DEPOIS DO DILÚVIO
Rui Martinho Rodrigues*
A Odebrecht comprometeu, em acordo de
colaboração premiada, os próceres dos partidos com alguma expressão eleitoral.
Depois virá o baixo clero do Congresso, para quem os chefes repassaram parte do
dinheiro sujo. Muitos acordos de outras empreiteiras virão. Gato e cachorro
estão se unindo diante do patíbulo. Representantes de partidos adversários dizem
publicamente que é preciso fazer um acordão para evitar a degola geral.
No Judiciário surgem pronunciamentos a
respeito de sutis distinções entre crimes e crimes, insinuando tolerância para
com as transgressões de “menor potencial ofensivo”. Talvez queiram fazer uma
lei – ou um entendimento jurisprudencial, no âmbito da “autopoiese do Direito”
– mandando o financiamento de campanha com dinheiro sujo para os juizados
especiais, popularmente conhecidos como “de pequenas causas”, embora as cifras
envolvidas sejam estonteantes.
Depois do dilúvio virá um aventureiro!
Necessariamente? Procura-se incutir o medo. O rabo do lobo aparece sob a pele
do cordeiro. Quem assim ameaça está admitindo que é melhor um “corrupto bom” do
que um “aventureiro”; despreza a soberania popular; considera que o povo não
sabe votar e só o acordão evitará o aventureiro.
Temos aí um sofisma como forma de defesa
desesperada, ao lado da ingenuidade dos inocentes úteis. O dilúvio arrasará os
maus políticos, não a terra. Discutir a competência do povo para votar,
ressaltando a possibilidade de um aventureiro eleger-se, revela má-fé ou
ignorância do processo democrático. O voto não exige que o povo saiba votar.
Apenas reconhece o direito de errar pela própria cabeça. A camarilha – que nos
governa desde sempre – agora se apresenta como melhor do que um “aventureiro”.
O povo poderá errar, mas para isso existem os
instrumentos democráticos de correção dos erros. O polêmico Berlusconi é o
espantalho com o qual se pretende abafar a Lava Jato. O recado é: se não
“estancarem a sangria” virá alguém como o político italiano, o bicho Papão que
intimidava as crianças de outrora. Mas não se diz que o espantalho italiano
também foi afastado pelos meios democráticos.
É preciso que haja o dilúvio da lava jato, que
venham as colaborações de todas as empreiteiras, dos fundos de pensão, do setor
elétrico, do BNDES e de todos os escaninhos do aparato estatal da União, dos
estados e municípios. A arca de Noé não há de ser a impunidade, mas a reforma
política.
Os líderes dos diretórios dos partidos deverão
ser eleitos pelo voto secreto dos filiados, sob fiscalização da Justiça
Eleitoral, devendo ainda ter no máximo dois mandatos sucessivos, seja como
presidente ou secretário do partido, seja do diretório estadual ou municipal. Os
candidatos apresentados pelas agremiações partidárias também deveriam ser
escolhidos assim. O fundo partidário deveria ser extinto. A cláusula de
desempenho deveria ser adotada para enxugar o número de partidos. O voto
distrital e o parlamentarismo deveriam ser implantados. O fim do horário do TRE
nos canais de televisão e outras medidas é que deveriam ser discutidas, não o
acordão da impunidade.
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