O PODER DO CRIME
Rui Martinho Rodrigues*
O poder do crime guarda relação com os crimes
do Poder Político. Temos vinte e sete facções criminosas (sem contar os
partidos), com um efetivo de mais de oitenta mil integrantes. O recrutamento se
dá, em grande parte, nas prisões, compulsoriamente.
O preso que não se filia a nenhuma facção é
chamado “geral”. É o primeiro que morre quando a violência explode. A filiação
protege e submete. É um crime não separar e não garantir a incolumidade dos
“gerais”, estancando essa fonte de recrutamento das facções.
A bandidagem pesada tornou-se tão populista quanto os políticos. O domínio de território permitiu ao tráfico proibir
assaltos ou estabelecer restrições quanto a horários ou a determinadas pessoas.
Em um bairro, assalto só após as vinte e uma
horas. Em outro tem proibição contra assaltar idosos, mulheres e crianças.
Assim completam o método de dominação, ao lado de ameaças, mutilações e
assassinatos. Para haver Estado é preciso haver controle de território,
monopólio da violência e um mínimo de capacidade de manter alguma ordem. O Estado Brasileiro, com os seus Estados Federados, ainda tem tal capacidade? Talvez, mas está perdendo.
As facções criminosas são milionárias, e por
isso poderosas. O tráfico é o terceiro maior negócio com a venda de unidades de
consumo de pequeno valor. Logo, é preciso vender grandes quantidades, para
muitas pessoas, para ser o grande negócio. É financiado por uma sociedade
amoral e hedonista, que, pelo prazer, não hesita em financiar a brutalidade.
Praticada no atacado, agora a violência está na ribalta, mas sempre existiu no
varejo.
Não podendo evitar que a sociedade financie o
crime, deveríamos pensar em tirar o monopólio do comércio de drogas das mãos
dos bandidos. Combatê-lo não tem a menor eficácia e só está servindo para
corromper os agentes do Estado e multiplicar presos e recrutas para as
organizações criminosas.
Subornar e intimidar são meios eficazes de
submeter a população e os agentes do Estado. Temos os “senhores da guerra”,
como acontece em países que perderam o controle do próprio território, a
exemplo da Somália e da Líbia. Falam em fechar fronteiras como um grande passo
para conter a criminalidade organizada.
Devemos, sim, ter uma política de controle de fronteiras,
mas não podemos nos iludir com isso, nem alocar tantos recursos para este fim.
Os EUA têm uma fronteira muito menor com o México, muito mais fácil de vigiar,
e sendo um país com muito mais recursos, não consegue impedir o tráfico nos
limites meridionais do seu território.
O controle das prisões, muito mais fácil que o
das fronteiras, não tem tido sucesso. O Regulamento Disciplinar Diferenciado
(RDD) deveria permitir que as duras medidas nele previstas fossem aplicadas por
prazos mais longos. Presídios especiais, destinados aos integrantes de facções, deveriam ser localizados mais longe dos territórios por elas controlados.
A lei deveria ser observada e os crimes de
menor potencial ofensivo não deveriam ser apenados com prisão. Estas são
agências de recrutamento das facções. Não se pense que tais organizações serão
eliminadas. Países mais dotados de meios não conseguiram destruí-las. Mas
poderemos reduzir significativamente o poder do crime.
COMENTÁRIO:
Esse artigo do Prof. Rui Martinho Rodrigues
realiza uma análise perfeita dos nossos problemas penais, fazendo o devido link entre o chamado “crime organizado” dos bandidos comuns e o crime desorganizado dos
homens públicos brasileiros.
Então me lembro da frase do mágico Lorde
Cigano, vivido por José Wilker no filme Bye Bye Brasil, de 1979: “Nesse negócio
de amor dá para improvisar, mas sacanagem não. Sacanagem tem que ser bem
organizada”.
Contudo, eu creio que não se resolverá o caos social
que o banditismo vem causando no Brasil se continuarmos aplicando aos bandidos
contumazes e profissionais as regras bonançosas das nossas leis penais,
substantivas e adjetivas – e, por outro lado, lhes submetendo aos rigores dantescos
do nosso sistema prisional.
Esse tipo de infrator não deveria ser
confundido com o cidadão de bem que de repente, em um momento de infelicidade,
comete um delito – mais grave ou menos grave. Foi para esse tipo de réu que as
leis criminais foram escritas, na década de 40.
Este infrator eventual tem direito a responder ao processo em
liberdade, dispõe de uma infinidade de recursos processuais, tem direito a progressão de regime, pode receber os benefícios da
autorização de saída e da saída temporária, e não pode permanecer encarcerado
por mais de 30 anos. Pagou a pena, ele está apto a voltar à sociedade.
Mas o delinquente profissional, compulsivo,
reiterado – do pichador de muros ao traficante, passando pelo político corrupto, de ambos os gêneros e de qualquer idade – este é na verdade um “sociopata”. Ele é portador de uma patologia
psicossocial, a sociopatia, que consta do Código Internacional de Doenças. Não é um criminoso
comum, de modo que não deveria ser tratado como o infrator eventual. O seu caso
está entrevisto na parte final do art. 26 do Código Penal.
Então, deveria ser ele imediatamente segregado, não em
presídio, mas em instituição apropriada, para receber tratamento medicamentoso
e psicoterápico intenso, sine die,
até que uma junta de psiquiatras forenses atestasse a sua cura e lhe desse alta, para somente então poder ele retornar à sociedade, nos moldes do art. 96, I e 97, § 1º do
Código Penal. E S.Exa. a Ministra Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, sabe disso muito bem.
Reginaldo Vasconcelos
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