A IGREJA DO DEMÔNIO
Reginaldo Vasconcelos*
O
que se verificou no Brasil no dia de ontem, 28 de abril, foi a mais abjeta
manifestação de cretinice, patrocinada pelos insatisfeitos com as reformas em
curso no Congresso, que vão acabar com a contribuição sindical, obrigatória para
o trabalhador, passando a ser opcional, o que com certeza vai reduzir
drasticamente a receita das esquerdas sindicais.
A
virtude dessa medida não está na economia que ela vá ocasionar aos empregados,
os quais têm o valor correspondente a um dia de salário por ano legalmente
confiscado para o respectivo sindicato. Não. A despeito de ser obrigatória, o
que não é republicano nem democrático, essa contribuição, de fato, não “mata”
ninguém, como diz o populacho.
A
grande justiça dessa alteração normativa entrevista na reforma trabalhista está no fato de que essas verbas, que, pelo
efeito da escala, representam milhões, terminam sendo manipuladas por ativistas
políticos, que não as destinam ao benefício dos seus provedores compulsórios,
mas as empregam nos chamados “movimentos sociais”, que na verdade são focos de
diversionismo ideológico, não raro ilegais e violentos.
Restou enfim evidenciado que as esquerdas em geral, e que o movimento sindical que
com elas é imbrincado, nada têm a ver com democracia, embora conste de suas
bandeiras e de seus métodos o uso desse “santo nome em vão”. Sob o manto
licencioso de estarem decretando uma “greve”, uma excrescência jurídica legalmente tolerada, na verdade promoveram piquetes e quebra-quebras pelas ruas
do País.
Ora,
greves e lockouts (este último
proibido no Brasil), não passam de um tipo de chantagem, quando, no primeiro
caso, os empregados paralisam o trabalho para impor sua vontade ao empregador, levando
prejuízo à organização que os contrata e alimenta, e, no segundo caso, a
empresa fecha as portas e suspende salários para punir os empregados.
Entretanto,
no caso, nem houve greve, pois as paralisações foram impostas por desocupados
que tomaram as ruas para praticar vandalismo, interromper vias, atrapalhar a
circulação de transportes coletivos, ameaçando e intimidando os trabalhadores
em geral, patrões e empregados. Uma ação diabólica. Uma vergonha para a pretensa república brasileira com o seu canhestro entendimento de democracia e ordem pública.
A
propósito, Machado de Assis tem um pequeno conto denominado “A Igreja do
Demônio”, em que o grande escritor imagina que satã tem a ideia de criar a sua
própria igreja, e vai comunicar a Deus sua decisão de se tornar seu concorrente
no pastoreio das almas.
Pontua
o capiroto que os fiéis da igreja de Deus, mesmo vestidos com o veludo da
virtude, como nos trajes das mais ricas rainhas, entretanto trazem a fraqueza
moral nas suas franjas de algodão, por onde pretende seduzi-los.
Deus
o escuta, desdenha, e como certamente o Senhor é “politicamente correto”, não
manda escorraçar imediatamente belzebu de sua presença, mas faz com que os
serafins encham “o Céu com a harmonia do seu canto”, para incomodar o
impertinente, que enfim ficou sem o chão nefelibático e voltou à Terra como um raio.
O
que se vê na prática é que também nesse caso a vida imita a arte, e vice-versa, porque a
ficção se realiza de fato, pois evidentemente o “negócio” do demônio prosperou.
Machado
descreve de como lúcifer, sem negar quem era,
convenceu pessoas honestas de que a virtude está no mal. Usando dos mais
inteligentes sofismas, dos mais francos paralogismos, explorando o egoísmo humano
para lhes justificar a perfídia e a vilania, e dando a esses vícios os melhores
ares de grandeza, fez-se acreditar, afinal, por um grande número de sequazes.
Mas,
ao final da sua história, conta Machado que o capeta queixou-se depois a Deus
que os seus perversos prosélitos assumiram a maldade como predicado, e que portanto se
vestiam com a mais reles estopa de algodão moral, mas que alguns deles
mantinham agora franjas da seda virtuosa nos seus trajes, fazendo bondades aqui
e ali, a que o Supremo Arquiteto do
Universo respondeu-lhe:
“Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de
algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão.
Que queres tu? É a eterna contradição humana”.
Por
fim, foi também por essas mesmas franjas benignas que rebrilham sob o pálio da
maldade que o mefistofélico Michel Temer tomou a peito a tarefa benfazeja de promover
as reformas profundas e necessárias que salvarão o nosso País – mesmo com
sangue, suor e lágrimas.
Resta
o demoníaco Renan Calheiros, com sua capa de trapos que tem franjas andrajosas, o qual, juntamente
com o seu pior acólito, Roberto Requião, tenta ameaçar as legiões angélicas e as pretorias do bem que muito justamente o perseguem, encaminhando um projeto de lei contra a mais legítima autoridade. Mas Deus
é grande. Deus é maior.
A linguagem alegórica é a mais rica forma de comunicação. Cristo falava por parábolas. O simbolismo de que se serviu o cronista é dos mais expressivos. As contradições da política, a torpeza do jogo de poder da vida pública e os rumos surpreendentes da História, tudo foi posto no pequeno espaço.
COMENTÁRIO:
Essa crônica sobre os distúrbios de ontem é uma
página literária. O autor recorre ao nosso melhor escriba, Machado de Assis,
para fazer uma análise das mais felizes.
A linguagem alegórica é a mais rica forma de comunicação. Cristo falava por parábolas. O simbolismo de que se serviu o cronista é dos mais expressivos. As contradições da política, a torpeza do jogo de poder da vida pública e os rumos surpreendentes da História, tudo foi posto no pequeno espaço.
Herois-macunaímicos e macunaímas involuntariamente
heróis, que acabam por contribuir para o interesse social, tudo foi
apresentado com clareza meridiana, sem as tecnicalidades que podem afastar
considerável parcela do público.
Rui Martinho Rodrigues
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