PARTO OU MORTE
Rui Martinho Rodrigues*
Pós-modernidade é o que vem depois da
modernidade, sem aludir a substância? Ou a substância é a negação da
modernidade? Ou é a transição entre fases distintas da modernidade, como a alta
e baixa Idade Média?
Indica a negação e a sucessão da modernidade. Esta
enfatizava universalidades no campo político, jurídico e valorativo; prezava o
conhecimento objetivo, baseado na razão e na capacidade de sobreviver à
tentativa de falseá-lo, e por isso válido, conforme Popper. Newton propôs
enunciados sobre inércia, gravidade, ação e reação em termos universais, no
campo da ciência. A Revolução Francesa, no campo político e jurídico,
desfraldou a bandeira dos direitos universais, opostos ao direito medieval, que
distinguia nobreza, clero e plebeus.
A pós-modernidade nega verdades objetivas e
universais, alegando que “o ponto de vista é apenas a vista de um ponto”,
excluindo a possibilidade do conhecimento objetivo; despreza o universalismo,
em nome da especificidade e do particularismo; afasta a indisponibilidade dos
direitos fundamentais em nome de fins supostamente excelsos; destrói as
referências sem as quais só resta senão a força como meio de dirimir conflitos.
Negar referências e falar em valores excelsos é a própria contradição nos
termos.
A História é cíclica, conforme Toynbee. A
civilização helênica floresceu, desenvolveu-se e feneceu. Os romanos repetiram
a trajetória dos gregos. A civilização ocidental globalizou-se. Agora o mundo vive
uma profunda crise. Não especificamente econômica, mas no âmbito das
instituições, dos valores, das referências em geral, exageradamente
relativizadas e banalizadas, a exemplo dos últimos dias das civilizações
retrocitadas, das quais descente. Pode ser o parto de uma nova etapa da
civilização ocidental, ou a sua morte. Parece haver um processo de degeneração
da democracia, que segundo Aristóteles, daria lugar à demagogia, que hoje
chamamos populismo. A costura do tecido social se faz rota, na ausência de
referências.
A tentativa de impor novos marcos se mostra
inviável. Tentam oficializar a moral “politicamente correta” que só tem
exacerbado os ânimos e estimulado a intolerância, ao modo da inquisição,
patrulhando palavras “heréticas” com um index
do léxico proibido. A modernidade era laica. A pós-modernidade adota um
laicismo falso. É sectária. Não se trata de alta baixa modernidade. São coisas
distintas.
Brincadeira de mau-gosto, antes ignorada,
passou a ofensa intolerável. O individualismo hipertrofiado, com a ilusão da
liberdade de ser, em lugar da liberdade de agir, é proposto ao lado do
coletivismo sufocante, dos comitês aparelhados, formando uma mistura
contraditória.
O crime, o terrorismo, a falta de referências
e a licenciosidade epistemológica ameaçam a modernidade, ao ameaçar os direitos
fundamentais e indisponíveis, a exemplo do devido processo legal, da presunção
de inocência e do respeito à liberdade negocial no campo da licitude, porque
são reflexos da perda de referências. O relativismo laxista e a hipertrofia do
bem público esmagam o indivíduo alegadamente para protege-lo.
Lava jato e Donald Trump são exposições das
vísceras da pós-modernidade.
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