sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

ARTIGO - Uma Idade Média Macunaímica (RMR)


UMA IDADE MÉDIA MACUNAÍMICA
Rui Martinho Rodrigues*


A queda do Império Romano ensejou o domínio de poderes locais, originando os feudos. A Igreja ofereceu uma retórica “do bem”, por mais que fizesse o mal. Toda dissidência era satanizada. Chamamos a isso Idade Média.


O Estado, no Brasil, é obrigado a fazer acordos com bandidos, como testemunhamos hoje no Rio Grande Norte, e já se verificou em outras oportunidades. O controle dos bairros é feito pelos poderes locais, de natureza criminosa. O mal, como sempre, apresenta-se como “do bem”. Bandidos oferecem benesses aos moradores dos subúrbios. Intelectuais têm na ponta da língua um discurso supostamente virtuoso para legitimar o crime, invocando causas sociais.

O Estado perdeu o monopólio da força e já não pode usá-la, temendo a crítica “politicamente correta”. Os novos feudos criados pelas organizações criminosas; a falência do Estado; o discurso supostamente virtuoso; a satanização de quem, a semelhança dos hereges medievais, discorda da retórica virtuosa, lembram uma Idade Média macunaímica. O governo potiguar estaria negociando um acordo com as organizações criminosas.


Convocar o Exército é jogo de cena. Não falta força às polícias, mas condição política para usá-la. As Forças Armadas não foram chamadas para usar a força, o que torna injustificável a convocação.

Discutem-se questões relevantes. Superlotação, instalações precárias dos presídios, prisões cautelares demasiado prolongadas, falta de assistência médica e outros problemas são importantíssimos, mas não são o motivo das matanças. Bandidos em armas, dentro dos presídios, desfraldam bandeiras com as siglas das facções criminosas. Não mostram reivindicações pertinentes aos problemas citados. A guerra entre organizações é pelo controle de rotas do tráfico de drogas.


O código de honra da cavalaria medieval era um primor de virtudes; a prática dos cavaleiros, um horror. O discurso que se apresenta como politicamente correto é tão virtuoso – e tão falso – quanto o código de honra da cavalaria medieval. Os arautos do bem financiam as bárbaras organizações comprando o que elas vendem: drogas. Depois, se horrorizam com as matanças e decapitações nos presídios.


O Estado não consegue impedir a corrupção das polícias e demais escaninhos do aparato estatal. Classificar presos pela periculosidade, como manda a lei, seria muito importante, se resultasse em separação. Não é o caso. Falar em controlar fronteiras, quando não conseguimos controlar nem o que entra nos presídios, não faz o menor sentido.

O RDD (Regulamento Disciplinar Diferenciado) poderia ter alguma eficácia, mas a limitação no tempo de permanência sob tal disciplinamento frustra a sua eficácia. A proibição de afastar o condenado do seu meio social facilita a transformação dos presídios em escritórios das organizações criminosas. Geograficamente isolados, situados, por exemplo, na ilha da Trindade ou na serra do Cachimbo, contribuiriam para limitar o poder do crime organizado.

A história se repete como tragédia e como farsa cumulativamente, ao invés de alternativamente, como queria um renomado pensador alemão do século XIX.


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