UMA IDADE MÉDIA MACUNAÍMICA
Rui Martinho Rodrigues*
A queda do Império Romano ensejou o domínio de
poderes locais, originando os feudos. A Igreja ofereceu uma retórica “do bem”,
por mais que fizesse o mal. Toda dissidência era satanizada. Chamamos a isso
Idade Média.
O Estado, no Brasil, é obrigado a fazer
acordos com bandidos, como testemunhamos hoje no Rio Grande Norte, e já se
verificou em outras oportunidades. O controle dos bairros é feito pelos poderes
locais, de natureza criminosa. O mal, como sempre, apresenta-se como “do bem”.
Bandidos oferecem benesses aos moradores dos subúrbios. Intelectuais têm na
ponta da língua um discurso supostamente virtuoso para legitimar o crime,
invocando causas sociais.
O Estado perdeu o monopólio da força e já não
pode usá-la, temendo a crítica “politicamente correta”. Os novos feudos criados
pelas organizações criminosas; a falência do Estado; o discurso supostamente
virtuoso; a satanização de quem, a semelhança dos hereges medievais, discorda
da retórica virtuosa, lembram uma Idade Média macunaímica. O governo potiguar estaria negociando um
acordo com as organizações criminosas.
Convocar o Exército é jogo de cena. Não falta
força às polícias, mas condição política para usá-la. As Forças Armadas não
foram chamadas para usar a força, o que torna injustificável a convocação.
Discutem-se questões relevantes. Superlotação,
instalações precárias dos presídios, prisões cautelares demasiado prolongadas,
falta de assistência médica e outros problemas são importantíssimos, mas não
são o motivo das matanças. Bandidos em armas, dentro dos presídios, desfraldam
bandeiras com as siglas das facções criminosas. Não mostram reivindicações
pertinentes aos problemas citados. A guerra entre organizações é pelo controle
de rotas do tráfico de drogas.
O código de honra da cavalaria medieval era um
primor de virtudes; a prática dos cavaleiros, um horror. O discurso que se
apresenta como politicamente correto é tão virtuoso – e tão falso – quanto o
código de honra da cavalaria medieval. Os arautos do bem financiam as bárbaras organizações
comprando o que elas vendem: drogas. Depois, se horrorizam com as matanças e
decapitações nos presídios.
O Estado não consegue impedir a corrupção das
polícias e demais escaninhos do aparato estatal. Classificar presos pela
periculosidade, como manda a lei, seria muito importante, se resultasse em
separação. Não é o caso. Falar em controlar fronteiras, quando não conseguimos
controlar nem o que entra nos presídios, não faz o menor sentido.
O RDD (Regulamento Disciplinar Diferenciado)
poderia ter alguma eficácia, mas a limitação no tempo de permanência sob tal
disciplinamento frustra a sua eficácia. A proibição de afastar o condenado do
seu meio social facilita a transformação dos presídios em escritórios das
organizações criminosas. Geograficamente isolados, situados, por exemplo, na
ilha da Trindade ou na serra do Cachimbo, contribuiriam para limitar o poder do
crime organizado.
A história se repete como tragédia e como
farsa cumulativamente, ao invés de alternativamente, como queria um renomado pensador
alemão do século XIX.
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