domingo, 13 de abril de 2014

ARTIGO (RMR)

Ainda o “mais médicos”
Rui Martinho Rodrigues*

A médica cubana que denunciou as condições de trabalho dos seus compatriotas, Ramona Matos Rodrigues, agora asilada nos EUA, reavivou o debate sobre a importação de esculápios da ilha caribenha.


Note-se que a presença de médicos de outras nacionalidades não é questionada. A discussão está focada nas condições da terceirização do trabalho. Já não se discute se o problema maior é o saneamento, a qualificação de pessoal auxiliar da equipe de saúde, se outros aspectos da promoção geral de saúde e da proteção específica, conforme a filosofia do SUS, baseada na carta de Alma Ata, da Organização Mundial de Saúde, dos anos 70 do século XX.



A citada doutrina de saúde pública recusa o modelo “biomédico”, centrado na figura dos discípulos de Hipócrates. O Programa Mais Médicos inverte esta lógica, voltando ao tal “modelo biomédico”, rompendo com a doutrina que inspirou o SUS, a qual reserva o profissional de medicina para as ações mais complexas, por ser um profissional de formação mais sofisticada e cara, mais restrita, e porque a grande maioria da demanda é por ações simples, como o ato de vacinar ou outros procedimentos próprios da ação primária de saúde.

O Mais Médicos vai ao encontro das expectativas dos leigos, que não entendem os problemas de saúde pública e as respectivas soluções. Contraria a longa pregação doutrinária dos sanitaristas que hoje dirigem os serviços de saúde no Brasil.

Os leigos representam um grande contingente de votos. A denúncia da médica cubana é de natureza jurídica e política. Trata-se de um contrato de trabalho com cláusula abusiva, “leonina”, segundo o qual o empregado percebe 10% do que é pago à empresa terceirizada e aos seus colegas oriundos de outros países; cuida-se da quebra do princípio da isonomia, posta a nu pela citada disparidade das remunerações.

Não se discute a barreira da língua no momento do contato com o paciente. Nem o fato do acordo internacional sob exame ser sigiloso, embora não se ligue à segurança nacional nem apresente pretexto para tal classificação. Nada se disse sobre uma empresa terceirizada, no lugar da Organização Pan Americana de Saúde. Não se sabe quem são os donos desta empresa, nem se sua sede é no Panamá, como o hotel que empregaria o ex-ministro Dirceu. A coincidência com obras como a do Porto de Mariel e outros contratos em Angola, igualmente sigilosos, também não é lembrada.


Críticos apontam a solidariedade ideológica como motivação de tais iniciativas. Dividendos eleitorais são lembrados. Mas ninguém associou os contratos secretos, acordados no exterior, fora do alcance do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público, com a amarga experiência do mensalão. Contratos de serviços são fontes de arrecadação irregular de fundos, sejam peculato, corrupção ativa e passiva, concussão, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, fraude em licitação ou caixa 2, oportunidade em que políticos financiam campanhas e fazem patrimônio, pregando moralização, renovação dos costumes, “mudancismo”, quebra do patrimonialismo.


*Rui Martinho Rodrigues
Professor e Advogado
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10

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