O QUE ESTÁ ACONTECENDO
NO BRASIL
A POSIÇÃO OFICIAL
DA
ACADEMIA CEARENSE
DE
LITERATURA E JORNALISMO
O ATUAL MOMENTO HISTÓRICO
O Brasil atravessa, neste feriado de Tiradentes, um dos mais graves
capítulos de sua História, e nós, os contemporâneos, talvez não percebamos que
fazemos parte de um imenso transe nacional – assim como os que viviam as duas
últimas décadas do Século XVIII não tinham consciência de que eram coetâneos da
Inconfidência Mineira, um dos momentos mais agudos da vida política do País.
Aliás, desde os marujos de Cabral, que certamente não tinham noção exata
da importância de sua experiência, mesmo os que protagonizaram os fatos
históricos não sabiam a importância do momento que viviam – a abolição da
escravatura negra, em 1888; no ano seguinte, a Proclamação da República; muito
depois, o golpe militar de 1964 – posto que saltamos, neste nosso exemplo,
muitos outros episódios de desdobramentos menos graves.
A REPÚBLICA DISTORCIDA
A politicagem sempre foi anedótica na vida pública brasileira,
notadamente a partir do advento do sistema republicano, que no Brasil jamais
superou os vícios que caracterizam as monarquias – a aristocracia, o
coronelismo, o filhotismo, a cupinchada, o tráfico de influência, o privilegio
via prestígio, o cartorialismo, o mega tributarismo, etc.
O GOLPE DE 64
Então, na década de 60, a ideologia marxista aparece como solução ideal
para todas as mazelas da nossa República, encantando estudantes, jornalista,
artistas e intelectuais da época, além de outros patriotas, em geral bem
intencionados, influenciados pela experiência socialista soviética (1917),
chinesa (1950) e cubana (1959), até ali vigorosa e bem sucedida. Sonhava-se com
a implantação de uma “ditadura do proletariado”, que na época parecia a
panaceia curativa de todas as injustiças sociais, contra o capitalismo e o
imperialismo americano.
Golpe militar, ditadura, luta armada, repressão. Finalmente abertura,
anistia, liberdade de imprensa, eleições diretas, Assembleia Constituinte.
Restabelecidas as liberdades civis, voltam à carga os “capitalistas selvagens”,
as “capitanias hereditárias”, os politiqueiros odientos, os demagogos, o
estelionato eleitoral, por meio de campanhas políticas mentirosas e milionárias
– e os avanços sobre o erário. Vem Sarney, vem Collor de Melo, vem Fernando
Henrique. Reinam Maluf, Edmar Ferreira, Daniel Dantas, Eike Batista, Emílio
Odebrecht, entre tantos outros quejandos.
A VOLTA DAS ESQUERDAS
Mas voltam à legalidade os partidos comunistas, embora enfraquecidos e
desgastados. Revigorado, o pensamento de esquerda é catalisado na fundação de
um novo partido trabalhista, o Partido dos Trabalhadores (PT), que galvaniza em
torno de si o apoio das legendas esquerdistas tradicionais. À frente da nova
agremiação partidária aparece um líder sindical habilidoso e bem-falante, Lula
da Silva, que por fim consegue se eleger à Presidência da República.
O PT se mantem no poder por três mandatos seguidos, durantes os quais
aprimora e adota diversas políticas de cunho social, privilegiando as classes
menos favorecidas. Sob Lula da Silva o País conquista prestígio internacional,
e com isso o PT granjeia e mantém um grande leque de apoiadores e um imenso
eleitorado.
Mas, ao vencer com Dilma Rousseff a eleição para o quarto quadriênio,
suas políticas, até ali aparentemente vitoriosas, desmoronam ruidosamente.
A QUEDA DAS ESQUERDAS
A partir desse momento o País ficou ideologicamente dividido. A
princípio, os partidários das esquerdas defenderam que a debacle das finanças
brasileiras se devia a uma crise internacional – louvando-se os apoiadores do
Governo do fato de que, realmente, a conjuntura internacional não era mais tão
favorável sob Dilma Rousseff, como fora no período Lula da Silva.
