A AMIZADE
Reginaldo
Vasconcelos*
Não ser amigo, não é ser inimigo. Não é sequer ser
indiferente. Pode-se ser muito atencioso com alguém, ser respeitoso, afetuoso e
reverente com ele, até admirá-lo, e nem por isso ser amigo.
O amigo é aquele para quem você olha e se vê nele.
Você se vê nele, um pouco diferente do que você é, mas aceita as diferenças com
carinho e com respeito. É a identificação mais imediata e mais perfeita.
Em suma, o amigo é você mesmo, sendo e vivendo uma
experiência diferente na existência. É uma extensão afetiva do próprio ser.
Para o amigo não se tem segredos. Por ele não se medem esforços, e se lhe
reserva um manancial infinito de perdões.
Entre os amigos as palavras são sinceras de tal forma
que quando evidentemente são pequenas mentiras defensivas, aquele que as ouve faz de
contas que acredita, mas passa a atuar para que, naquele particular, o amigo
não mais se precise defender.
Aliás, se as palavras são preciosas na amizade, porque
mesmo quando não são verdadeiras são paródias da verdade, no entanto entre
amigos que demoram juntos elas não são imprescindíveis, como o são entre conhecidos menos íntimos que se façam companhia.
Somente verdadeiros amigos podem ficar calados lado a
lado no sofá, cada um entregue aos próprios pensamentos, ou numa longa viagem por
terra de automóvel, desfrutando serenamente a convivência, sem que o silêncio de
um incomode o outro, ou sugira tédio, ou provoque mal-estar.
Interessante notar, ninguém é amigo porque admira as
grandezas do outro, que, embora orgulhem o amigo, não são elas jamais a
causa da amizade – até porque as grandezas alheias são mais razão de inveja que
de afeto.
Já as pequenezas do amigo fazem parte da amizade,
quando se as conhece, as aceita, procura compensá-las – assim como o filho
belo, sábio, célebre, certamente envaidece, mas o amor desmedido dos pais é
por aquele limitado, feioso, doentinho.
Então, a amizade é uma instituição muito importante,
relacionada ao conceito de ética, não se devendo confundir com outros tipos de
relações e sentimentos.
A ética não é uma lei natural, ou um intuitivo código
universal a ser seguido, ao contrário do que se tende a acreditar. A ética é na
verdade uma norma de conduta que se estabelece entre o indivíduo e um
determinado estamento social a que pertence – a sociedade civil, a família, a igreja, a
profissão, o casamento...
Como a pessoa vai firmando muitos desses pactos
sociais durante a vida – a partir do compromisso tácito que o cidadão assume
com o ordenamento jurídico – a ética tem várias camadas, como as que formam uma
cebola.
No centro da cebola está a ética da lei, depois a
ética da família, e logo em seguida a ética da amizade. Somente depois as
outras camadas. Por exemplo, mesmo não devendo ser conivente com um amigo incriminado por delito penal, se lhe deve ser moralmente solidário até a morte. Então, nessa hierarquia deontológica, apenas o núcleo
familiar é mais importante que os amigos.
E a amizade se verifica dentro e fora da mais ampla
parentela. O segredo do casamento feliz, por exemplo, é a amizade do casal.
Ninguém pode ser mais amigo do que o próprio cônjuge,
para as grandes e as pequenas coisas da existência. Quando essa amizade se
desgasta, contaminada por segredos e mágoas, resta abalado o matrimônio.
Para além da amizade, há ainda a “alegria da
amizade”. Aspectos do caráter de um amigo até então insuspeitados, uma vez percebidos,
podem ocasionar a perda da euforia do encontro e do prazer da convivência –
mesmo sem destruir a amizade, que por definição é imorredoura.
Aliás, a amizade não sofre a ação do tempo e da distância. É como o mel, único alimento puro e imune, que nunca se degrada ou se corrompe. Amigos distantes e ausentes um do outro, por mais longínquas geografias e por mais longas eras, mantêm sempre fresca e atual a amizade.
Aliás, a amizade não sofre a ação do tempo e da distância. É como o mel, único alimento puro e imune, que nunca se degrada ou se corrompe. Amigos distantes e ausentes um do outro, por mais longínquas geografias e por mais longas eras, mantêm sempre fresca e atual a amizade.
