O
QUE É PÓS-VERDADE?
João
Soares Neto*
Estou
estudando o adjetivo “pós-verdade” (post-truth),
considerado pelos Dicionários Oxford, da Universidade de Oxford-Inglaterra,
como a palavra do ano de 2016. A expressão pode ter sido criada em 1992 pelo
sérvio Steve Tesish, dramaturgo. O que me alerta é o dístico da Oxford ser
“Dominus illuminatio mea”, a nos remeter ao Salmo 27.
Agora,
ninguém nos ilumina. Vejamos o que o
dicionário Oxford diz sobre Pós-Verdade: “Um adjetivo que se
relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos
influência em moldar a opinião pública do que o apelo à emoção e as crenças
pessoais”.
Desejo
historiar – audácia minha – acerca desse fenômeno que se difundiu de forma exponencial
em camadas cultas, na área filosófica e na política de grandes jornais. A aceleração da divulgação da “pós-verdade”
decorre das divulgações em todos os modais da Internet (e-mail, whatsaap,
facebook, instagram, blog etc) e das mídias convencionais, que se renderam ao
uso.
Refleti,
e resolvi pedir a amigos doutos que dissertassem sobre o assunto. Esta é a
primeira parte. Alguns pedem para não citar o nome. Respeito. Direi algo sobre
a formação de cada um:
PhD em
História:
“Já é tão usado aqui. Ninguém que escreve bem o usa. Mas meu neto adolescente,
ontem ficou assustado se isso seria uma palavra que ele, – já sabe tudo – essa
palavra não existe. Nem a sua máquina falante, e nem seus amigos nos EUA a
conhecem. Quer dizer, quando você escrever sua coluna sobre essa palavra o uso
dela vai revelar para muita gente no Brasil uma novidade. Nós, aqui, na
Alemanha, estamos curiosos.
O físico
e filósofo suíço Eduard Kaeser vê na era “postfaktisch” o perigo de uma ‘democracia
de uma sociedade que não quer saber nada/prefere ficar ignorante dos fatos’ –
como consequência da avalanche de informações no mundo digital, a diluir
padrões essenciais e básicos como a objetividade e a verdade. O estilo de fazer
política de Trump muitas vezes é entendido como post-truth.
Romancista: “A
filosofia sempre se ateve a discussões sobre o significado da verdade, da
justiça, da ética, dentre outros termos de não somenos importância para a
condição humana. Em 2016, a pós-verdade ganhou destaque. No mundo moderno
agitado e movido pelas redes sociais, a verdade perdeu status, cedendo
espaço para a pós-verdade. O que se posta adquire significado de verdade quase
absoluta, quase incapaz de ser desmentida ou questionada. Curiosamente, a
pós-verdade está aquém da própria verdade, e não além, como o termo supõe”.
Ednilo
Soárez, historiador: “A
expressão “pos-truth” pode ser uma consequência do universo que vivemos nas
comunicações digitais, nas quais as pessoas não se conformam mais em ser apenas
“figuração”. Quase todas aspiram ao papel de protagonistas, daí, querem
interpretar os fatos lastreados nas suas emoções, dando-lhes suas
interpretações próprias”.
Eduardo
Diatahy, PhD Emérito da UFC – Não sei para que
inventar um “conceito” novo se estamos em face de fenômeno tão antigo? Em seus
processos cognitivos, a humanidade sempre se debateu com a intervenção dos
aspectos emocionais, cuja importância de fato é imensa, pois que razão pura só existe na cabeça de Kant
ou é como água destilada, que é pura, mas ninguém bebe.
Estou
mais ou menos convencido de que esse rótulo de pós-verdade aguarda sua vez na lata de lixo da História, visto fazer
parte de muitos outros “pós-” que andam por aí a poluir o ambiente.
Todavia,
louvo seu esforço em busca de esclarecimento. Mas não se esqueça da palavra de
Max Weber, em sua célebre conferência Wissenschaft als Beruf (1917):
«Pois nada que ele não possa
fazer com paixão tem valor para o homem enquanto homem».
Este não é o final.
Temos outras reflexões a mostrar. Aguardem.
COMENTÁRIO:
O termo “pós-verdade” é apenas um neologismo que
se insere na sinonímia de “mentira”. Não tem o caráter eufêmico de “inverdade”,
de “potoca”, de “peta”, de “ficção” – nem a força agressiva de “balela”, “patranha”,
“aleivosia”, “falsidade”.
Não há sinônimos exatos. Cada um deles traz em
si uma carga conceitual própria para significar e já qualificar de forma
diferente uma mesma coisa. “Puta”, “quenga”, “meretriz”, “cortesã” e “prostituta”
indicam pessoas de uma mesma atividade, mas conferindo a cada uma distinto “odor
psicológico”.
No caso de “pós-verdade”, parece que o criador
da expressão quis denotar e consagrar o prestígio que a comunicação eletrônica globalizada
tem conferido às versões criativas, as tais “narrativas”, facilmente difundidas
e abonadas, em detrimento dos fatos reais que as originam.
Não saberia eu estabelecer uma graduação exata
entre as virtudes e os efeitos nocivos de se estabelecer a “pós-verdade”. Posto
que a verdade seja soberana, nem sempre ela convém aos melhores sentimentos e
ao melhor convívio. Ela é sempre muito
mitigada no amor e nos negócios, na sociedade e na política.
As vestes de todos, a maquiagem das mulheres,
a pintura do concreto, a pele sobre a carcaça, tudo isso é expediente
utilitário contra a verdade nua e crua. Ninguém vivencia suas próprias vísceras,
que, porquanto sejam absolutamente reais e presumíveis, não são necessarimente presentes à consciência
das pessoas, pois somente à grotesca poesia Augusto-anjeliana interessavam.
Aliás, à poesia muito mais interessa a pós-verdade,
na sua linguagem conotativa, como de forma metalinguística o reconhecem Fausto
e Patrúcio na letra da canção Frenesi. “Fosse
paixão, frenesi / Doce ilusão, moça bela”.
Reginaldo Vasconcelos
Vianney Mesquita
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Articulista-cronista
de primeira linha aufere agora o “blog” da nossa Academia, com o concurso do
escritor João Soares Neto.
Magnífico
é seu escrito acerca do substantivo
Pós-Verdade, lúcido, interessante e oportuno, complementado com os supinos
comentários do Dr. Reginaldo Vasconcelos.
Avis cara!
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