sábado, 26 de abril de 2014

RESENHA (VM)

MEMÓRIA – TESTEMUNHO DA HISTÓRIA
Vianney Mesquita*

O historiador é um profeta que olha para trás (SCHLEGEL, Augusto Guilherme – *Hanover, 08.09.1767; +Bonn, 12.05.1845).


Quadra de evocação não muito inspirativa de saudade sucede neste momento, quando da passagem dos cinquenta anos do golpe militar-civil brasileiro ferido em primeiro de abril de 1964.

Defeso, porém, se revela ao bom senso deixar de considerar como recheio do passado qualquer fato, desagradável ou ameno, cuja circunstância, subordinada ao tempo durante o qual sucedeu, com seus naturais desdobres, deite reflexos no devir das ocorrências.

A propósito, trago à colação, por adequado, a ideia segundo a qual, dos escritos subsidiários da História, um dos mais relevantes é o texto de memória, por cujo intermédio o autor trata dos fatos que lhe dizem respeito ou pertencentes ao tempo que viveu, mormente se o protagonista contextualiza períodos e fatos nos quais exerceu influência significativa.

Tais sucessos, com efeito, aparentemente particulares, dotados de nuanças de pessoalidade ilusoriamente exterior, encerram inestimável saliência narrativa, porquanto costumam estimular a sagacidade do pesquisador, alumiando-lhe as pegadas na sua busca por aclarar um acontecimento incógnito ou insuficientemente explicado.

Esse desconhecimento ou meia-verdade do evento histórico, de seu turno, priva o estudioso, até o apreciador cum grano salis, de tomar contato com a certeza, fazendo-os – muita vez louvados em evidências oblíquas – extrair inferências também viciosas, as quais, escritas ou propaladas oralmente, confundem a audiência, conferindo ao fato o aspecto de falácia, o que resulta no levantamento de dúvidas a respeito da história e seu caráter de conhecimento apenas em parte unificado.

É nesta conexão incontingente investigador-memorialista que aflui o valor da particularidade, da minúcia imprimida ao esforço memorial. Então, após o siracusano brado de Eureka!, vai o cientista aproveitar, até o limite da elasticidade, o pequeno achado, ajuntando-o a outras pedras do seu casse-tête, para iluminar compreensões ainda meio obscuras, conformando a História e a esta devolvendo a dignidade ameaçada.

As reflexões procedidas, de estudo, até aqui intentam situar este livro acerca dos Ecos da revolução de 31 de março de 1964, da autoria do engenheiro militar Artur de Freitas Torres de Melo.

O texto diz respeito ao seu tempo de vivência com este golpe castrense, como relação simbiôntica memória-pesquisa, no concernente à serventia das informações reais por ele experimentadas no decurso de toda sua vida militar, como material de primeira qualidade, a embasar a narração, diuturnamente revisada, dos feitos de pessoas e instituições no Brasil, durante o universo temporal descrito.

O leitor encontra na obra do coronel Torres de Melo um repositório de fatos, viagens, lugares e situações – umas pitorescas, desagradáveis outras e lamentáveis tantas – de suas relações no Exército Nacional, sempre obediente e cordato em atenção às ordens corretas, porém absolutamente averso a determinações equívocas – o que lhe valeu algumas reprimendas e injustiças que jamais absorveu, como, verbi gratia, a transferência para a reserva, imposta pelo Governo Costa e Silva.

Neste passo, em sua exposição cuidadosa de pessoa inteligente e culta, com relação à possibilidade de censura, o autor conta sua vida desde a AMAN até 1999, oportunidade em que exercitou com o máximo de responsabilidade seus cometimentos de militança.

No Exército, apreciou como bom patriota os desígnios da Instituição, à qual serviu e defendeu até as últimas consequências, fazendo referência à correção e ao bom caráter que presidiram à maioria de superiores e subalternos, contudo não se furtou, também, de deplorar a má índole e a solércia de muitos chefes e oficiais maiores, bem como de pessoal de graduação inferior, infraqualidades presentes em quase todos os quadrantes.

Faz menção às suas posições políticas no Clube Militar, no Rio de Janeiro, e discorre longamente acerca dos comandos por ele exercidos, sempre vinculado à arma de Engenharia, em especial, na área de telefonia, mormente após a deposição do presidente João Belchior Marques Goulart e acontecimentos subsequentes.

Ao deixar a caserna, Torres de Melo retornou à vida civil em Fortaleza, onde, de cepos familiais de prestígio no Ceará, desenvolveu atividades altamente produtivas no campo da indústria e dos serviços de Engenharia, tendo sido pessoa por demais estimada e aceita nos círculos sociais da Capital, apreciado por sua posição inatacável de moral e decência.

Tempo e espaço, porém, me mandam já exprimir que a produção do engenheiro Torres de Melo, mais do que um relato minudente de sua vida militar, com evidentes vinculações históricas, além do valor que representa para a busca da Ciência de Tácito – é muito bem escrito do ponto de visão da Língua e apreciável no seu estilo maneiro de narrar.

Torres de Melo, que foi superintendente da TV Educativa do Ceará (hoje TVC), de onde fui jornalista, não se encontra mais na dimensão terrena, pois se finou há poucos anos, deixando, porém, história bem contada e exemplo a ser encalçado por aqueles que tiveram o lance de ser circunstantes seus.


 *Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário