MEMÓRIA – TESTEMUNHO DA HISTÓRIA
Vianney Mesquita*
O historiador é um profeta que olha para trás (SCHLEGEL, Augusto Guilherme
– *Hanover, 08.09.1767; +Bonn, 12.05.1845).
Quadra de evocação não
muito inspirativa de saudade sucede neste momento, quando da passagem dos
cinquenta anos do golpe militar-civil brasileiro ferido em primeiro de abril de
1964.
Defeso, porém, se
revela ao bom senso deixar de considerar como recheio do passado qualquer fato,
desagradável ou ameno, cuja circunstância, subordinada ao tempo durante o qual
sucedeu, com seus naturais desdobres, deite reflexos no devir das ocorrências.
A propósito, trago à
colação, por adequado, a ideia segundo a qual, dos escritos subsidiários da
História, um dos mais relevantes é o texto de memória, por cujo intermédio o
autor trata dos fatos que lhe dizem respeito ou pertencentes ao tempo que
viveu, mormente se o protagonista contextualiza períodos e fatos nos quais
exerceu influência significativa.
Tais sucessos, com
efeito, aparentemente particulares, dotados de nuanças de pessoalidade
ilusoriamente exterior, encerram inestimável saliência narrativa, porquanto
costumam estimular a sagacidade do pesquisador, alumiando-lhe as pegadas na sua
busca por aclarar um acontecimento incógnito ou insuficientemente explicado.
Esse desconhecimento
ou meia-verdade do evento histórico, de seu turno, priva o estudioso, até o
apreciador cum grano salis, de tomar
contato com a certeza, fazendo-os – muita vez louvados em evidências oblíquas –
extrair inferências também viciosas, as quais, escritas ou propaladas
oralmente, confundem a audiência, conferindo ao fato o aspecto de falácia, o
que resulta no levantamento de dúvidas a respeito da história e seu caráter de
conhecimento apenas em parte unificado.
É nesta conexão
incontingente investigador-memorialista que aflui o valor da particularidade,
da minúcia imprimida ao esforço memorial. Então, após o siracusano brado de Eureka!, vai o cientista aproveitar, até
o limite da elasticidade, o pequeno achado, ajuntando-o a outras pedras do seu casse-tête, para iluminar compreensões
ainda meio obscuras, conformando a História e a esta devolvendo a dignidade
ameaçada.
As reflexões
procedidas, de estudo, até aqui intentam situar este livro acerca dos Ecos da revolução de 31 de março de
1964, da autoria do engenheiro militar Artur de Freitas Torres de Melo.
O texto diz respeito ao seu tempo de vivência com este
golpe castrense, como relação simbiôntica memória-pesquisa, no concernente à
serventia das informações reais por ele experimentadas no decurso de toda sua
vida militar, como material de primeira qualidade, a embasar a narração,
diuturnamente revisada, dos feitos de pessoas e instituições no Brasil, durante
o universo temporal descrito.
O leitor encontra na
obra do coronel Torres de Melo um repositório de fatos, viagens, lugares e
situações – umas pitorescas, desagradáveis outras e lamentáveis tantas – de
suas relações no Exército Nacional, sempre obediente e cordato em atenção às
ordens corretas, porém absolutamente averso a determinações equívocas – o que
lhe valeu algumas reprimendas e injustiças que jamais absorveu, como, verbi gratia, a transferência para a
reserva, imposta pelo Governo Costa e Silva.
Neste passo, em sua
exposição cuidadosa de pessoa inteligente e culta, com relação à possibilidade
de censura, o autor conta sua vida desde a AMAN até 1999, oportunidade em que
exercitou com o máximo de responsabilidade seus cometimentos de militança.
No Exército, apreciou
como bom patriota os desígnios da Instituição, à qual serviu e defendeu até as
últimas consequências, fazendo referência à correção e ao bom caráter que
presidiram à maioria de superiores e subalternos, contudo não se furtou,
também, de deplorar a má índole e a solércia de muitos chefes e oficiais maiores,
bem como de pessoal de graduação inferior, infraqualidades presentes em quase
todos os quadrantes.
Faz menção às suas
posições políticas no Clube Militar, no Rio de Janeiro, e discorre longamente
acerca dos comandos por ele exercidos, sempre vinculado à arma de Engenharia,
em especial, na área de telefonia, mormente após a deposição do presidente João
Belchior Marques Goulart e acontecimentos subsequentes.
Ao deixar a caserna,
Torres de Melo retornou à vida civil em Fortaleza, onde, de cepos familiais de
prestígio no Ceará, desenvolveu atividades altamente produtivas no campo da
indústria e dos serviços de Engenharia, tendo sido pessoa por demais estimada e
aceita nos círculos sociais da Capital, apreciado por sua posição inatacável de
moral e decência.
Tempo e espaço, porém,
me mandam já exprimir que a produção do engenheiro Torres de Melo, mais do que
um relato minudente de sua vida militar, com evidentes vinculações históricas,
além do valor que representa para a busca da Ciência de Tácito – é muito bem
escrito do ponto de visão da Língua e apreciável no seu estilo maneiro de
narrar.
Torres de Melo, que
foi superintendente da TV Educativa do Ceará (hoje TVC), de onde fui
jornalista, não se encontra mais na dimensão terrena, pois se finou há poucos
anos, deixando, porém, história bem contada e exemplo a ser encalçado por
aqueles que tiveram o lance de ser circunstantes seus.
Docente da UFC
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa
Escritor e Jornalista.
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