SOCIEDADE, ESTADO E BARBARIA
Arnaldo Santos*
A sociedade brasileira está sob o influxo das duas
chacinas que resultaram no trucidamento de quase cem presos, com
características de barbaria, nas penitenciárias do Amazonas e de Roraima.
Para entendermos a gênese sociopolítica dessa
exacerbação da violência, a multidimensionalidade de fatores, seja pela
ausência do Estado, cedendo lugar às organizações criminosas, com seu poder
paralelo, seja pela omissão da sociedade, será preciso retroagir na história e
lançar uma visão desnuda sobre o papel estatal e o embrutecimento social e
coletivo.
O secretário nacional de políticas para a juventude,
do governo do presidente Michel Temer, pronunciou uma frase, que é emblemática
da bestialização de parte da elite política no poder. Disse ele: “Chacina como
essa tinha que haver uma por semana”. Essa frase consubstancia os valores que
gravitam ao derredor de parte de uma elite que se pode conceituar como
culturalmente analfabeta, politicamente ignorante e socialmente insensível.
Demarcando um período iniciado no século XX,
identificamos no Estado Brasileiro uma tradição malsã, onde a face mais
violenta foi e continua sendo o abandono das crianças, ainda no ventre de suas
mães, quando lhes foram (e prosseguem) negados exames pré-natal. As filas no
sistema público de saúde, para marcação de exames e/ou consultas, compõem essa
visível e cruel realidade para com os mais pobres.
Muitos dos que hoje
integram, e ou ainda vão pertencer a essas organizações criminosas, ao
nascerem, quase sempre sob o signo da miséria e com as sequelas das drogas
consumidas por suas mães, além de outros desajustes familiares, inauguram outra
fase desse abandono, ainda mais desalmado e violento. Isto porque, além da
segregação a que foram e/ou são submetidos, iniciam seus primeiros dias de vida
em condições subumanas, em guetos, onde muita vez o único alimento por dias e
meses é ou foi um mingau d'água, apesar dos tardios programas sociais.
Quando sobrevivem ao
primeiro ano, graças à rede de solidariedade dos vizinhos (a solidariedade é um
valor entre os mais pobres), esse abandono do Estado se agrava, pois lhes resta
negado o mínimo, como creches, escolas e assistência à saúde, para que possam
ter uma perspectiva de cidadania.
Verdade seja dita: tudo isto sob o olhar bestificado
de parte da elite política e econômica, alimentado por uma visão atávica que a
faz pensar ser credora de todos os direitos e privilégios, que sempre tiveram
do Ser Estatal, e nem uma responsabilidade social. Ética, então – a “lava jato –
responde o quão...
Claro é que o abandono a que são submetidos os do “andar
de baixo”, a corrupção na estrutura da segurança, incluindo setores do Poder
Judiciário, somados à omissão e à insensibilidade social de parte da sociedade,
não justificam essa barbárie, mas têm relação direta com insegurança e
violência, a que todos estamos sujeitos, e não os exime de suas
responsabilidades, no tamanho e na proporção que lhes cabem.
A releitura e a internalização dos valores sociais do pensamento do professor Darcy Ribeiro oferece ao Presidente da República, aos governadores e prefeitos, a segunda oportunidade de optarem pela construção de escolas ou presídios. Qual será a opção?
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