FELIZ POR TUDO,
POR NADA E PLATÃO
João Soares Neto*
Vou
ficar contente por estar vivo, por morar em um país em que não há terremotos e
avalanches de neve, as novelas de TV são picantes e coloridas, há bons jogos de
futebol onde as torcidas são animadas, mas corteses. Vou usar o grande tempo em
que passo dirigindo para ouvir as músicas pacientemente escolhidas: Tiririca,
Wesley Safadão e duplas sertanejas.
Tampouco,
reclamarei se me oferecerem água “mineral” a R$1,00 a garrafa batendo no vidro
do meu carro. Tirarei fotos dos comedores de fogo, dos esquálidos meninos
acrobatas com roupas esfarrapadas e dos afáveis “flanelinhas” sempre risonhos,
com suas bisnagas e apetrechos.
Escolhi
a “Hora do Brasil” como programa de rádio favorito ao começo de cada noite. Aos
domingos, optarei pelo Faustão, tão bem vestido, educado e legítimo
representante do humor cordial. Ouvirei prédicas em emissoras pentecostais e as
compararei com as suas congêneres católicas.
Anotarei
todas as contas bancárias para onde deverei mandar dízimos e comprarei terços,
medalhas e imagens pela Internet. Estou pensando seriamente em fazer uma nova
excursão à Terra Santa, quando arriscarei fazer as pazes entre alguns judeus e
palestinos.
Na
volta, pararei em Roma onde há um curso sobre “Desburocratização do Vaticano”.
Gravarei esses ensinamentos e repassarei para alguns “coaches”, exímios
resolvedores de problemas empresariais, familiares e pessoais.
Pagarei,
sem reclamar, os juros altos do meu cartão de crédito e ficarei feliz em
colaborar para o desenvolvimento do sistema bancário brasileiro, tão solidário
com o povo sofrido.
Ouvirei
palestras de ex-diretores do Banco Central e me encantarei em ler artigos de
ex-detentores de cargos públicos, sempre disponíveis para solucionar os fáceis
problemas que encontraram e não resolveram.
Acreditarei
em todas as reformas propostas e aplaudirei os que, aos domingos, tomam banho
de sol na Avenida Paulista. Uns de bicicleta, outros empurrando carrinhos de
bebês que não choram e até aquele ex-bancário gorducho sentado na velha
espreguiçadeira deixada pela tia setentona abrigada em excelente casa de
repouso para idosos.
Nada
de falar de Gramsci, Marx, Deleuse e Guattari, dou a palavra a Platão na
“República”, quando diz: “aquele que
verdadeiramente gosta de saber, tem uma disposição natural para lutar pelo Ser,
e não se detém em cada um dos aspectos que existem na aparência, mas prossegue
sem desfalecer nem desistir de sua paixão, antes de atingir a natureza de cada
Ser em si”. Falou!
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