A DIVISÃO NACIONAL
Mas essa tese foi logo abandonada quando, perdendo Dilma o apoio
parlamentar, que até ali fora hegemônico, se instalou um processo de impeachment contra ela, que afinal foi destituída
e o PT caiu no ostracismo. Então, a divisão nacional, entre os ditos
“mortadelas” de esquerda e os chamados “coxinhas” direitistas, se estabeleceu
em outros patamares:
1. Fora legítimo ou não aquele processo de impeachment?
Reconhecendo embora a sua evidente má-gestão, os mortadelas sustentam
que Dilma foi destituída de fato pelo “conjunto da obra”, quando a Constituição
somente admite o impeachment por “crime de responsabilidade”;
2. Houve ou não o alegado “crime de responsabilidade” que motivou o
afastamento da Presidente?
Os autores da denúncia, um grupo de advogados coxinhas, relacionaram em
sua peça jurídica acusatória uma série de condutas criminosas, atribuídas por
eles à então Presidente, e o vingativo deputado Eduardo Cunha, Presidente da
Câmara dos Deputados, um “anjo decaído” entre os aliados do Governo, admitiu o
pedido de abertura do processo.
Porém, estranhamente, Cunha escoimou quase todas as imputações da peça
acusatória, deixando apenas a mais frágil delas – um pretenso crime fiscal,
entrevisto na conduta de “contabilidade criativa”, que se prestava a maquiar as
estatísticas sobre as contas do Governo, as apelidadas “pedaladas”, prática que
também fora levada a cabo, embora em menor grau, por governantes de direita –
argumento de defesa que não se sustenta juridicamente, pois um erro não
justifica outros.
3. Caberia dizer, como sustentam os mortadelas, que o impeachment da Presidente Dilma Roussef foi um
“golpe parlamentar”? Existe essa figura na terminologia jurídica?
Um golpe político se caracteriza por um ato de força para a tomada do
poder – muitas vezes pela via militar – mas sempre com a quebra da normalidade
institucional, a revogação do ordenamento jurídico vigente, o fechamento do
Congresso, o silenciamento da imprensa governista, a destituição e geralmente a
prisão ou execução dos dirigentes depostos.
O impeachment de Dilma Rousseff, embora partindo da criminalização de uma mera conduta contábil – o que seria discutível – decorreu pacificamente, da maneira prescrita pela Constituição Federal, concedendo amplo direito de defesa, e tendo a participação do Supremo Tribunal e do Congresso.
4. Seria Michel Temer um presidente ilegítimo, como querem os
mortadelas, tendo sido ele o vice-presidente tradicional da Presidente Dilma,
que foi guindando à sua sucessão por força do impeachment,
conforme reza a Constituição Federal?
Mais do que isso, alegam os mortadelas que Michel Temer seria de fato um
traidor, pois teria tramado o impeachment de Dilma Rousseff com o seu
correligionário Eduardo Cunha, e com o partido de direita que perdera as
últimas eleições presidenciais, o PSDB, o qual, por seu turno, teria
patrocinado o pedido de abertura do processo, feito pelos três advogados
direitistas.
OS ESCÂNDALOS NACIONAIS
Paralelamente a essa cisão político-ideológico que atualmente divide a
opinião pública brasileira, inclusive colegas, amigos e parentes – uns
revelados coxinhas, outros se mantendo mortadelas – eclodiram no País
escândalos gigantescos de corrupção no Governo, expondo as vísceras da
República, desde o primeiro mandato do PT, sob a presidência de Lula da Silva,
com investigações facilitadas pela nova lei que admitiu as “delações premiadas”.
O que se depreende afinal, decorrido o chamado “mensalão” e, presentemente,
a Operação Lava Jato da Polícia Federal, é que a prática política e eleitoral
no Brasil tem se conduzido por vias ilícitas, há décadas, com desvios de verbas
públicas em grande medida, com a cooptação de Bancos particulares e de grandes
empreiteiras.
