A SORTE E O MÉRITO
Reginaldo Vasconcelos*
O capitalismo é a exploração do homem pelo
homem. O socialismo é o contrário. (Millor
Fernandes)
Um
membro mais puro e ingênuo da família me consulta, em viagem rodoviária, se têm
donos aquelas extensões de terra de um lado e do outro da estrada que
percorremos de automóvel. Respondo que cada palmo daquelas vastidões tem o seu
proprietário no registro de imóveis.
Então
aquele espírito gentil quer saber por que razão não se compartilham aquelas
áreas imensas e incultas com quem as queira explorar – e essa consulta deflagra
uma longa reflexão que vai ao fulcro da questão ideológica que ocupa os
pensadores e que há um século vem dividindo a humanidade.
O
destino de cada um deflui do binômio sorte-mérito. As pessoas nascem
diferentes, em condições diferentes, e defrontam venturas e azares diferentes,
em circunstâncias diferentes no curso de suas vidas, o que assoalha o fadário pessoal de forma totalmente
aleatória. Assim, como diriam os crentes, “Deus propõe”.
Então,
“o homem dispõe”, concluiriam aqueles mais místicos: a partir daí tudo vai
depender de seu desempenho e de seus esforços. Essa é a explicação lógica para
o patrimônio e para o capital; a explicação obvia de existirem ricos e pobres,
opulentos e miseráveis.
O
grande mérito do pensamento marxista, que inspira o socialismo real e o sonho
comunista, é o humanitário inconformismo com essa regra. Mas o seu grande óbice
é que essa trágica realidade é inelutável. É assim que é. A pessoa nasce feia
ou bela, sadia ou doente, dotada de tino ou embotada, em palácio ou na
sarjeta, para evoluir ou regredir na escala econômica e social.
Os
espiritualistas atribuem aos desígnios de Deus o que se consegue ser na vida, e
a inspiradas virtudes o que é dado a cada um obter e adquirir. Mas o marxismo
não crê em Deus e pretende desprezar a sorte e o mérito como fatores pelos
quais cada um prospere ou fracasse, imaginando que caberá ao Estado a missão
divinal de igualar o destino de todos através do regime, na direção do que
consideram ser a tal “justiça social”.
Não
há “justiça social”. Trata-se de uma ficção – segundo um dos mais festejados historicistas atuais, o cienteista israelense Yuval Noah Hariri, autor do livro
“Sapiens”, o best-seller do momento, que analisa a História da Humanidade do
ponto de vista antropológico.
Para
além da chamada “justiça divina”, que é randômica, há a espontânea e virtuosa
fraternidade humana – o altruísmo, a liberalidade, o desprendimento, a caridade
– no alcance das forças pessoais, ou seja, no “alcance do braço” dos mais
benevolentes indivíduos, dotados de um agudo sentimento de empatia.
Porém,
todo o mais é a justiça jurídica, que cabe à longa manus do Estado aplicar, regulando as relações e garantindo a
cada um o status social que ele tenha por sorte, e o patrimônio que obteve por
mérito, nessa ordem ou vice-versa.
Os
bichos não nascem sob garantias de Pã, e nenhuma pessoa traz os “direitos
humanos” desde o útero. A Natureza entrega todos à sorte – sadios ou belos,
feios ou doentes, sábios ou obtusos – para que, a partir de seus dotes e de
seus méritos, construam o seu destino.
Não
há leis universais que estejam escritas nas estrelas dimanando proteção à
graciosa gazela que os leões vão devorar, nem ao leão, que a lança de um
guerreiro massai vai abater, nem ao massai que outro leão vai vitimar – porque a lei universal é a da supremacia do mais forte, sem espaço para se estabelecer a oclocracia.
Não
estou defendendo que a sociedade não possa ou não deva criar e seguir normas
protetivas pelos mais desvalidos de seus membros, em contrapartida às sanções
penais que institui para os infratores de suas regras.
A
sociedade faz isso em qualquer regime moderno e evoluído de governo, com suas
políticas públicas, com as proteções trabalhistas e previdenciárias, sendo que o
capitalismo opera pelo básico, universalizando ainda as oportunidades de
progresso que viabilizam a "mobilidade social" (pai rico, filho nobre, neto pobre; pai pobre, filho rico, neto nobre) – sempre sopesando o mérito e considerando a sorte individual de cada
qual –distribuindo em seus programas sociais o que sobeje aos afortunados tributados, que
licitamente produzem e acumulam.
Os
socialistas sonham fazê-lo pela pretensa igualdade aquiliana entre as pessoas,
o que, desenganadamente, a realidade da vida não permite. As pessoas são
diversas, querem a diversidade, anseiam por competir e prosperar, porque essas
pulsões são inerentes à sua condição na Natureza e à sua estrutura psíquica
essencial. Só assim são estimuladas ao progresso.
Procusto,
o personagem mitológico que com sua cama de ferro obrigava que todos nela
coubessem exatamente, cortando as pernas dos maiores e espichando as dos
menores, usava duas camas diferentes, conforme o caso, para que ninguém
escapasse à sua régua igualitária.
Os
intelectuais que defendem o socialismo, os teóricos da ideologia comunista, os
militantes de esquerda, os ativistas sociais – mesmo os seus grandes paradigmas
do passado – nunca começam por si mesmos a aplicação das regras da utopia que
defendem, pois nada de seu dividem ou compartilham, alegando que só deveriam
fazê-lo dentro da “nova ordem mundial” que imaginam poder implantar.
Aliás,
alguém tem dito que não existe fronteira exata entre os conceitos de “esquerda”
e de “direita”. Mas essa é exatamente a distinção entre as duas classes: a
esquerda acredita ser possível a igualdade socioeconômica universal, mesmo com o prejuízo da liberdade; a direita defende que na desigualdade natural os que melhor
prosperem livremente, pela sorte e pelo mérito, apliquem a fraternidade em
benefício dos demais.
Já os esquerdistas fisiológicos são fracassados ressentidos, hipócritas e oportunistas, que enxergam no esquerdismo uma maneira fácil de prosperar sem
fazer jus. São os chamados “ideólogos da inveja”. Esses não rezam e não trabalham, não produzem e não doam, não estudam e não criam, mas apenas levantam bandeiras por desmerecidos direitos humanos e benefícios sociais.
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