domingo, 6 de abril de 2014

CRÍTICA LITERÁRIA (GM)


VIANNEY MESQUITA
 Esteta da Palavra

Por Giselda Medeiros*
 (No livro Crítica Reunida - 2007)

Em Introdução Estética ao Estudo da Literatura, de autoria do Professor Geraldo Rodrigues, encontramos, na página 155, uma plausível definição de Arte (plausível por ser tarefa das mais difíceis definir termos abstratos, detentores de uma gama de polissemia). Vejamo-la:

A Arte, qualquer que seja sua definição, é uma causa profunda, mais inconsciente do que consciente, mais instintiva do que racional, qualquer coisa que repercute no lado noturno e desconhecido de nós mesmos, que lança ecos e ressonâncias desde as profundezas do nosso oceano interior.

Com base nessa asserção e, ainda mais, conduzida por Benedetto Croce, quando intui ser a Arte aquilo que todos sabem o que é, podemos, sem nenhum motivo que possa desabonar tal proceder, ratificar, ipso facto, a perífrase constante do título desta nossa escrita.
Efetivamente, à leitura de Repertório Transcrito (Notas Críticas Ativas e Passivas), Edições UVA, mais uma produção de Vianney Mesquita, vem-nos, de imediato, a lídima confirmação do que há muito já se disse (e ainda se dirá) a respeito do trabalho intelectivo deste Professor, audaz combatente, aliás em linha de frente, na defesa de nossa língua, hoje tão manietada por aqueles que se comprazem em estuprá-la, rompendo-lhe o hímen de singeleza. Escrever, respeitando a norma culta, a singularidade da linguagem bem trabalhada, escoimada de degenerescência, de pedantismo, não é só dever de cada um de nós mas, sim, e antes de tudo, uma maneira de se produzir Arte. Um ficcionista, um poeta, se não souberem coser adequadamente a roupagem de sua escritura, por mais inspirados que sejam, jamais produzirão obra capaz de atravessar os muros do tempo e se tornarem trabalho de reconhecido valor artístico. Morrerá no nascedouro, porque lhe falta o bom estilo.

Em Vianney Mesquita, as palavras têm sentido e melodia, e encadeiam-se em frases, períodos e parágrafos, sob um estilo harmonioso e elegante, o que faz de sua escritura objeto de Arte, uma espécie de termômetro, cuja escala é ascendida à proporção que o lemos e penetramos a erudição de seus conceitos tão bem expendidos. Sim, porque é o estilo que faz um texto crescer e ser aquela vibrante e interminável oscilação entre o texto e o mundo, o que, na opinião de Osman Lins, é a marca verdadeira de uma obra de valor.
Note-se-lhe, outrossim, o arraigado amor à língua do ínclito “Cisne de Mântua”, haja vista o uso de expressões latinas que se coadunam e se cosem, com justeza, às ideias advindas de seu raciocínio, numa profusão de cultura, longe, no entanto, de pedantismos ou de preciosismos, porque dosadas de acordo com seu tirocínio de excelente vernaculista.

O livro em apreço está dividido em duas seções: Notas Ativas e Notas Passivas. Disso se infere que, na primeira parte, Vianney Mesquita faz o papel do crítico, daquele que, arrimado em erudita linguagem, empresta às sentenças e intuições analisadas uma segunda vida, filha destas, prontas para a decodificação do leitor. Seus ensaios, em número de 30, excelem pela imparcialidade, precisão, correção e beleza no dizer, o que empresta ao texto aquele ar de leveza, expurgado da enfastiosa dureza apresentada em alguns textos deste jaez. E acrescente-lhes ainda a riqueza de novos conhecimentos, a nós advindos, como resultado do seu ajuizado esquadrinhamento dos conceitos ali analisados.

A facilidade com que adentra os vários tipos de livros, quer de poemas, ficção, estudos científicos, humanísticos, até religiosos, acrescentando-lhes seus pontos de vista, é prova inconteste do imensurável conhecimento que tem a respeito do assunto examinado e da abrangência de seu tirocínio gnosiológico, corroborando as palavras de Marshall McLuhan, ao afirmar que nenhum leitor lê o que o texto realmente está a dizer, senão que projeta o que tem dentro de si.

Por essas e muitas outras razões é que o Professor Vianney Mesquita ocupa, de jure et de facto, cadeira cativa e perene na Academia Cearense da Língua Portuguesa, tendo já, por duas gestões consecutivas, dirigido proficuamente aquele sodalício, cuja finalidade maior é a de zelar pela língua vernácula, para que outros não a ofendam nem lhe maculem o viço e a formosura.

Há de se considerar também a intimidade de Vianney Mesquita com a redondilha maior, recurso no qual verseja comodamente sobre qualquer tema. Tal afirmativa decorre do fato de já termos conhecimento de um trabalho (e diga-se, de fôlego) que Vianney tem pronto para próxima publicação, baseado na Sagrada Escritura, mais precisamente, reportando-se ao nascimento, à vida, à crucifixão e à morte d’Aquele “que se fez carne e habitou entre nós”. Trata-se de uma obra constituída de 743 estrofes, totalizando 4.458 versos, escandidos primorosamente em heptassílabos heterorrítmicos. Pois bem, aqui, nesse seu Repertório Transcrito, está a prova do que dissemos: uma poematização do texto em prosa “Projeto de Identidade Global Una da Universidade Estadual Vale do Acaraú”, de autoria do Professor Evaristo Linhares Lima, em que Vianney Mesquita, servindo-se da intertextualização, exercita essa sua veia, transformando-o num texto ritmado e rimado, em 47 sextilhas, todo ele em redondilha maior.

