O CINE REX
Assis
Martins*
Lembro-me até do que não quero, e não me posso
esquecer do que quero. (MARCO TÚLIO CICERO).
Os comentários sobre costumes e acontecidos
causam em muita gente verdadeira ojeriza, na maioria, gente que tem medo de
envelhecer e continua na falaz ilusão de uma permanente juventude. Para esses,
um saco essas relembranças, enquanto, para mim, o ato de relembrar e escrever
sobre isso age catalisadoramente: as reminiscências me revigoram, pois, como
ensina Platão, [ ] a recordação, quando
retomada pela consciência, pode ser a eminência da base de toda sabedoria ou do
conhecimento.
Para os pósteros, os modos & modas de hoje
serão comentados como “saudosismo”. Assim, será comum alguém comentar: - Puxa vida, que tempo bom aquele das selfies
(ou dos selfies), dos e-mails, do Facebook e do WhatsApp. Que saudade!
Outro retruca: - Que nada, melhor é hoje
que já temos o..., o... , o... E enumera as novas “invençanças” em uso.
Nessa época, talvez não se distinga mais o que é real ou virtual, de tal modo
tênue está ficando a zona limítrofe das duas realidades.
A verdade é que, mesmo transitando com
facilidade no universo desses modernos expedientes de comunicação, ainda me
amarro em muitas recordações da minha infância. Uma delas é o Cine
Rex, em Fortaleza – Ceará.
Pertencente à Empresa Cinematográfica Luiz
Severiano Ribeiro, funcionava na rua General Sampaio nº 1263 (do lado do sol)
entre as ruas Pedro Pereira e Pedro I, onde anteriormente havia a Serraria
Rodolfo.
O ano de 1940 foi pródigo em aparecer várias
casas de exibições cinematográficas: no dia 6 de junho, foi inaugurado o Cine Cristo Rei, em 18 de junho, o Cine Odeon, e o Rex, em 10 de agosto, com o filme A Enfermeira Edith Cavell, com Ana Neagle, Edna May Oliver e Mary
Robson. As suas portas, no entanto, foram fechadas no dia 13 de setembro de
1941, exibindo na última sessão o filme Os
Milhões de Herança. Foi também a extinção da empresa que o havia criado, a
Clóvis Janja & Cia. Ltda.
Esse “Cinema” ressurgiu em maio de 1944, com
outro dono, fazendo parte do circuito Severiano Ribeiro, e, durante pouco mais
de 16 anos (encerrou as atividades em 1960), foi de grande importância no
entretenimento de muitos jovens. A nossa geração não dispunha da massa de
informações disponível hoje na Internet e tinha que dar mangas largas à
fantasia por intermédio dos filmes em preto e branco, da RKO, e das revistas Capitão
Marvel, Superman, Mandrake, Gibi, Reis do Faroeste, O Globo Juvenil e
tantas mais.
Todos estes meus relatos têm um tom nostálgico
e, segundo Mário Quintana, “O passado não reconhece o seu lugar, está sempre
presente”. O que ficou marcado indelevelmente não foi o “Cinema” em si, bem
acanhado com os seus 600 assentos, as instalações físicas ou a localização,
porém, o clima que havia na nossa geração, meninos ávidos por aventuras como as
vividas pelos heróis dos quadrinhos.
Era uma movimentação grande que começava cedo
nas filas das matinês e vesperais dos domingos. Eu levava algumas revistas
usadas (muitos faziam isso) e havia então uma espécie de escambo, quase sempre
na base de três revistas usadas por uma nova, ou figurinhas repetidas. (As
estampas do sabonete Eucalol tinham
muito valor e fizeram sucesso desde 1930 até 1960. O formato era de 6 x 9 cm
com um desenho na frente e um texto na outra face. Eram muito procuradas, como
as da série Uniformes do Brasil).
Havia também o recurso para conseguir o
dinheiro do ingresso: era chegar bem cedo e pegar um espaço no começo da fila,
então, era só esperar os meninos mais abastados que chegavam prestes ao começo
da sessão e “vender” o lugar. Quase sempre sobravam alguns trocados para
comprar os bombons feitos na Fábrica Viriato, que ficava ali pertinho, na Av.
Duque de Caxias. Esses bombons eram ruins até dizer chega, mas tinham um
gostinho de lucro!
Claro que todo negócio tem seu dia de zebra e
assim aconteceu numa vesperal quando a coisa desandou. A troca de revistas
falhou, não houve venda de lugar na fila ...; e o pior: o ingresso tinha sido
aumentado de oitocentos para mil réis; com o dinheirinho contado, a saída foi
irmos, eu e mais dois colegas, numa marcha apressada até o bairro do Otávio
Bonfim, onde conseguimos assistir, no Cine Nazaré, à imperdível série do Império Submarino.
Meu grande desejo era completar catorze anos
para poder entrar na sessão noturna, onde, na minha imaginação, deveriam ser
exibidos mistérios e coisas inomináveis para uma casta privilegiada,
principalmente sobre sexo. Aliás, numa sessão da tarde, foi exibido um filme
com uma cena onde a mocinha vai tomar banho numa lagoa e, antes de ela tirar a
roupa, passava um trem impedindo a visão. Vi o filme três vezes e o trem nunca
atrasou!
Esses fatos são bons para serem relembrados,
mas, confrontando as gerações, vemos que os meninos de hoje são privilegiados
pelo progresso em todas as áreas, pelo desenvolvimento da tecnologia que lhes
dá um cabedal muito grande de conhecimento, inserindo-os na realidade desde
tenra idade.
Hoje percebo a diferença ao ver crianças
brincando nos parques naqueles pula-pulas, e aí fico pensando na minha meninice
quando íamos jogar bola na calçada quente do Ginásio 7 de Setembro...
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