Mundo 3 de Karl Raimund Popper.

A Teoria dos Três Mundos 
(exageradamente sucinta)

Karl Raimund Popper, austríaco e naturalizado inglês (Viena, 28.07.1902 – Kenley – UK, 17.09.1974) desenvolveu, na esteira da ideação platonista do Sistema dos Mundos, a Teoria do subtítulo desta seção, com o escopo de esclarecer a relação corpo-mente. Então, neste passo, sem dever se examinar com profundidade os meandros desse sistema – e até pelo fato de a expressa teoria não haver logrado fazer com que se entenda na totalidade esse vínculo – resulta a ideia de que o Mundo 1 é o locus das ocorrências físicas, das substâncias, dos campos e do que há de material no Globo, onde residem, também, os entendimentos do senso comum ou communis opinio.

Na sequência do Mundo 2 residem as ocorrências reflexivas, as práticas conscientes, subordinadas aos cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato e gosto). Aí está, principalmente, a cabeça, o cérebro, afirmando-se toda a consciência, evidentemente, humana, onde se aloca, para o objetivo dessas linhas, o conhecimento sistemático, por assim exprimir, o prelúdio do saber de ciência, a “pré-ciência”. Vem o terceiro estádio, configurado no Mundo 3, das criações objetivas do cérebro, incluindo os feitos estáveis das realizações do ser humano, como depuração dos dois mundos anteriores. Aqui se dispõe a atividade de procura e descoberta dos fatos científicos  o Universo Popperiano Três.

Com este apressado, incompleto e talvez desasado comentário, tenta-se facilitar ao leitor a decodificação do soneto à frente, o qual constitui um dos recheios de produtos da mente, como expressão linguística aposta no derradeiro estádio da (mal) escoliada teoria de Popper. 


Fantasias, mentiras sob lógicas,
Isagógicas sobre as audiências,
Pseudociências fenomenológicas,
Morfológicas desobediências.

Conheceres fingidos das potências,
Carências antropossociológicas,
Filológicas falsas congruências,
São coerências amplamente alógicas.

A tal grade, v.g., estão avessos
Os adereços da Ciência Exata,
O cimo, a nata do saber mundano.

E, neste plano, saltam os endereços,
Sem desapreço nem quaestio (vexata),
N’ata do Mundo 3 popperiano.



COMENTÁRIO:

Culto e erudito, exímio conhecedor da língua portuguesa, o professor Vianney Mesquita é um intelectual que sem favor podemos conceituar como um sofisticado artesão das palavras na construção hodierna do pensamento. 

Antelóquio do soneto encadeado, essa sua valorosa colaboração ao blog da ACLJ, ao referir ao pseudoconhecimento, pela elaborada forma literária, objetividade, didatismo, e a qualidade do conteúdo temático, onde discorre sobre o senso comum e o pensamento crítico, nos remete a uma reflexão acerca da percepção cotidiana que temos das coisas (muita vez herdada), e a elaboração de um pensamento crítico e reflexivo dos fatos.

Ao trazer à colação, ainda que de forma “exageradamente sucinta”, a teoria dos três mundos, (Karl Raimund Popper), nos chama atenção de forma elegante e oportuna, para a necessidade e a imprescindibilidade de observarmos quão importante é irmos além do pensamento geral na observação dos fatos, já que até a ciência está em constante movimento e evolução.

Arnaldo Santos


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