Importante também é ressaltar a competência do autor de Resgate de Ideias na feitura do soneto, o que faz também com enorme desenvoltura. Visitemos o segundo quarteto do soneto “Ócio”, no qual ele utiliza o recurso da metalinguagem para atingir o seu objetivo, temperando-o com uma pitada de humor: Fazer nada requer regar o rio, /Remar à ré no rastro dos caducos. /É cegamente acreditar num fio/ De masculinidade nos eunucos. Digno de nota, também, é o soneto “Aos Pesquisadores Científicos”, em que o autor, além de empregar as rimas normais exigidas, utiliza, com mestria, a rima encadeada, ou seja, aquela que se dá internamente no corpo dos versos, numa demonstração de cabal conhecimento da teoria da versificação.

Na segunda parte de Repertório Transcrito, vamos encontrar críticas e opiniões, as mais abalizadas, sobre a escritura de Vianney Mesquita. Nomes preeminentes de nossas letras lá estão com sua palavra multifária, a apontar nas obras analisadas a qualidade inconcussa desse autor, que prima pela correção, pela clareza, pela concisão, pela precisão do texto, sem deixar de lado a simplicidade. É uma dezena de excelente palavra: Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes, José Batista de Lima, Norma Soares, Vicente de Paulo Sampaio Rocha (conterrâneo dele, de Palmácia-CE), Eliézer Rodrigues, Joseneide Franklin Cavalcante, Genuíno Sales, Márcia Siqueira (Belo Horizonte), Ítalo Gurgel e Padre Doutor Brendan Coleman McDonald, além desta escrevinhadora modesta, cujos escritos, se alguma luz projetam é porque a recebem das luminares, em volta das quais gravita.
Para que fiquem comprovadas, embora de maneira rápida e breve, as qualidades do autor de O Termômetro de McLuhan, explanadas aqui, antecipamos o que dele disseram –

Batista de Lima: A importância desse livro (Resgate de Ideias) de Vianney Mesquita não fica apenas nesse questionamento que suscita. Há um aprendizado por parte de quem lê através do estilo do autor. [...] É uma vocabulário rico, uma frase lapidada dentro das normas da língua-padrão, um ritmo agradável que sequestra o leitor do começo ao fim.

Genuíno Sales: Ler Vianney Mesquita é resgatar a esperança nos ideais culturais e no milagre da inteligência.
Ítalo Gurgel (acerca de A Escrita Acadêmica – acertos e desacertos, com J. Anchieta E. Barreto): Numa obra fundamental – porque inédita na maneira de enfocar questões básicas da linguagem – os professores José Anchieta Esmeraldo Barreto e Vianney Mesquita alinham amostras do inesgotável repertório das manias e chavões, pleonasmos e contradições lógicas, impropriedades e estrangeirismos que invadiram o vernáculo.

Norma Soares: O autor de Fermento na Massa do Texto demonstra saber ler o universal no inefável enredo da alteridade singular.
Ainda há muito testemunho que evocar, entretanto deixamos aos leitores a primazia de saborear,  in totum, tanto a percuciente palavra do autor do livro quanto a dos que teceram seus abalizados comentários, centrados na obra do autor de Impressões - Estudos de Literatura e Comunicação.

Em suma, Repertório Transcrito oferece-nos uma multiplicidade de conhecimentos, em que forma e conteúdo estão perfeitamente casados. De parabéns está, pois, o autor de Sobre Livros – Aspectos da Editoração Acadêmica por ter conseguido alcançar, também no Repertório, seus objetivos, de modo competente, granjeando, dessa maneira, o aplauso não só do público especialista no assunto mas também de todos aqueles que gostam de saborear textos limpos, bem redigidos, ricos de conteúdo, dos quais afloram o talento, a sensibilidade, o zelo pela língua vernácula, marcas indeléveis, presentes na vasta produção do coautor de Para além das Colunas de Hércules, Vianney Mesquita.

Se, realmente, [...] a verdadeira viagem de descoberta não consiste em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos, como anota Marcel Proust, estaremos todos, após a leitura de Repertório Transcrito, com novos olhos, com bem mais acuidade para enxergar o mundo e nós mesmos, nessa incessante e (tão efêmera) viagem de descoberta, que é a vida.

Aqui está sua bagagem, caro leitor. Boa viagem!



*Texto extraído do livro Crítica Reunida (2007)

*Giselda de Medeiros Albuquerque
Escritora
 Membro da Academia Cearense de Letras
Da Academia Cearense da Língua Portuguesa
Da Academia Fortalezense de Letras
Da Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno
Da Academia de Letras e Artes do Nordeste
Da União Brasileira de Trovadores
Sócia Benemérita da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil
Ex-Presidente Nacional da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil
Redatora-chefe da Revista Jangada e do informativo "O Ajebiano" 
Considerada a Princesa dos Poetas do Ceará

Nenhum comentário:

Postar um comentário