O ESTRANHO QUE IMITA RUÍDOS
Altino Farias*
Parecia inofensivo ao balcão
do bar. Tomava alguma coisa de forma pausada, metódica e ritmada. Roupas
escuras e ar circunspecto completavam sua aparência observada por outro bebedor
balconista, que ansiava por um bom papo, por isso prestara atenção naquele
estranho.
Antes que se aproximasse dele,
porém, o estranho sacou um pequeno aparelho do bolso do casaco. Não se tratava
de um celular, nem rádio ou gravador, mas, com a boca próxima a ele, parecia comunicar-se
com alguém. Curioso, nosso bebedor aproximou-se discretamente do estranho,
constatando que ele pronunciava ruídos ao invés de palavras, fosse de que
idioma fosse. Ruídos ininteligíveis!
Intrigou-se com aquilo. Tomou
mais um trago. Agora o estranho calara-se. Outra dose, a conta e foi embora,
tentado esquecer o que presenciara. Tarde demais!
Sentiu-se perseguido a partir
de então. Vigiado. Recebeu mensagens de áudio pelo celular. Ruídos, apenas.
Semelhantes aos que ouvira sair da boca do estranho. Intrigado, levou o
aparelho a um amigo especialista em sons. Ondas sonoras analisadas
cuidadosamente por computador, somente ruídos sem forma ou sentido.
Abordado na rua por outro
estranho, foi conduzido a um pequeno apartamento no centro da cidade. Inexplicavelmente
ele deixou-se ser levado sem questionamentos. Dissidências existem em todo
lugar, em todas as situações, então, na condição do mais absoluto sigilo, o
estranho, deixando a linguagem de ruídos de lado, contou-lhe segredos dos seus
pares, que culminariam com o domínio do planeta Terra e sua total
transformação, com a qual não mais seria possível a sobrevivência humana. Quem
eram estes seres? Ah, isto não lhe foi revelado.
A ideia consistia,
inicialmente, na destruição de todas as fontes de geração de energia através de
dispositivos desconhecidos dos humanos, mas que foram explicados ao nosso
inocente bebedor de balcão, bem como o plano completo do dissidente para evitar
que tal catástrofe dizimasse a raça humana da Terra. Sentiu o peso de toda a
humanidade em seus ombros. Teria de agir sozinho e em segredo para obter êxito,
era a condição. “Por que eu? Só queria tomar mais duas ou três doses e um bom
papo... tá certo, tá certo... umas seis ou oito, que fossem, mas só isso...”.
Agora ele tinha a obrigação de salvar o planeta. E sozinho!
Os dias que se seguiram foram
de apreensão. Cada tarefa ditada pelo estranho dissidente, um prazo a cumprir.
“Será que realmente ele é ‘do bem’, conforme disse? Ou está me usando como
ferramenta para fuder tudo?”, questionava-se. Sem alternativas, uma passada no
bar para duas ou três doses todo dia tornou-se absolutamente necessária tamanha
a tensão que passara a viver.
O dia “D” chegara. Tarefas
esdrúxulas a cumprir, prazos exíguos. Esforço redobrado, um esforço por toda a
humanidade. Trabalhos encerrados conforme o exigido pelo estranho que emitia
ruídos, tudo continuou exatamente como d’antes. Dera certo, enfim! Chegou em
casa exausto. Um gole de bebida forte e jogou-se na cama. Dormiu o sono dos
justos. Ele acabara de salvar o mundo, mas ninguém sabia, e jamais saberia! Nem
mesmo o pessoal do bar...
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