O ÓPIO
DO POVO
Reginaldo Vasconcelos*
Adaptando premissa dos pensadores iconoclastas alemães, no
sentido de que a religião seria o ópio do povo, os marxistas brasileiros do
século XX atribuíram o mesmo efeito inebriante ao futebol.
Quando essa assertiva foi timbrada, como forma de criticar
a alienação política das massas, o ópio era tido como um balsamo, consumido como
eficiente calmante e analgésico, e não como um tóxico viciante.
Bendita seja uma religião, que
derrama no amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e soporíferas
gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança. (Heinrich Heine – 1840)
Com efeito, tanto a religião como o futebol podem mesmo
servir como lenitivo opiáceo, quando de fato ajudam o homem a suportar a sua
rotina, a superar as provações da vida, a
aceitar o seu destino – e isso não é nada censurável, a menos para o
pensamento comunista, que elege a ideologia política como solução absoluta e
universal.
Acontece que tanto a religião quanto o futebol se tornam realmente
maléficos como os alucinógenos, quando o torcedor ou o fiel se transforma em adepto
imoderado, perdendo a noção real sobre a verdadeira finalidade dos jogos e das preces,
dos cultos e dos campeonatos.
Futebol não é coisa séria para os seus espectadores: é
apenas uma brincadeira, com a função única de abstrair do mundo, de distrair,
de alegrar. Futebol só é coisa séria para os seus profissionais, como os
jogadores, os treinadores, os árbitros, os repórteres desportivos. Mas adquiriu
o poder de representar o ilusório ideal de vida de contingentes numerosos.
O CRAQUE DO POVO
Assim, foi-se o tempo em que o futebol era o ópio do povo
– sendo o ópio aquele extrato natural da papoula de vocação medicinal. Hoje o
futebol se tornou um vício perverso, que leva ao crime e à violência legiões de
jovens torcedores, os quais colocam a paixão pelo time acima do estudo e do
trabalho, da lei e da religião, da política e da família.
Então, a melhor analogia que se poderia fazer no presente
com o futebol exclui o ópio e inclui o craque, essa droga moderna, artificialmente
desenvolvida, exclusivamente para corromper e prejudicar, enriquecendo os que a
fornecem e enlouquecendo quem consome.
Acompanhando campeonatos em ciclo contínuo, que se sucedem
como parafusos de rosca sem fim, os torcedores defendem bandeiras de caráter meramente visual
– já que os times não têm mais identidade própria, pois os técnicos e jogadores de hoje são
profissionais volúveis, autêntica mercadoria em contínua rotação.
Enfim, fazendo a fortuna dos que correm atrás da bola e
daqueles que os administram, o futebol vem se tornando a pátria onírica de
grupos sociais numerosos, que em vez de estarem servindo à Nação com trabalho profícuo
e produtivo, estão destinando preciosa energia
a inócua paixão futebolística, em nome da qual matam e morrem.
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
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