terça-feira, 7 de março de 2017

ARTIGO - Parto ou Morte (RMR)


PARTO OU MORTE
Rui Martinho Rodrigues*



Pós-modernidade é o que vem depois da modernidade, sem aludir a substância? Ou a substância é a negação da modernidade? Ou é a transição entre fases distintas da modernidade, como a alta e baixa Idade Média?

Indica a negação e a sucessão da modernidade. Esta enfatizava universalidades no campo político, jurídico e valorativo; prezava o conhecimento objetivo, baseado na razão e na capacidade de sobreviver à tentativa de falseá-lo, e por isso válido, conforme Popper. Newton propôs enunciados sobre inércia, gravidade, ação e reação em termos universais, no campo da ciência. A Revolução Francesa, no campo político e jurídico, desfraldou a bandeira dos direitos universais, opostos ao direito medieval, que distinguia nobreza, clero e plebeus.

A pós-modernidade nega verdades objetivas e universais, alegando que “o ponto de vista é apenas a vista de um ponto”, excluindo a possibilidade do conhecimento objetivo; despreza o universalismo, em nome da especificidade e do particularismo; afasta a indisponibilidade dos direitos fundamentais em nome de fins supostamente excelsos; destrói as referências sem as quais só resta senão a força como meio de dirimir conflitos. Negar referências e falar em valores excelsos é a própria contradição nos termos.

A História é cíclica, conforme Toynbee. A civilização helênica floresceu, desenvolveu-se e feneceu. Os romanos repetiram a trajetória dos gregos. A civilização ocidental globalizou-se. Agora o mundo vive uma profunda crise. Não especificamente econômica, mas no âmbito das instituições, dos valores, das referências em geral, exageradamente relativizadas e banalizadas, a exemplo dos últimos dias das civilizações retrocitadas, das quais descente. Pode ser o parto de uma nova etapa da civilização ocidental, ou a sua morte. Parece haver um processo de degeneração da democracia, que segundo Aristóteles, daria lugar à demagogia, que hoje chamamos populismo. A costura do tecido social se faz rota, na ausência de referências.

A tentativa de impor novos marcos se mostra inviável. Tentam oficializar a moral “politicamente correta” que só tem exacerbado os ânimos e estimulado a intolerância, ao modo da inquisição, patrulhando palavras “heréticas” com um index do léxico proibido. A modernidade era laica. A pós-modernidade adota um laicismo falso. É sectária. Não se trata de alta baixa modernidade. São coisas distintas.

Brincadeira de mau-gosto, antes ignorada, passou a ofensa intolerável. O individualismo hipertrofiado, com a ilusão da liberdade de ser, em lugar da liberdade de agir, é proposto ao lado do coletivismo sufocante, dos comitês aparelhados, formando uma mistura contraditória.

O crime, o terrorismo, a falta de referências e a licenciosidade epistemológica ameaçam a modernidade, ao ameaçar os direitos fundamentais e indisponíveis, a exemplo do devido processo legal, da presunção de inocência e do respeito à liberdade negocial no campo da licitude, porque são reflexos da perda de referências. O relativismo laxista e a hipertrofia do bem público esmagam o indivíduo alegadamente para protege-lo.

Lava jato e Donald Trump são exposições das vísceras da pós-modernidade.


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