Assim, ficou evidente que se tem feito o financiamento público indireto
de campanhas políticas, e propiciado o enriquecimento de grandes organizações
privadas e de agentes públicos, com o uso criminoso de empresas e de bancos
estatais – Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES – pelo menos
desde a chamada “redemocratização”.
Os mortadelas se condoem de que se tem imputado muito mais erros e
crimes aos últimos presidentes, e aos políticos e administradores públicos que
a eles foram ligados até recentemente – muitos deles presos e alguns condenados
– quando as investigações vêm alcançando também os mais diversos próceres e
partidos de direita.
Entretanto, os coxinhas argumentam que a esquerda sofre maiores
invectivas porque chegou ao poder com um discurso moralizador, e entretanto
adotou os mesmos vícios que prometia combater, aprofundando a sua prática,
inclusive aliando-se aos maiores e mais notórios corruptos da direita.
Que, revigorando o sonho marxista, a partir do Foro de São Paulo, Lula e
Dilma estavam conduzindo o País para a aventura “bolivariana”, com repúblicas
ditatoriais e peseudo-democráticas das Américas e da África, nas quais
financiaram obras milionárias, por meio de operações sigilosas do BNDES.
O QUE PENSA A ACLJ
Sendo uma instituição laica e isenta do ponto de vista
político-partidário, mas constituindo-se também numa entidade jornalística, é
forçoso que ela se manifeste oficialmente sobre a conjuntura atual, nesse
momento delicadíssimo da vida brasileira.
AS OPINIÕES DIVERGENTES
PRIMEIRA CORRENTE:
O Presidente de Honra da ACLJ, Membro Titular de sua Cadeira de nº 1, o
advogado e professor de Direito Cid Saboia de Carvalho, que foi Senador da
República, um dos mais importantes jornalistas veteranos do Estado do Ceará, na
edição de ontem (20.04.17) de seu programa radiofônico Doa a Quem Doer,
vociferou que deixassem a sintonia, afastando-se de sua pessoa e de sua voz, os
que não quisessem ouvir a sua verdade, conforme ele a vem insistentemente
propalando:
a) De que Lula da Silva, para ele um gênio, embora uma figura
controvertida, não seria a pessoa má que se diz ser;
b) De que Dilma Rousseff não praticou crime de responsabilidade, e,
portanto, o seu impeachment estaria eivado de
inconstitucionalidade, constituindo-se portanto em “golpe parlamentar”. De que
Michel Temer seria um presidente ilegítimo, e de que o Brasil está sendo
governado de fato pelo PSDB, embora esse partido tenha perdido as últimas
eleições presidenciais;
c) De que o Senador Aécio Neves seria um rematado mau-caráter, portador
de graves defeitos morais, jaças que ele imputa sem definir em que atos daquele
político estariam elas reveladas. Aécio também é citado em delações remiadas da
Operação Lava Jato, como beneficiário de doações de campanha não contabilizadas
(caixa dois), quando de sua eleição ao Governador de Minas Gerais.
Assim como o Prof. Cid Carvalho pensam outros próceres da ACLJ, conforme
se têm manifestado.
SEGUNDA CORRENTE:
O Presidente Emérito da ACLJ, o Professor Rui Martinho Rodrigues, Membro
Titular Fundador da Cadeira de nº 10, jurista, sociólogo, cientista político,
por seu turno, defende um pensamento oposto, no sentido de que:
a) O ciclo petista seria responsável pela derrocada econômica do País,
em virtude de suas políticas populistas e de se sua administração desastrosa.
b) De que Dilma Rousseff teria sido deposta em razão da perda de sua
base parlamentar, diante da falência do modelo ideológico arcaico que o seu
partido preconiza, mesmo equívoco que têm derrubado muitos governos mundo afora,
no passado e presentemente.
Dessa mesma maneira outros membros da ACLJ se posicionam.
