AO LEITOR.
QUE LEITOR?
João Soares Neto*
“Leitor, coautor do texto.” (Ledo Ivo)
Quem
escreve não pode ser escravo de um leitor que desconhece. Ora, isso é
simplificar a coisa. Ao escrever não se pode ir atirando a esmo. Há que ter
foco. Ao escrever em jornal a pessoa tem menos de 24 horas para captar e
interessar o leitor. No dia seguinte, o jornal é descartável. Razão pela qual
vou disponibilizando no meu ‘www’ ou nos dos amigos.
Procuro,
portanto, escrever para quem não está apenas interessado no cotidiano. Tento, a
cada semana, ir mudando de rumo. A única coisa permanente é a minha forma de
contar. Isso é o que se chama estilo.
Para
se ter estilo, seja bom ou não, é preciso mourejar com as letras, saber das
vírgulas, dos pontos, das interjeições e não exclamar muito. Ser o mais natural
possível. Se consigo, é outra coisa.
Hoje,
o leitor se depara com muitas opções que o confundem ou o atraem. No mundo
digital há muito de enganação. Promete-se uma coisa e, em seguida, o usuário
cai em armadilhas que o levam a caminhos não imaginados. A curiosidade, na Internet, é uma faca de
dois gumes, leva a novos conhecimentos/informações ou a simples engodo.
Há
discussões acadêmicas sobre a natureza da crônica ou do artigo. Como diz Humberto
Werneck: “Se não é aguda, é crônica.” Seriam eles alvitres literários? Trato um
pouco de assuntos ligados ao cotidiano, a vidas das pessoas e os fatos que vão
montando o nosso dia, desde as matinas até o arrebol. Matinas e arrebol foram
apostas apenas como adereço.
Não
é básico que o texto seja sempre ligado ao cotidiano, ao coloquial ou ao real.
Ele pode ir, além disso. Divagar para que o leitor possa experienciar algo
inusitado, como está sendo a tessitura deste escrito. O meu compromisso é
trazer o leitor até o ponto final, mesmo sabendo que o ponto final é imaginário.
Depois dele, cabe ao leitor maquinar o que se seguiria não tivesse o ponto
existido.
O
escritor deve aceitar como tema até uma pena que cai da asa de um pavão e isso
nos levaria, por exemplo, ao Pavão Misterioso, do cantor e compositor Ednardo.
Eu
não sigo cânones, vou lendo os dedos sobre o teclado e o que sai, muitas vezes,
é o inesperado e não aquilo que, de princípio, gostaria de escrever. Como dizia
Clarice Lispector: “Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me lê é por
conta própria e auto risco”.
Se me tolherem a liberdade, se me pautarem, não
serei eu, pois a liberdade é a minha característica. Sem ela, com certeza,
ficaria aprisionado pelo assunto imposto, suas regras, seu número de palavras, a
que não desejo me submeter, mesmo que a criatividade, como a de hoje, não seja
o desiderato. Se não me encontro ou se me perco, resta a salvação e o arbítrio
deste ponto final.
COMENTÁRIO:
Começo por desafiar o “ponto final” do
articulista, que de fato é o ponto de partida para longas reflexões e discussões.
A primeira delas que me estimulo a fazer é sobre
a distinção técnica entre crônica e artigo, e ainda o conto, que com aquela se
confunde muita vez.
Penso que o artigo, stricto sensu, é sempre um texto de vocação utilitária, do ponto de
vista prático, técnico, científico, cartesiano, analítico, tutorial,
paradidático, não raro o rascunho de uma tese.
A crônica, por seu turno, se distingue do
artigo e do conto porque pressupõe versar despretensiosamente sobre fato real,
atual ou memorialístico, sempre pitoresco, com conotação psicológica, sociológica,
filosófica, intimista.
Ela pode ser testemunhal ou confessional, de natureza
burlesca ou lírica – neste caso se podendo classificar como “prosa poética”. Uma
vez eu já disse que “fazer crônica é encontrar mel sob o vespeiro do cotidiano”.
Já o conto, semelhante à crônica, tem caráter ficcional,
portanto mais literário, com psicologismo sobre os personagens e não sobre o
narrador. A menos que o narrador seja ficcional, faça parte da história e,
portanto, também seja personagem.
Uma peça jurídica, por exemplo, na descrição
dos fatos, pode ter características de crônica, com força para comover o
magistrado, e de artigo, na defesa do direito, visando convencê-lo. Mas, em
momento algum pode ter semelhança com o conto.
O segundo ponto a abordar refere a afirmação
de Clarisse Lispector, no sentido de que escrevia para ninguém. De fato, para o
produtor de literatura o leitor, parco ou copioso, é um fator totalmente
hipotético e incidental. O objetivo do escritor é a délivrance.
Por fim, sobre o aspecto original e inusitado,
no que se refere ao conteúdo e à forma, ao estilo e ao tema, para que resulte
interessante o texto tem realmente que espantar e surpreender.
Entrevistado certa vez por Jô Soares, um Diogo
Mainard ainda jovem, que escandalizava pelo que dizia e por como o fazia em
seus ensaios, pontificou com exatidão que o texto bem-comportado é letra morta.
Que quem escreve tem que recorrer ao
imprevisível, para sair da platitude e do truísmo, da mesmice tautológica e da obviedade,
para sobressair no mar de letras publicadas hoje em dia. Em terminologia
moderna, se diria que o escritor tem que “sair da caixinha” e pontuar “fora da
curva”.
Reginaldo Vasconcelos
Nenhum comentário:
Postar um comentário