COMENTÁRIOS:
Esse texto de Reginaldo Vasconcelos é uma das suas mais belas performances
literárias. Vejo ali o seu incontestável talento com as palavras e a agilidade
com a qual trafega entre os diversos gêneros e estilos da curta literatura mas,
e em particular, a sensibilidade de quem não teme as lágrimas ou os sorrisos e
a nobreza de caráter de quem elege a amizade a sentimento sagrado. George Eliot
sentenciou: “A amizade é o conforto
indescritível de nos sentirmos seguros com uma pessoa, sem ser preciso pesar o
que se pensa, nem medir o que se diz”.
Geraldo
Jesuino
Congratulações ao prezado amigo Reginaldo
Vasconcelos pelo belo texto filosófico “A Amizade”, que realça a fraternidade e
a compreensão verazes, cujos atributos merecem ou mereceriam imperar no âmago
da humanidade.
Por oportuno, rogo-lhe a permissão de atentar
para o antagonismo da 'verdadeira amizade' e da 'falsa amizade' (nem sempre
inimizade), expresso nas duas assertivas seguintes:
– uma, “os
verdadeiros amigos são iguais às estrelas, embora possam estar distantes, não
deixam de brilhar”; e,
– duas, “amigos falsos são iguais às aves de
arribação: se faz bom tempo, eles ficam; se faz mal tempo, eles vão”.
Betoven Rodrigues
Há um pagode, de autoria
de Serginho Meriti e Claudio Guimarães, que considero o que há de melhor no
repertório do Zeca Pagodinho. A letra, encaixada em uma melodia épica, trata exatamente
sobre a amizade verdadeira e a amizade falsa, a que o amigo Betoven se refere.
A música se chama “Quando a Gira Girou”. Recomendo conferir no Google.
Reginaldo Vasconcelos
Reginaldo Vasconcelos
QUANDO A GIRA GIROU
O céu de repente anuviou
E o vento agitou as ondas do mar
E o que o temporal não levou
Foi tudo que deu pra guardar
Só Deus sabe o quanto se labutou
Custou, mas depois veio a bonança
E agora é hora de agradecer
Pois quando tudo se perdeu
E a sorte desapareceu
Abaixo de Deus, só ficou você
Quando a gira girou, ninguém suportou
Só você ficou, não me abandonou
Quando o vento parou e a água baixou
Eu tive a certeza do seu amor
Quando tudo parece que está perdido
É nessa hora que você vê
Quem é parceiro, quem é mau amigo
Quem tá contigo, quem é de correr
A sua mão me tirou do abismo
O seu axé evitou o meu fim
Me ensinou o que é companheirismo
E também a gostar de quem gosta de mim
Na hora que a gente menos espera
No fim do túnel aparece uma luz
A luz de uma amizade sincera
Para ajudar a carregar nossa cruz
Foi Deus que pôs você no meu caminho
Na hora certa pra me socorrer
Eu não teria chegado sozinho
A lugar nenhum, se não fosse você.
Caríssimo Reginaldo
ResponderExcluirLi no seu texto uma das suas mais belas performances literárias. Vejo ali o seu incontestável talento com as palavras e a agilidade com a qual trafega entre os diversos gêneros e estilos da curta literatura mas, e em particular, a sensibilidade de quem não teme as lágrimas ou os sorrisos e a nobreza de caráter de quem elege a amizade a sentimento sagrado.
"A amizade é o conforto indescritível de nos sentirmos seguros com uma pessoa, sem ser preciso pesar o que se pensa, nem medir o que se diz".
George Eliot
Prezado amigo Reginaldo Vasconcelos, congratulações pelo belo texto filosófico "A Amizade", que realça a fraternidade e a compreensão verazes, cujos atributos merecem ou mereceriam imperar no âmago da humanidade.
ResponderExcluirPor oportuno, rogo-lhe a permissão de atentar para o antagonismo da 'verdadeira amizade' e da 'falsa amizade' (nem sempre inimizade), expresso nas duas assertivas seguintes:
- uma, "os verdadeiros amigos são iguais às estrelas, embora possam estar distantes, não deixam de brilhar"; e,
- duas, "amigos falsos são iguais às aves de arribação: se faz bom tempo, eles ficam; se faz mal tempo, eles vão".
Forte abraço.
Betoven Rodrigues