UM PROCESSO
“FRANKENSTEIN”
PUNINDO ERROS POLÍTICOS
UTILIZANDO MEIO JURÍDICO
O processo de impeachment que está em curso no Brasil obedece a um rito “Frankenstein”,
já que se pretende político e jurídico, e estes dois conceitos são tão distintos
e paralelos que nem no infinito se encontram.
Ora, durante as atípicas sessões de
julgamento os senadores se convertem em “juízes”, o que é uma qualificação
absurda, já que eles não possuem o principal atributo da magistratura, qual
seja a isenção, a imparcialidade, a equidistância.
E se reúnem para ouvir testemunhas, que
nada mais são do que expertos em economia, ou em Direito, cada um deles partidário de quem fez
o seu arrolamento, e que nada mais faz do que externar sua opinião ideológica.
Malgrado, testemunha deve ser alguém isento, que presenciou o fato controverso
nos autos, ou que sobre ele ouviu coisas relevantes.
As pessoas intimadas ou convidadas em juízo
para elucidar detalhes técnicos são peritos, ou são amicus curiae, requisitados pelo juízo – jamais são testemunhas arroladas
pelas partes. Toda sorte, neste processo de impeachment
não há mais que se discutir “questões de fato”, mas apenas “questões de
Direito”, de modo que, a rigor, descaberiam testemunhos.
Defendem os partidários do Governos que os
decretos não autorizados foram editados pelos motivos administrativos e sociais os mais
relevantes, o que não tem força para elidir a sua condição de crime. É como se
alguém assaltasse pessoas para doar o produto dos seus delitos a instituições
de caridade, e com base nisso pretendesse se manter inocente e impune.
Dizem também que as “pedaladas”, em que
instituições financeiras controladas pelo Governo foram obrigadas a custear
programas sociais e empréstimos subsidiados, em montantes astronômicos, durante meses e anos, para quitação posterior, não são as “operações de crédito” vedadas pela
lei, mas apenas “operações fiscais”.
De fato, as “pedaladas” não são contratos de
mútuo, que se verificam nas operações de créditos tradicionais, até porque a
Presidente não foi aos birôs dos gerentes dos bancos fazer o cadastro e pedir
empréstimos. Mas as pedaladas constituíram uma maneira transversa de o Governo
se financiar, sendo especificamente isso que a lei pretende coibir.
Ao aplicar a norma jurídica, o seu
intérprete não pode se ater a tecnalidades semânticas, mas identificar a
chamada “intentio legis”, para ser
fiel ao resultado que o legislador pretendeu produzir. E o que a Lei
de Responsabilidade proíbe é que o Governo se financie por intermédio dos
bancos públicos. E foi isso que foi feito. E é nisso que se constitui o crime.
Mas, na realidade, a Sra. Presidente da
República é objeto de processo de afastamento constitucional do cargo eletivo
principalmente por razões políticas, tendo em vista que “fez o diabo” para
conseguir a reeleição, como, por ato falho, ela mesma declarou que faria.
O Governo teve que fazer essas
adulterações, porque ele cometeu erros crassos na administração das verbas
públicas, permitiu a corrupção mais desvairada e praticou favorecimento
descabido a empresas e instituições cooptadas para o seu projeto de poder (como
está hoje escancarado pela Justiça Federal), de modo que, se revelasse a verdade, a Presidente não se reelegeria.
Assim, em face de mudanças nefastas na
conjuntura internacional, o País arrostou dificuldades fiscais para os quais não
se preparara, e que se fossem escancaradas a reeleição não ocorreria.
Demais disso, a chefe do Executivo e o seu partido
político “aparelharam” a máquina pública com militantes não concursados, intelectualmente
incapazes e sem parâmetros na ética, para que, a ferro e a fogo, lhes defendessem os interesses.
Além do mais, havendo aliciado uma grande
base parlamentar, eminentemente fisiológica – que, a soldo de cargos e de
emendas financeiras, aprovavam o que ela bem quisesse – a Presidente Dilma
Rousseff não soube lidar com essa alcatéia de asseclas famintos, que, tratada com
indiferença e arrogância, terminou por voltar-se contra ela – vide Eduardo Cunha.
Por fim, em campanha eleitoral milionária
falseou a verdadeira situação das finanças do Governo, por meio de maquiagem de
dados, recorrendo à chamada “contabilidade criativa”, e obteve a maioria de
votos com promessas falsas e, inclusive, infactíveis – o que caracteriza
captação ilícita de sufrágio e produz uma fraude à democracia.
Mas, como vige entre nós um
presidencialismo canhestro, a nossa legislação não prevê nenhuma punição para o
“estelionato eleitoral”, quando um candidato engana o eleitorado e, depois de
eleito –faça o que fizer, ou ainda não faça o que deveria – é mantido até o fim sob absoluta blindagem
mandatícia.
Acontece que a Constituição Federal prevê o
instituto do impeachment, que oferece
uma maneira legítima de se afastar um presidente – embora por meio de um
processo penosos, difícil, confuso, que admite defesa política sobre as mais
claras evidências jurídicas.
Enfim, Dilma Rousseff, de fato, cometeu os
ilícitos de que está sendo inquinada – e, oficialmente, é com base nesses
crimes exóticos que vai ser banida do poder. Diz que os cometeu porque os seus
antecessores os cometiam, o que, do ponto de vista criminal, não é argumento admissível.
E alegam os seus defensores que, quanto a
isso, houve mudança na interpretação da lei, que então somente deveria valer
para o futuro. Mas é a lei que não retroage, não a sua interpretação. Se a lei
existe, a eventual tolerância havida antes não exime ninguém posteriormente.
Alem disso, nunca ninguém pedalara em
valores tão elevados, e por um tempo indefinido – tampouco nas véspera de uma
reeleição, que se baseou exatamente nas falsas estatísticas econômicas que as
pedaladas permitiram.
Contudo, obviamente, do pondo de vista da História, não é por ter cometido esses delitos fiscais que a Presidente será defenestrada, mas em razão dos desmandos político-administrativos – o chamado
“conjunto da obra” – que ela havia praticado e a levaram a cometer os crimes referidos.
COMENTÁRIOS:
Parabenizamos a ACLJ pelo conteúdo do blog acima e
especialmente o amigo Reginaldo pelo artigo Um Processo “Frankestein” -
Punindo Erros Políticos Utilizando Meio Jurídico, primorosa e instigante
reflexão sobre o atual processo de impeachment. Creio que é
o melhor texto que já li referente a matéria.
José Augusto Bezerra
Esse artigo sobre o impeachment está um primor. É uma
peça jurídica e também uma análise política criteriosa e oportuna. Uma
autêntica “bruxaria”, no sentido usado por nós, no jargão da ACLJ.
Rui Martinho Rodrigues
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