quinta-feira, 18 de maio de 2017

ARTIGO - A Casa Caiu (RV)


A CASA CAIU
Reginaldo Vasconcelos*



A cidadania brasileira toda vida soube, e sempre comentou a boca pequena, mesmo muito antes de delações premiadas, que as práticas políticas em Brasília nada tinham de republicanas, tudo permeado pelas “tenebrosas transações” a que se referiu em letra de música o compositor Chico Buarque – ainda atribuindo ele os desvios éticos à elite da direita, que então dominava a cúpula do poder.

Também sempre se intuiu que o nosso processo eleitoral, por seu turno, nunca teve o real condão de aferir a mais livre e consciente opção de cada eleitor pelo melhor candidato entre os pró-homens nacionais, porque o leque de nomes oferecidos pelos partidos para o pleito jamais priorizou critérios morais e meritórios.

Mas também sempre foi discutível a representação popular no Brasil em virtude de que as campanhas políticas, que antes compravam a alma popular com dentaduras e tijolos, com o advento da mídia eletrônica passou a iludir consciências com falsas virtudes, vendidas com propagandas enganosas, o que perverte totalmente a democracia, em seu conceito original.

Os vencimentos auferidos por um político brasileiro em qualquer cargo eletivo, durante todo o mandato, ainda representam um valor muito menor do que ele teve de investir na sua campanha milionária – e qualquer cargo eletivo, de qualquer esfera da administração pública, tem preço em dólar conhecido, de modo que não dispondo do respectivo numerário ninguém se elege ao mandato pretendido.

Sendo assim, é claro que grupos de interesses – grandes empresas, empreiteiras dos governos, traficantes de drogas, cardeais do jogo-do-bicho, igrejas evangélicas – todos estes estamentos financiam campanhas para que, uma vez encastelados no poder, os políticos financiados lhes atendam as pretensões, sempre de forma espúria e imoral, não raro em prejuízo do erário e até da incolumidade popular, como no caso de negligenciar providências nos campos médico e alimentício.

As raras exceções a esse processo são como a do Palhaço Tiririca, que em virtude de sua popularidade nacional prescindiu de financiadores e passou a deputado com altíssima votação, e do empresário Tasso Jereissati, que pode reservar fundos de sua fortuna pessoal para eleger-se a si mesmo e aos correligionários que quiser, de forma totalmente lícita e transparente.

Quando as esquerdas brasileiras, que faziam oposição ao “capitalismo selvagem” da direita desonesta, ascenderam ao poder, todos os mais conscientes brasileiros exultamos, certos de que haveria uma faxina ética no Governo Federal, com reflexos em todas as esferas de poder.

Esperava-se a aplicação de políticas sociais capazes de eliminar a pobreza pela educação e pela formação profissional da juventude, como se fez nos países asiáticos que saíram da miséria; de obter o pleno emprego pelo incentivo à microempresa – que é a maior empregadora do país; pelo efetivo combate aos crimes ambientais; pelo fim da corrupção e pelo controle eficiente da criminalidade violenta... Mas nada disso aconteceu.

Caiu-se no mais desvairado paternalismo social, instalando-se a troca de “miçangas e espelhinhos pelo voto” – bolsa disso, bolsa daquilo – e o crime organizado crescendo e apavorando, a droga grassando, o novo cangaço explodindo tudo, a saúde pública matando nas filas, e a educação produzindo analfabetos funcionais e doutores que não redigem corretamente um só bilhete.

Ônibus fornecidos e sanduíches franqueados pelo agitar de bandeiras e o queimar de pneus pelos grupos marginais de sustentação do governo, invasores de propriedades, mantidos com recursos desviados por meio de ONGs e de verbas sindicais. E os negócios entre os Poderes Executivo e Legislativo garantiam a maioria folgada para aprovar o que bem quisessem no Congresso.

