terça-feira, 24 de janeiro de 2017

ARTIGO - Acidente Aéreo em Paraty (UG)


ACIDENTE AÉREO 
EM PARATY
MEU PONTO DE VISTA 
COMO AVIADOR
Ulysses Gaspar*



Tenho me deparado nos últimos dias, principalmente através das redes sociais, com insinuações de que o acidente aéreo que vitimou o ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki e mais quatro pessoas, teve um cunho de atentado.


Em um país como o nosso, no qual quase todo o meio político está envolto em corrupção e sob os holofotes da justiça, não é de se admirar que as pessoas pensem logo em tamanha barbaridade, nos remetendo, inclusive, às lembranças dos anos 80, quando, na Colômbia, um grupo denominado Cartel de Medellin, comandado por Pablo Emílio Escobar Gaviria, barbarizava com atentados, eliminando juízes e autoridades que se dispunham a investigá-los. Os atentados eram realizados de forma brutal e variavam de crimes “a bala”, até ações terroristas contra a aviação comercial.

Porém, analisando tecnicamente, tenho outra visão do acidente, mas me resguardo afirmando que qualquer conclusão nesse momento seria precipitada, pois o laudo final será emitido por uma comissão técnica do CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) e um grupo da Polícia Federal especializado neste tipo de investigação.

Eu sou piloto comercial e estive na ativa de 1984 a 1995, quando, por opção, troquei a aviação por outras atividades empresariais. Nesse período em que atuei como piloto comercial tive oportunidade de voar em várias aeronaves, inclusive um avião modelo Carajá, no qual voei aproximadamente 1500 horas.

O Carajá é uma aeronave turbo hélice tão moderna e sofisticada quanto o King Air c-90 que se acidentou com o ministro. As duas aeronaves pertencem à mesma categoria, ou seja, voam  praticamente com a mesma velocidade de cruzeiro e autonomia de voo, tendo o sistema de avionics (equipamentos eletrônicos de navegação) muito semelhantes.


Operei nesse período em modernos aeródromos, equipados com os mais sofisticados sistemas de aproximação por instrumento, que, associados aos avançados sistemas de navegação das modernas aeronaves, torna a aproximação e o pouso nesses aeroportos uma tarefa muito segura e precisa.

A aeronave que transportava o ministro e as outras vítimas dispunha dessa aparelhagem tecnológica e avançada. O piloto tinha qualificação técnica e muita experiência, tanto no equipamento, quanto no conhecimento da região, porém o aeródromo não dispunha de nenhum recurso tecnológico para a operação. Chovia muito no local, o teto (base das nuvens) estava muito baixo, pois as nuvens estavam bastante carregadas.



O piloto precisava fazer uma aproximação visual, ou seja, todo o procedimento de separação vertical, lateral e pouso mantendo referências e contatos visuais com o solo. Segundo testemunhas, o avião fez curvas de 180 graus com baixa altura e com grande inclinação lateral, isso porque, conforme acima mencionado, o teto estava muito baixo.

Além disso, é bom frisar que neste momento de aproximação a aeronave se encontra geralmente em baixa velocidade, ficando muito próximo de um fenômeno técnico chamado stoll (condição em que a aeronave perde por completo a sustentação). Vale salientar que curvas de grande inclinação lateral também aproximam a aeronave do fenômeno stoll

Portanto, com base no meu conhecimento técnico, nas condições adversas meteorológicas da região no momento do acidente e no depoimento de algumas testemunhas do acontecido, suponho que o comandante tenha tido uma desorientação espacial, levando a aeronave à condição de stoll, provocando, consequentemente, o choque com o mar. 

Cabe aqui mais uma opinião: este tipo de aeronave é fabricada com duplo comando, ou seja, para ser operada por dois tripulantes, porém as regras de voo visual a homologa para voar com um só piloto, situação que acho muito perigosa, pois em uma cabine existe muito equipamento para ser supervisionado por um só tripulante, o que, acrescido a condições meteorológicas adversas, torna o voo muito vulnerável. Aguardemos o laudo final do CENIPA para averiguarmos se estou no rumo certo.



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