segunda-feira, 21 de abril de 2014

ENSAIO (RMR)

HEGEMONIA, HOMOGENEIDADE
E IDENTIDADE IDEOLÓGICA
Rui Martinho Rodrigues*

Os pensadores modernos redescobriram Gramsci. Perceberam a hegemonia do mal definida como “esquerda”. Apontam o pensador italiano como responsável pelo fato.

Analisar tal percepção exige que se considere o que sejam comunismo e esquerdismo; identidades; a importância de Gramsci; o papel da Igreja, da tradição libertária dos pensadores clássicos; além de considerar o significado e o alcance da tal hegemonia.

Em resumo, a hegemonia comunista enfrenta uma dificuldade: poucos se dizem adeptos de tal linha política. Menos ainda concordam entre si sobre o que seja tal coisa. Muitos, porém, se dizem esquerdistas. As polifonias da pós-modernidade problematizam as identidades. A vagueza do rótulo, porém, serve de abrigo para um amplo espectro político, assim associado e hegemônico.

A linguagem alegórica é mais rica. Michael Oakeshott aproxima o esquerdismo à Torre de Babel: desfrutar do céu sem precisar morrer. O paraíso, a espera de conquistadores, exige o esforço da construção da Torre ou a desconstrução do mundo subcelestial. Mas sucede a confusão de línguas, a diversidade complicadora das identidades.

Em suma, o esquerdismo reúne teses divergentes. Pode-se falar, todavia, em hegemonia de um pensamento centrado no desfrute e nos direitos, não no esforço da semeadura e nas obrigações – e na emancipação humana. Gramsci não é o pai desta criança.

Popper aponta Platão, Hegel e Max como os inimigos da sociedade aberta. Platão, ansioso por ser rei na República dos filósofos, inventou o mito da caverna, desqualificando o senso comum, reivindicando para os “esclarecidos” o monopólio do saber e das virtudes cívicas, supostamente derivadas da Filosofia. Hegel, lacaio do autoritário rei da Prússia, reforçou a tese segundo a qual “o Estado é o agente da História” (sic), para aperfeiçoar o homem e a sociedade.





Marx reduziu a História ao conflito, satisfazendo as personalidades querelantes; centrou o conflito na luta pela mais valia (reduzindo o valor ao trabalho); reduziu ainda o conflito às classes. Tanto reducionismo é sedutor. Não é preciso estudar para explicar o mundo, indicar a alguém a quem odiar e oferecer a deliciosa oportunidade de se sentir sábio e virtuoso, além de ter em quem jogar todas as culpas. Nem Cervantes serviria melhor banquete aos quixotes do nosso tempo. Isso não se deve a Gramsci.


Nos anos 70 do século XX Gramsci ensejou, no Brasil, a oportunidade dos nossos intelectuais servirem à ditadura, assumindo cargos de confiança gratificados, sem perder a pose libertária: estavam “conquistando posições” na “guerra de trincheiras” da “conquista da hegemonia”. Gramsci é o pai desta criança. A paternidade, todavia, é coletiva. Lukács também tem parte nela, pois foi dele a frase: “O nosso objetivo é a conquista da cultura” (não do “Palácio de Verão”, diria Gramsci).

A hegemonia ideológica se relaciona com a tradição libertária; pensadores clássicos; e a Igreja.

O pensamento libertário é sedutor. Promete emancipação. Declara a nossa racionalidade. Lisonjeia. Promete superar o freudiano mal-estar na civilização. Infelicidade é culpa dos limites opressivos. É o mundo em preto e branco. Tem mocinho e bandido, vítima e algoz, identidades bem definidas, certezas, verdadeira consciência e a promessa messiânica: emancipação. É bom ser mocinho, combater vilões, ser “esclarecido”. 

Quando oportuno, nega-se a existência da verdade (não a “verdadeira consciência”), e da identidade (não a de “esclarecido”). É a dialética, “senhora de costumes cognoscitivos fáceis”. Pulsão de vida e de morte, passionalidade e outras coisinhas são desconsideradas. Alega-se que “o homem é um animal político”. Não importa que a nossa sociabilidade seja forçada pela necessidade.

Pensadores clássicos muito citados, pouco lidos e menos compreendidos, ensejam pose de sábio. Basta aludir a um renomado autor, alguns chavões e se obtém aplausos. Não é Gramsci. Já havia sofistas entre os gregos, reduzindo tudo à retórica relativista. Os helenos sucumbiram aos romanos. Aqueles viviam de retórica, estes da solução de problemas. A conquista da hegemonia pelos libertários é a vitória da deusa Bem-aventurança (Preguiça, para os desafetos), que prometia colher sem plantar. É a derrota da deusa Virtude, que dizia: “você só vai colher o que plantar”.

O Vaticano e o clero influenciavam o Brasil. A maioria dos cardeais da cúria metropolitana era italiana e francesa. Nestes países o partido comunista crescia a cada eleição. A América Latina parecia a beira da revolução. A corrida espacial favorecia a URSS. O Vaticano II veio para aderir aos vencedores. O clero, anticomunista, tinha tendência fascista, celebrara um acordo com Mussolini, apoiara a Ação Integralista Brasileira.



Comunofascistas acham que o homem não se pertence, formam partidos orgânicos, adotam o culto à personalidade dos líderes, são messiânicos, representam o bem contra o mal, são disciplinados, têm um inimigo a quem odiar, são irmandades, fazem pose de superioridade moral e intelectual, tratam o homem como animal de rebanho, dizem que os fins justificam os meios (abrindo a caixa de Pandora), negam a escolha livre e consciente. São iguais. A Igreja adota tudo isso. A conversão dos integralistas ao “esquerdismo” confirma a unidade comunofascista. O Vaticano II foi a passagem de uma coisa para o que parece ser outra.

O cristianismo é teocêntrico. O marxismo é antropocêntrico e cosmocêntrico. A dialética concilia. Confundiram fazer o bem com a luta por um mundo melhor (isso é outra reflexão).

Gramsci é obscuro. Burlava a censura dos carcereiros e do PCI. Pregava a “guerra de trincheira” (reformismo?), sem repudiar a revolução. Ambiguidade dos astrólogos é receita de sucesso. Todos podem se ver na obscuridade do texto.

Gramsci e a hegemonia por ele pregada se beneficiaram disso.


*Rui Martinho Rodrigues
Professor e Advogado
Historicista e Cientista Político
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10


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