segunda-feira, 3 de abril de 2017

ARTIGO - Judiciário e Política (RMR)


JUDICIÁRIO E POLÍTICA
Rui Matinho Rodrigues*


Vivemos uma grave crise. A polifonia em torno desta situação admite: o impasse político é o nó górdio da tempestade. A reforma política exige clareza do que entendemos como Estado democrático e o tipo de ordem política, econômica e social que desejamos. Os ingredientes da ordem política, qualquer que seja ela, incluem a noção de participação e representação dos cidadãos; divisão e equilíbrio de poderes; garantias institucionais; segurança jurídica; ao lado da Antropologia Filosófica a ser considerada, isto é, o que entendemos que sejam os seres humanos.

O homem “nasce bom e a sociedade o corrompe” (Rousseau)? É “um animal político (sociável) por natureza” (Sócrates)? Quem pensa assim tende a buscar fundamento para a democracia nas virtudes do povo. 

Pode-se, todavia, admitir mais acertadamente, que o homem se comporta como animal político por necessidade, não por virtude natural e a sociedade reflete as imperfeições dos homens como admitiu Platão na obra “As leis”. A democracia reconhece o direito do povo decidir porque não tem opção melhor. 

As imperfeições humanas não se corrigem com o aprimoramento intelectual. Não se pretende delegar ao povo decisões técnicas, mas questões valorativas; e que autorize temporariamente alguém a escolher decisões técnicas. Voto é confiança, não discernimento técnico. Os intelectuais produziram os piores regimes. Um líder apedeuta não representa o povo simples. Ele é um boneco de ventríloquo dos intelectuais.

Corporativismos devem ser evitados. O sistema de freios e contrapesos não deve ser esquecido. Mas o poder político, por ser representativo, malgrado as graves imperfeições da representação, deve ser a fonte de todo poder. O Judiciário, que deve ser independente, precisa ter um papel político. Por isso os ministros do STF devem ser escolhidos pelo poder representativo, não para subordiná-los aos partidos, mas para direcioná-los de acordo com uma política judicial, como o maximalismo ou minimalismo penal. 

A reforma política deve manter escrupulosamente a separação dos poderes, mas deve preservar a condição de legitimidade derivada do Judiciário, que nasce da escolha dos ministros do STF pela via política, como é na maioria das democracias. Não queremos um governo de juízes, sem legitimidade primária.


COMENTÁRIO:

Discordar de qualquer assertiva feita pelo Prof. Rui Martinho Rodrigues é tão temerário quando cutucar um leão com uma vara curta. Aliás, não importa o tamanho da vara. É sempre um perigo discutir com um sábio, e aquele é o membro mais ilustrado da nossa Academia, seguramente, sem favor nenhum, um dos maiores polímatas do Estado e do País.

Mas ouso me arriscar uma vez ou outra, se não para vencer o debate, tarefa inglória, pelo menos para exercitar a nossa “fera” do saber, estimular essa “cobra” dos argumentos a movimentar a musculatura constritora do privilegiado raciocínio, provocar o voo majestoso dessa “água” do conhecimento, que não ficaria nada a dever àquele outro Rui, dito a Águia de Haia.

Do alto da minha imensa ignorância, não acredito nesse conceito de legitimidade, direta ou indireta, a que o Prof. Rui se refere, mas apenas na capacidade intelectual das pessoas, no caráter moral das pessoas, predicados que somente podem ser reconhecidos ou negados por quem as conheça de perto – e ninguém melhor do que os próprios pares para apontar com segurança à Nação, dentre eles, os melhores.

Por isso, para mim, a nomeação política dos membros dos tribunais superiores é um equívoco, pois esses deveriam ser eleitos pela sua classe magistrada. Segundo penso, corporativismo é a autoproteção de uma classe em detrimento de outras, que não é o caso, pois o processo seria intestino. Discordo ainda do meu próprio mestre quando ele entende que a intelectualidade pessoal não contribui para o aprimoramento do caráter.

Para mim, os homens nascem bons ou ruins, a depender de sua genética, e melhoram ou pioram ao longo da vida, mercê de seu potencial de descortino, de suas experiências de vida, dos exemplos que tenham, da educação que recebam. E, me parece claro, a escolaridade, o saber livresco, o cabedal teórico, a cultura humanística, o domínio da história, a lucubração filosófica, a graduação acadêmica, se não pioram os homens, só os podem melhorar.

Por fim, o Prof. Martinho Rodrigues, após o seu sempre brilhante pontificado, encerra o artigo dizendo que “não queremos um governo de juízes”, sem designar quem ele inclui nesse sujeito oculto “nós”.  Digo-o... e corro.

Reginaldo Vasconcelos

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