sábado, 27 de agosto de 2016

ARTIGO - Processo Frankenstein (RV)

UM PROCESSO
“FRANKENSTEIN”

PUNINDO ERROS POLÍTICOS
UTILIZANDO MEIO JURÍDICO

O processo de impeachment que está em curso no Brasil obedece a um rito “Frankenstein”, já que se pretende político e jurídico, e estes dois conceitos são tão distintos e paralelos que nem no infinito se encontram. 

Ora, durante as atípicas sessões de julgamento os senadores se convertem em “juízes”, o que é uma qualificação absurda, já que eles não possuem o principal atributo da magistratura, qual seja a isenção, a imparcialidade, a equidistância.

E se reúnem para ouvir testemunhas, que nada mais são do que expertos em economia, ou em Direito, cada um deles partidário de quem fez o seu arrolamento, e que nada mais faz do que externar sua opinião ideológica. Malgrado, testemunha deve ser alguém isento, que presenciou o fato controverso nos autos, ou que sobre ele ouviu coisas relevantes.

As pessoas intimadas ou convidadas em juízo para elucidar detalhes técnicos são peritos, ou são amicus curiae, requisitados pelo juízo – jamais são testemunhas arroladas pelas partes. Toda sorte, neste processo de impeachment não há mais que se discutir “questões de fato”, mas apenas “questões de Direito”, de modo que, a rigor, descaberiam testemunhos.

Defendem os partidários do Governos que os decretos não autorizados foram editados pelos motivos administrativos e sociais os mais relevantes, o que não tem força para elidir a sua condição de crime. É como se alguém assaltasse pessoas para doar o produto dos seus delitos a instituições de caridade, e com base nisso pretendesse se manter inocente e impune.
 
Dizem também que as “pedaladas”, em que instituições financeiras controladas pelo Governo foram obrigadas a custear programas sociais e empréstimos subsidiados, em montantes astronômicos, durante meses e anos, para quitação posterior, não são as “operações de crédito” vedadas pela lei, mas apenas “operações fiscais”.

De fato, as “pedaladas” não são contratos de mútuo, que se verificam nas operações de créditos tradicionais, até porque a Presidente não foi aos birôs dos gerentes dos bancos fazer o cadastro e pedir empréstimos. Mas as pedaladas constituíram uma maneira transversa de o Governo se financiar, sendo especificamente isso que a lei pretende coibir.

Ao aplicar a norma jurídica, o seu intérprete não pode se ater a tecnalidades semânticas, mas identificar a chamada “intentio legis”, para ser fiel ao resultado que o legislador pretendeu produzir. E o que a Lei de Responsabilidade proíbe é que o Governo se financie por intermédio dos bancos públicos. E foi isso que foi feito. E é nisso que se constitui o crime.   

Mas, na realidade, a Sra. Presidente da República é objeto de processo de afastamento constitucional do cargo eletivo principalmente por razões políticas, tendo em vista que “fez o diabo” para conseguir a reeleição, como, por ato falho, ela mesma declarou que faria.

O Governo teve que fazer essas adulterações, porque ele cometeu erros crassos na administração das verbas públicas, permitiu a corrupção mais desvairada e praticou favorecimento descabido a empresas e instituições cooptadas para o seu projeto de poder (como está hoje escancarado pela Justiça Federal), de modo que, se revelasse a verdade, a Presidente não se reelegeria.

Assim, em face de mudanças nefastas na conjuntura internacional, o País arrostou dificuldades fiscais para os quais não se preparara, e que se fossem escancaradas a reeleição não ocorreria.

Demais disso, a chefe do Executivo e o seu partido político “aparelharam” a máquina pública com militantes não concursados, intelectualmente incapazes e sem parâmetros na ética, para que, a ferro e a fogo, lhes defendessem os interesses.

Além do mais, havendo aliciado uma grande base parlamentar, eminentemente fisiológica – que, a soldo de cargos e de emendas financeiras, aprovavam o que ela bem quisesse – a Presidente Dilma Rousseff não soube lidar com essa alcatéia de asseclas famintos, que, tratada com indiferença e arrogância, terminou por voltar-se contra ela vide Eduardo Cunha.     

Por fim, em campanha eleitoral milionária falseou a verdadeira situação das finanças do Governo, por meio de maquiagem de dados, recorrendo à chamada “contabilidade criativa”, e obteve a maioria de votos com promessas falsas e, inclusive, infactíveis – o que caracteriza captação ilícita de sufrágio e produz uma fraude à democracia.

Mas, como vige entre nós um presidencialismo canhestro, a nossa legislação não prevê nenhuma punição para o “estelionato eleitoral”, quando um candidato engana o eleitorado e, depois de eleito faça o que fizer, ou ainda não faça o que deveria – é mantido até o fim sob absoluta blindagem mandatícia.

Acontece que a Constituição Federal prevê o instituto do impeachment, que oferece uma maneira legítima de se afastar um presidente – embora por meio de um processo penosos, difícil, confuso, que admite defesa política sobre as mais claras evidências jurídicas.

Enfim, Dilma Rousseff, de fato, cometeu os ilícitos de que está sendo inquinada – e, oficialmente, é com base nesses crimes exóticos que vai ser banida do poder. Diz que os cometeu porque os seus antecessores os cometiam, o que, do ponto de vista criminal, não é argumento admissível.

E alegam os seus defensores que, quanto a isso, houve mudança na interpretação da lei, que então somente deveria valer para o futuro. Mas é a lei que não retroage, não a sua interpretação. Se a lei existe, a eventual tolerância havida antes não exime ninguém posteriormente.

Alem disso, nunca ninguém pedalara em valores tão elevados, e por um tempo indefinido – tampouco nas véspera de uma reeleição, que se baseou exatamente nas falsas estatísticas econômicas que as pedaladas permitiram.

Contudo, obviamente, do pondo de vista da História, não é por ter cometido esses delitos fiscais que a Presidente será defenestrada, mas em razão dos desmandos político-administrativos – o chamado “conjunto da obra” – que ela havia praticado e a levaram a cometer os crimes referidos.



COMENTÁRIOS:

Parabenizamos a ACLJ pelo conteúdo do blog acima e especialmente o amigo Reginaldo pelo artigo Um Processo “Frankestein” - Punindo Erros Políticos Utilizando Meio Jurídico, primorosa e instigante reflexão sobre o atual processo de  impeachment. Creio que é o melhor texto que já li referente a matéria.

José Augusto Bezerra



Esse artigo sobre o impeachment está um primor. É uma peça jurídica e também uma análise política criteriosa e oportuna. Uma autêntica “bruxaria”, no sentido usado por nós, no jargão da ACLJ.


Rui Martinho Rodrigues

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