HEGEMONIA, HOMOGENEIDADE
E IDENTIDADE IDEOLÓGICA
Rui Martinho Rodrigues*
Os pensadores modernos redescobriram Gramsci.
Perceberam a hegemonia do mal definida como “esquerda”. Apontam o pensador
italiano como responsável pelo fato.
Analisar tal percepção exige que se
considere o que sejam comunismo e esquerdismo; identidades; a importância de
Gramsci; o papel da Igreja, da tradição libertária dos pensadores clássicos;
além de considerar o significado e o alcance da tal hegemonia.
Em resumo, a hegemonia comunista enfrenta
uma dificuldade: poucos se dizem adeptos de tal linha política. Menos ainda
concordam entre si sobre o que seja tal coisa. Muitos, porém, se dizem
esquerdistas. As polifonias da pós-modernidade problematizam as identidades. A
vagueza do rótulo, porém, serve de abrigo para um amplo espectro político,
assim associado e hegemônico.
A linguagem alegórica é mais rica. Michael
Oakeshott aproxima o esquerdismo à Torre de Babel: desfrutar do céu sem
precisar morrer. O paraíso, a espera de conquistadores, exige o esforço da
construção da Torre ou a desconstrução do mundo subcelestial. Mas sucede a
confusão de línguas, a diversidade complicadora das identidades.
Em suma, o esquerdismo reúne teses
divergentes. Pode-se falar, todavia, em hegemonia de um pensamento centrado no
desfrute e nos direitos, não no esforço da semeadura e nas obrigações – e na
emancipação humana. Gramsci não é o pai desta criança.
Popper aponta Platão, Hegel e Max como os
inimigos da sociedade aberta. Platão, ansioso por ser rei na República dos
filósofos, inventou o mito da caverna, desqualificando o senso comum,
reivindicando para os “esclarecidos” o monopólio do saber e das virtudes
cívicas, supostamente derivadas da Filosofia. Hegel, lacaio do autoritário rei
da Prússia, reforçou a tese segundo a qual “o Estado é o agente da História”
(sic), para aperfeiçoar o homem e a sociedade.
Marx reduziu a História ao conflito, satisfazendo as personalidades querelantes; centrou o conflito na luta pela mais valia (reduzindo o valor ao trabalho); reduziu ainda o conflito às classes. Tanto reducionismo é sedutor. Não é preciso estudar para explicar o mundo, indicar a alguém a quem odiar e oferecer a deliciosa oportunidade de se sentir sábio e virtuoso, além de ter em quem jogar todas as culpas. Nem Cervantes serviria melhor banquete aos quixotes do nosso tempo. Isso não se deve a Gramsci.
Nos anos 70 do século XX Gramsci ensejou,
no Brasil, a oportunidade dos nossos intelectuais servirem à ditadura,
assumindo cargos de confiança gratificados, sem perder a pose libertária:
estavam “conquistando posições” na “guerra de trincheiras” da “conquista da
hegemonia”. Gramsci é o pai desta criança. A paternidade, todavia, é coletiva.
Lukács também tem parte nela, pois foi dele a frase: “O nosso objetivo é a
conquista da cultura” (não do “Palácio de Verão”, diria Gramsci).
A
hegemonia ideológica se relaciona com a tradição libertária; pensadores clássicos;
e a Igreja.
O
pensamento libertário é sedutor. Promete emancipação. Declara a nossa racionalidade.
Lisonjeia. Promete superar o freudiano mal-estar na civilização. Infelicidade é
culpa dos limites opressivos. É o mundo em preto e branco. Tem mocinho e
bandido, vítima e algoz, identidades bem definidas, certezas, verdadeira
consciência e a promessa messiânica: emancipação. É bom ser mocinho, combater
vilões, ser “esclarecido”.
Quando oportuno, nega-se a existência da verdade (não
a “verdadeira consciência”), e da identidade (não a de “esclarecido”). É a
dialética, “senhora de costumes cognoscitivos fáceis”. Pulsão de vida e de
morte, passionalidade e outras coisinhas são desconsideradas. Alega-se que “o
homem é um animal político”. Não importa que a nossa sociabilidade seja forçada
pela necessidade.
Pensadores
clássicos muito citados, pouco lidos e menos compreendidos, ensejam pose de
sábio. Basta aludir a um renomado autor, alguns chavões e se obtém aplausos. Não
é Gramsci. Já havia sofistas entre os gregos, reduzindo tudo à retórica
relativista. Os helenos sucumbiram aos romanos. Aqueles viviam de retórica,
estes da solução de problemas. A conquista da hegemonia pelos libertários é a
vitória da deusa Bem-aventurança (Preguiça, para os desafetos), que prometia
colher sem plantar. É a derrota da deusa Virtude, que dizia: “você só vai
colher o que plantar”.
O
Vaticano e o clero influenciavam o Brasil. A maioria dos cardeais da cúria
metropolitana era italiana e francesa. Nestes países o partido comunista
crescia a cada eleição. A América Latina parecia a beira da revolução. A
corrida espacial favorecia a URSS. O Vaticano II veio para aderir aos vencedores.
O clero, anticomunista, tinha tendência fascista, celebrara um acordo com
Mussolini, apoiara a Ação Integralista Brasileira.
Comunofascistas
acham que o homem não se pertence, formam partidos orgânicos, adotam o culto à
personalidade dos líderes, são messiânicos, representam o bem contra o mal, são
disciplinados, têm um inimigo a quem odiar, são irmandades, fazem pose de
superioridade moral e intelectual, tratam o homem como animal de rebanho, dizem
que os fins justificam os meios (abrindo a caixa de Pandora), negam a escolha
livre e consciente. São iguais. A Igreja adota tudo isso.
A conversão dos integralistas ao “esquerdismo” confirma a unidade comunofascista.
O Vaticano II foi a passagem de uma coisa para o que parece ser outra.
O
cristianismo é teocêntrico. O marxismo é antropocêntrico e cosmocêntrico. A
dialética concilia. Confundiram fazer o bem com a luta por um mundo melhor
(isso é outra reflexão).
Gramsci
é obscuro. Burlava a censura dos carcereiros e do PCI. Pregava a “guerra de
trincheira” (reformismo?), sem repudiar a revolução. Ambiguidade dos astrólogos
é receita de sucesso. Todos podem se ver na obscuridade do texto.
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