Então veio o “mensalão”, pelas mãos de um camicaze da política, Roberto Jefferson, que tocou fogo no circo, denunciando a cooptação de parlamentares pelo Governo Federal, mas tão forte ainda estava o partido no poder, e os seus aliados, que a mão da justiça pegou leve com os políticos e massacrou os particulares envolvidos – uns doleiros, uns banqueiros, o publicitário Marcos Valério – e poupou Luiz Inácio, que se manteve no comando. A casa apenas balançou, mas não caiu. E a corrupção continuou.

Porém, o novel instituto da delação premiada veio como São Jorge e seu cavalo justiceiro, patanhando sobre o dragão da iniquidade, a rasgar o véu da mentira, a fragmentar as quadrilhas instaladas nos palácios de Brasília. A Operação Lava Jato da Polícia Federal, apoiada pelo Ministério Público, servindo ao bravo magistrado Sérgio Moro.

Isso levou Dilma Rousseff a se chocar com os bandidos da base aliada a quem dera poder para roubar. Assim ela perdeu o seu apoio no Congresso e foi defenestrada do poder, por meio de um processo regular de impeachment, juridicamente fundamentado em um crime fiscal, mas politicamente causado pelo lixão a céu aberto que se passou a chamar “conjunto da obra”. E então a casa derruiu parcialmente.   

Restou-nos para o mandato tampão o rebotalho do PMDB que a apoiara, tendo à frente o Michel Temer, que fora mantido como vice-presidente em suas duas eleições, e que formou um Ministério de maioria ficha-suja – mas que, acossado pela devassa moral, que não deixava pedra sobre pedra, vinha se esforçando para fazer as antipáticas e antipopulares reformas necessárias, que em condições políticas normais não se fizeram, não se fariam, nem se farão jamais por um mandatário regular.

Pessoalmente, sem nenhuma simpatia por Michel Temer, enojado com o seu Ministério de cretinos, de vez em quando caindo de podre um dos ministros, me incomodava no entanto com as esquerdas revoltosas, agora na oposição, a torcer pelo "quanto pior melhor", por mera vingança política, como a torcida do Fortaleza, se o Ceará perder para o Ibis, o pior time do mundo – sem se incomodarem com o Brasil. E o Brasil está sangrando, como sentenciou o Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal.

Eu de cá rezava para que não chacoalhassem demais a pinguela precária sobre a qual estava a política brasileira, pois não havia de como voltar, nem de como salvar a Nação se o Governo Federal não atravessasse o Rubicão, se precipitasse no abismo e não chegasse ao fim do mandato, pois era preciso recuperar a economia esfrangalhada por Lula e Dilma, que se não roubaram deixaram roubar, vitimando a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, o BNDES, e assim por diante. 

Mas agora a casa caiu de vez. O véu caiu de vez. A Lava Jato fez terra arrasada. Alcançou também a direita de Aécio Neves e do Presidente da República. Já se intuía que eles tinham o rabo preso, como a maioria, e que iam cair... mas pena que tenha sido agora, quando o Brasil está sangrando e eles estavam servindo de pinças hemostáticas. 

Por isso os brasileiros sérios não têm o que comemorar neste momento, porque haverá um retrocesso perverso no crescimento econômico do País, que começava a dar sinais de redenção. Haverá recrudescimento da recessão: redução no desempenho da indústria e do comércio; queda no nível de empregos, já dramaticamente baixo; perda de credibilidade do Brasil nos mercados estrangeiros, já tão prejudicada  entre outras desgraças. 

Sendo assim, não venha ninguém apontar a imundície alheia com o dedo emporcalhado

Não venham os esquerdistas soltar fogos ao meu lado,  e não venham exultar perto de mim Farias, Grazziotins e Hoffmanns, gozando com o aprofundamento da crise de cujas causas também participaram. Como diria Nelson Cavaquinho, tirem o seu sorriso do caminho, que o Brasil quer passar com a sua dor.

E que Deus se apiade de nossas almas, como nos ensina a dizer Vianney Mesquita. 



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