TERCEIRA CORRENTE:
O atual Presidente da ACLJ, o advogado e jornalista Reginaldo
Vasconcelos, Titular Fundador da Cadeira de nª 20, abona o pensando de Rui
Martinho Rodrigues em certa medida, sendo crítico, entretanto, de toda a
política brasileira, da legitimidade dos pretensos representantes eleitos, do
que considera um arremedo de república, que adota uma ideia distorcia do que
deveria ser a democracia.
a) Considera que o sistema eleitoral que se pratica no Brasil seria
absolutamente canhestro, quando são submetidos ao voto popular alguns “seres
iluminados”, segundo o critério partidário, sobre os quais o povo não recebe a
devida informação, sendo portanto compelido a votar naquele que melhor lhe
seja “vendido” pela propaganda milionária, mediante programas de governo
mentirosos que os candidatos eleitos não cumprem e ficam impunes quanto a isso.
b) Pensa que haveria uma crise generalizada de autoridade no País,
garantida inclusive pelo hodierno ordenamento jurídico, que desprestigiaria a
grande massa que trabalha honestamente e que produz – sejam
empresários, sejam operários – favorecendo à anarquia, à corrupção,
ao crime organizado, à violência urbana, ao desrespeito à propriedade privada,
ao empoderamento dos cretinos, mantidos sob o pálio dos chamados “direitos
humanos”, quando, segundo pensa, esses direitos deveriam ser reservados aos
“humanos direitos”.
c) Teme que o caos na política termine justificando de fato uma
intervenção militar no País – assim como teme uma intervenção cirúrgica em si
mesmo, mas a consideraria bem-vinda se, em face de uma doença grave que o
acometesse, não houvesse outra solução plausível.
Este é também o pensamento de um outro grupo de acadêmicos da ACLJ. Mas
nenhuma deles traduz nem representa o pensamento da entidade.
COMENTÁRIO:
Digno de louvores o texto publicado no Blog da
ACLJ, no último dia 21 de abril, que analisa a crise político-ética que sacudiu a República.
Com objetividade, a Nota apresenta uma bem
construída retrospectiva histórica sobre os fatos, a partir do que o País
vivenciou no período pré-64, até os dias atuais, com à ascensão e a derrocada
da esquerda no Brasil, em razão das peraltices praticadas em seus governos.
Expressa de forma substantiva a pluralidade de
pensamento existente entre os acadêmicos, apresentando, inclusive,
manifestações dos acadêmicos e professores Cid Carvalho, Rui Martinho
Rodrigues e Reginaldo Vasconcelos, preservando entretanto a instituição de qualquer contaminação
ideológica e partidária.
Com singularidade, o editor coloca o papel que a ACLJ deve exercer, estimulando o debate em torno da pauta
política do País, ante os fatos que, em maior ou menor grau, nos atingem a todos.
O texto nos remete a uma reflexão, não apenas
sobre o fracasso do modelo político em vigência no País, onde a
representatividade sucumbiu ao desenvolvimento do maior projeto de engenharia
da corrupção de que se tem registro na História, mas especialmente sobre o
papel do cidadão, na perspectiva da reconstrução de um novo modelo político para
o Brasil.
Arnaldo Santos
Digno de nota o texto publicado no blog da ACLJ, no último dia 21 de abril, pelo acadêmico Reginaldo Vasconcelos, onde analisa a crise político ética que sacudiu a República. Com objetividade o autor apresenta uma bem construída retrospectiva histórica sobre os fatos, a partir do que o país vivenciou no período pré 64, até os dias atuais, com à ascensão e a derrocada da esquerda no Brasil, em razão das peraltices praticadas em seus governos. Expressa de forma substantiva a pluralidade de pensamento existente entre os acadêmicos, apresentando inclusive manifestações dos acadêmicos e professores Cid Carvalho e Rui Martinho, preservando entretanto a instituição de qualquer contaminação ideológica e partidária. Com singularidade o autor se coloca opinando sobre o papel que ACLJ, deve exercer estimulando o debate em torno da pauta política do país, anti os fatos que em maior ou menor grau nos atinge a todos. O autor nos remete a uma reflexão não apenas sobre o fracasso do modelo político em vigência no país, onde a representatividade sucumbiu ao desenvolvimento do maior projeto de engenharia da corrupção que se tem registro na história, mas especialmente sobre o papel do cidadão na perspectiva da reconstrução de um novo modelo político para o Brasil.
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