MARTINS FILHO, “EU” E
OUTRAS PESSOAS (1)
Vianney Mesquita*
Pensamento gentil de paz eterna,
Amiga, oh morte, vem! Tu és o termo
De dois fantasmas que a existência forma:
Estalma vã e este corpo enfermo.
(Luís José de JUNQUEIRA FREIRE.
Salvador, 1.12.1832;
24.06.1855 – 22 anos).
A 74 anos de
trânsito do celebrado e contraditado Autor da Fazenda Pau d’Arco, adita-se a
sua copiosa bibliografia crítica outra peça de incontestável valor, didático
quanto histórico, de autoria do Prof.
Antônio Martins Filho, conhecido de todo o Ceará, mercê de sua atuação na
vida educacional e político-institucional do Estado.
Reporto-me a Reflexões sobre Augusto dos Anjos, obra
lançada em outubro de 1988, pela Coleção Alagadiço Novo, da Universidade
Federal do Ceará, coordenada pelo Autor. Este segmento editorial uefeceano
publica estudos e debates inéditos sobre a prosa e o metro das letras
alencarinas, bem como reedita alguns trabalhos que, por motivo de sua
publicação restrita, já há algum tempo, desapareceram de circulação e, em
consequência, fugiram do alcance do estudioso e do público ledor.
A Coleção Alagadiço
Novo, cuja mais recente produção é o citado livro do Reitor Martins Filho e acerca do qual procederei adiante lábeis considerações, dentre os 15 volumes
trazidos a lume, serviu-se, também, com tempestividade e gosto, de selecionar
excertos da literatura cearense – verso, prosa de ficção, historiografia
literária e outros gêneros – restabelecendo a oportunidade de leitura, ao mesmo
tempo em que traz achegas importantes à acumulação dos nossos feitos
literários.
Martins Filho, na
plena forma de acompanhamento do estado d’arte e no seu invejável vigor físico (2),
realiza, agora, antiga pretensão, até então insatisfeita, de vir a público, com
os seus compreendimentos hauridos quando participante da Academia dos Infantes,
da cidade do Crato e cuja divisa era Ad
Augusta per Angusta (A lugares elevados por difíceis veredas), revelando-os
ao imenso contingente de admiradores do Rapsodo dos Tamarindeiros.
Consoante seu
depoimento, manifesto na apresentação do livro, ainda não experimentara o lance
de se pronunciar publicamente a respeito do assunto, conforme sua intenção,
assentado no testemunho da imensa aleia de autores e biógrafos que perlustraram
a vida e a obra deste profundissimamente
hipocondríaco Vate Paraibano.
Neste sentido, tomou
tento em levantar dados e empreender investigações, comparando opiniões,
acatadas umas e desprezadas outras, para, ao final, oferecer um volume muito
bem organizado, onde alista, com alevantado padrão de análise, diversos
aspectos do trabalho do Poeta, a quem Olavo
Bilac, num de seus não raros
assomos de enfatuamento, disse desconhecer-lhe a existência, negando o
lipemaníaco estanceiro de A um Carneiro
Morto, antes que o galo cantasse pela terceira vez.
Não bastasse a
cristalina exposição, em linguagem a um só tempo rica e acessível, do seu modo
de entender Augusto dos Anjos (3) e
sem a pretensão de alevantar voos no terreno da Teoria Literária, o volume
enfeixa, subsidiariamente, excepcional extrato das mais doutas opiniões dos
críticos que apreciaram a carreira daquele que teria convivido com Koch (4).
A esse respeito, aliás,
considerando a periculosidade da tísica (o doente era feito o portador da SIDA
de hoje – 2017 -com gravidade, decerto, ainda maior), há de se repensar essa
possibilidade, em vista, por exemplo, da calorosa recepção por ele
experimentada, quando chegou a Leopoldina – MG, desde o Rio de Janeiro, para
ser diretor do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira. E, seja expresso, não se
ajuntavam sob um mesmo recinto nem paratíficos, tampouco leprosos, muito menos tuberculosos.
Em vista das
controvérsias sobre os estados mórbidos que perseguiram Augusto de Carvalho
Rodrigues dos Anjos nos 30 anos de vivo – se tísico, psicopata, lipemaníaco com
tendências suicidas ou portador de bronquiectasia – Martins Filho é de opinião
que o celebérrimo Autor de Eu e outras
Poesias se constituiu num “belíssimo caso médico”, que até animou o
facultativo cearense Saboya Ribeiro (5)
a sustentar tese de doutor junto à Universidade da Bahia, subordinada ao título
Estudo Nosográfico de Augusto dos Anjos.
