segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

CRÔNICA - Bolinhas de Natal


Bolinhas de natal
Paulo Ximenes*


Se o presente é curto, o futuro traduz a incógnita. Por isso, a minha memória ecoa como um tiro. Só o passado é longo; só ele abocanha inteiramente a minha vida. Louvo o meu passado porque o meu passado sou eu.

 
Morávamos na Rua Padre Mororó, defronte ao atual Mercado São Sebastião, quando eu ia pelos meus seis anos. Éramos quatro: eu, minha irmã Ângela e os meus pais. Impressiona-me muito a nitidez das memórias de infância. Imagens tridimensionais com cheiro e cor. O calendário acusava 1956.

Antes do mês de dezembro se iniciar, como ocorreu por anos a fio, a minha mãe já armava uma grande árvore de natal. Como eu era pequenino ela parecia gigantesca, uma árvore real. Meu pai, na folga de um domingo, recortava finas camadas de algodão que fazia estender pelos galhos verdes, querendo imitar a neve; e minha mãe pendurava graciosos enfeites coloridos, principalmente brilhantes bolinhas douradas, vermelhas e prateadas.

O que me encantava mesmo era o brilho intenso delas; refletiam a minha imagem e a dos carros que passavam velozmente pela rua. Situada a árvore nas proximidades de uma pequena janela – a casa era simples – raios de sol entravam pela fresta da porta e davam justo em cima de um punhado daquelas bolinhas espelhadas. Um luzeiro forte enchia a sala.

Aqueles instantes fugazes eu nunca soube explicar. Talvez tivessem relação com a grande ansiedade em receber presentes (como meu aniversário é no dia 24 de dezembro eu deveria receber, no mínimo, dois!), ou com a possibilidade de eu flagrar o “bom velhinho” entrando sorrateiramente em meu quarto, nas caladas da noite, com o seu pesado saco de presentes, em seus trajes vermelhos, em seu trenó de renas voadoras.

Preciosa oportunidade se me afigura nesta crônica: agradecer aos meus, pais que conseguiram driblar a minha curiosidade, e não permitir que me fosse tirado o envoltório de uma inocência tão pura, deixando acesa por mais alguns anos a lenda do Papai Noel. 
Agora, quase sessenta anos depois, eis-me aqui em meu sofá, observando a montagem de uma moderna árvore de natal, a servir de encanto ao meu primeiro neto. Muito laço de fita, sinos de Belém, luzes piscantes, mas sem o algodão-neve (saiu de moda) e com bolinhas de natal de pouca resplandecência. Que ele veja nelas o mesmo brilho que eu vi em 1956.


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