segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

ARTIGO - Sociedade, Estado e Barbaria (AS)


SOCIEDADE, ESTADO E BARBARIA
Arnaldo Santos*


A sociedade brasileira está sob o influxo das duas chacinas que resultaram no trucidamento de quase cem presos, com características de barbaria, nas penitenciárias do Amazonas e de Roraima.

Para entendermos a gênese sociopolítica dessa exacerbação da violência, a multidimensionalidade de fatores, seja pela ausência do Estado, cedendo lugar às organizações criminosas, com seu poder paralelo, seja pela omissão da sociedade, será preciso retroagir na história e lançar uma visão desnuda sobre o papel estatal e o embrutecimento social e coletivo.

O secretário nacional de políticas para a juventude, do governo do presidente Michel Temer, pronunciou uma frase, que é emblemática da bestialização de parte da elite política no poder. Disse ele: “Chacina como essa tinha que haver uma por semana”. Essa frase consubstancia os valores que gravitam ao derredor de parte de uma elite que se pode conceituar como culturalmente analfabeta, politicamente ignorante e socialmente insensível.

Demarcando um período iniciado no século XX, identificamos no Estado Brasileiro uma tradição malsã, onde a face mais violenta foi e continua sendo o abandono das crianças, ainda no ventre de suas mães, quando lhes foram (e prosseguem) negados exames pré-natal. As filas no sistema público de saúde, para marcação de exames e/ou consultas, compõem essa visível e cruel realidade para com os mais pobres.

Muitos dos que hoje integram, e ou ainda vão pertencer a essas organizações criminosas, ao nascerem, quase sempre sob o signo da miséria e com as sequelas das drogas consumidas por suas mães, além de outros desajustes familiares, inauguram outra fase desse abandono, ainda mais desalmado e violento. Isto porque, além da segregação a que foram e/ou são submetidos, iniciam seus primeiros dias de vida em condições subumanas, em guetos, onde muita vez o único alimento por dias e meses é ou foi um mingau d'água, apesar dos tardios programas sociais.

Quando sobrevivem ao primeiro ano, graças à rede de solidariedade dos vizinhos (a solidariedade é um valor entre os mais pobres), esse abandono do Estado se agrava, pois lhes resta negado o mínimo, como creches, escolas e assistência à saúde, para que possam ter uma perspectiva de cidadania.

Verdade seja dita: tudo isto sob o olhar bestificado de parte da elite política e econômica, alimentado por uma visão atávica que a faz pensar ser credora de todos os direitos e privilégios, que sempre tiveram do Ser Estatal, e nem uma responsabilidade social. Ética, então – a “lava jato – responde o quão...

Claro é que o abandono a que são submetidos os do “andar de baixo”, a corrupção na estrutura da segurança, incluindo setores do Poder Judiciário, somados à omissão e à insensibilidade social de parte da sociedade, não justificam essa barbárie, mas têm relação direta com insegurança e violência, a que todos estamos sujeitos, e não os exime de suas responsabilidades, no tamanho e na proporção que lhes cabem.

Antevendo essa selvageria a que chegaríamos, o antropólogo Darcy Ribeiro, em 1982, afirmou: “Se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”. 

A releitura e a internalização dos valores sociais do pensamento do professor Darcy Ribeiro oferece ao Presidente da República, aos governadores e prefeitos, a segunda oportunidade de optarem pela construção de escolas ou presídios. Qual será a opção? 





Nenhum comentário:

Postar um comentário