O Professor Antônio
Martins Filho louva-se, exempli gratia,
em Eugênio Órris Soares [João Pessoa
(hoje) 14.10.1884; Rio de Janeiro, 02.1964], o maior biógrafo de Augusto dos
Anjos, escritor coestaduano do Poeta, que, como ninguém, entendeu as atitudes
idiossincrásicas daquele da progênie “do carbono e do amoníaco”, o qual
versejou em sua incomparável loquacidade cientificista, burilando com excessiva
facilidade os polissílabos esdrúxulos – como no verso decassilábico de apenas
duas palavras – “Misericordiosíssimo carneiro” – com impecável cadência e
agradabilíssima sonoridade.
Augusto dos Anjos,
qual Junqueira Freire (ver epígrafe), também, “poeta da morte”, tem a lembrança
recobrada, como capítulo à parte da Literatura Nacional, por via do livro de
Martins Filho. Não se lhe pode, pela maneira sui generis de tornear, filiar a nenhuma escola. Não foi
simbolista, embora com alguns traços de Paul
Marie Verlaine. Tampouco é válido estabelecer vínculos seus com Charles-Pierre Baudelaire, porquanto
provindo de um Parnaso diferente, particular; modernista: nisso não é possível
cogitar.
Antônio Martins
Filho está inserto como relevante componente da biobibliografia referente a
Augusto dos Anjos, além do citado Órris Soares, na grande ala de Antônio Torres, Francisco de Assis Barbosa,
Hermes Fontes e outros expoentes, os quais rememoram (quer Olavo Bilac
queira ou não) a grandiloquência da “Paleontologia dos Carvalhos”. Ele inicia
na apreciação do Áugure Paraibano aqueles que, diferentemente dos da minha
idade, em tempo mais recuado e tranquilo, nunca tiveram a ventura de
incursionar pelas incomparáveis medidas poéticas do Profeta da Vila do Espírito
Santo.
Augusto dos Anjos,
como Álvares de Azevedo, Castro Alves, Fagundes Varela, Casimiro de Abreu,
Junqueira Freire e outros assomados pelo Mal do Século, influenciou, sobremodo,
o jeito de versificar daqueles que lhe cultuaram e cultivaram como uma das
maiores expressões da literatura poética do País, não apenas pela temática
naturalista esquisitamente bela e chocante, senão, também, em razão da sua
profunda cultura científica manifesta por intermédio de suas magnificamente
cadenciadas e sonorosas estrofes.
NOTAS DO EDITOR
(1)Reprodução, em
parte e com modificações, do Capítulo 2 de MESQUITA, Vianney. Impressões –Estudos de Literatura e
Comunicação. Fortaleza: Agora-Imprensa Universitária da UFC, 1989. 176 p.
(2) O Fundador e primeiro reitor da
Universidade Federal do Ceará, mais antiga instituição acadêmica do nosso
Estado, nasceu no Município do Crato, em 22.12.1904 e faleceu em Fortaleza em
20.12.2002.
(3) Augusto de
Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu na atual Sapé (Engenho do Pau d’Arco, na então Província da
Paraíba do Norte, hoje Estado da Paraíba, cuja capital era a cidade de Paraíba,
hoje João Pessoa), em 20 de abril de 1884, e morreu em Leopoldina-MG, no dia 12
.11.1914).
(4) Heinrich Robert
Koch foi um patologista e bacteriologista alemão, nascido em Hanover em
11.12.1843 e falecido em Baden-Baden em 27.05.1910. Foi ele a descrever, pela
primeira vez, a bactéria provocadora da maioria dos casos de tuberculose, pelo
que recebeu, em 1905, o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia. Segundo Vianney
Mesquita (Esboços e Arquétipos, 2016,
p. 86), o remédio contra o chamado Bacilo de Koch, que teria acometido Augusto
dos Anjos, a Penicilina (Penicilium
Notatum), foi descoberto pelo bacteriologista escocês Sir Alexander Fleming
(1881-1955), com a colaboração do cientista tedesco Ernst Boris Chain
(1906-1979) e Sir Howard Florey (1898-1968), os quais repartiram o Nobel de
Medicina e Fisiologia de 1945. “Eis que se deu o caso de o vento haver trazido
um esporo de mofo, o célebre humilde
cogumelo, que repousou na lâmina de um experimento (1928), com cultura de estafilococus”. (Opus citatum).
(05) O Visconde de
Saboya – Vicente Cândido Silveira de Saboya, barão e visconde. Médico, juiz e
oficial superior da Guarda Nacional. Nasceu em Sobral-CE, em 13 de abril de
1836; falecido em Petrópolis-RJ, 18 de março de 1909.
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