DECIFRA-ME OU TE DEVORO
Compreender os sucessos no momento em que se
desenrolam é um grande desafio, é entender fatos e atos antes dos seus
desdobramentos. Mais difícil ainda é quando somos abduzidos pelos equívocos dos
paradigmas.
O que se passa com o nosso País? Temos uma
crise de governo, um profundo abalo na legitimidade do Poder Executivo. Mas o Poder
Legislativo encontra-se completamente desmoralizado. Não temos partidos dignos
deste nome; nem lideranças; nem programa capaz de aglutinar uma maioria que o
torne legítimo. Mais do que uma crise de governo, temos uma grave crise
política.
O Poder Judiciário pratica ativismo judicial
destruindo a segurança jurídica; usurpa a função legislativa; está abalado por
denúncias de corrupção; marcado por corporativismo; usufrui privilégios
deploráveis; é objeto de graves suspeitas.
O Ministério Público também não se constrange
com os privilégios e com o corporativismo, além de oscilar de modo suspeito
entre um garantismo penal leniente e o maximalismo penal açodado de um
Torquemada. Os estados federados, a União e os municípios estão falidos. O
pacto federativo está em crise, que assim passa a ser uma crise de Estado.
Família, escola, igrejas e profissões estão em
crise de identidade, perdendo funcionalidade, diminuídas pelo “desencanto” da
cultura. Então temos mais do que uma crise de governo, política ou de Estado. O
Brasil sofre mais, porque as nossas instituições sempre foram frágeis e o
Macunaíma nunca foi muito sério. Mas a crise generalizada é global. Países com
instituições fortes vivem o drama da implosão da civilização que de ocidental
passou a global. O iluminismo pensou que poderia expurgar a cultura de todo
componente místico, de toda legitimidade baseada na inércia da tradição ou no personalismo
das lideranças carismáticas.
O exercício da crítica se exacerbou, destruiu
os mitos legitimadores rapidamente, não deixando tempo para a sedimentação de
novas narrativas legitimadoras. O iluminismo tardio ou seus últimos rebentos,
produzidos no século XIX, dominaram o século XX e destruíram as bases de uma
civilização que havia dado ao mundo o habeas
corpus, o mandado de segurança, as garantias do devido processo legal, um
extraordinário progresso da ciência, o Estado laico, a educação formal universal
e a democracia, entre outras coisas. Mas não trouxeram melhoria. A anomia
espreita o mundo, depois de haver se instalado no Brasil.
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