CÃES E HELICÓPTEROS
(NOVELA PSICOLOGISTA DE BASE REAL)
Reginaldo Vasconcelos
ÚLTIMO CAPÍTULO
“Eu sou Gotardo Batista, em mensagem gravada aos sequestradores de
minha filha Listerbe, através da Rádio Difusora de Lucas. Estão aqui ao meu
lado, no estúdio, o prefeito da cidade, Dr. Rômulo Galvão; o juiz da Comarca,
Dr. Aloísio Teles; o Padre Adolfo, vigário da Paróquia, e o delegado João
Alonso. Eles serão os avalistas das minhas palavras, como se não bastasse todo
o povo saber que eu não minto nunca, e que eu sempre cumpro o que prometo.
Tenho para vocês, sequestradores de Lisberte, uma notícia ruim e uma
notícia boa. A notícia ruim é a seguinte: o seu plano fracassou. Fracassou
porque vocês não vão ganhar dinheiro. Nem quinhentos mil, nem mil, nem
quinhentos, nem nada! A razão é muito simples: vocês não têm mercadoria. Minha
filha me pertence, de forma que não podem me vender o que já é meu. Levantei
uma quantia dez vezes maior do que o valor que vocês pediram, e coloquei nesta
pasta, que está aqui ouvindo a conversa.” Dizendo assim, Gotardo percutiu muito
sonoramente com a mão na referida pasta.
“Mas essa dinheirama toda é para usar contra vocês. Vocês certamente
sabem o que o dinheiro faz de bom. Mas será que sabem o que uma montanha de
dinheiro faz de ruim? Pois com esta pasta eu vou transformar os seus amigos em
traidores. Vou encher os matagais de cães farejadores.
Vou encher o céu de
helicópteros. Vou encher as estradas de atiradores de elite. Enfim, vou sentar
vocês num barril de pólvora e, em seguida, vou acender o pavio. Cada informação
a seu respeito vai valer cinquenta mil. Cada uma das orelhas de vocês vai valer
cem. Nem mesmo a sua parentada vai escapar da fúria desta pasta. Vou mandar
incendiar as casas e jogar sal sobre os terrenos.
Porém, ainda podemos fazer negócio. E esta é a boa notícia. Vocês
perderam a batalha, mas ainda não perderam a guerra. Durante a minha longa vida
no comércio tive muitos prejuízos, mas nunca quebrei, porque sempre soube o
momento de recuar”.
“Pois bem: vocês me devolvam a minha filha, sã e salva, e eu devolvo a
vida de vocês. De bonificação, ainda garanto a sua liberdade. Dou minha palavra
de honra. Vocês têm 24 horas para decidir. Se tentarem fugir, os homens vão
achar que não houve acordo e vão atirar para matar, mesmo que vocês ainda
estejam com Lisberte. Depois desse prazo de 24 horas, que termina ao meio dia
de amanhã, eu vou considerar a menina morta e vou soltar todos os diabos em
cima de vocês, abrindo a minha pasta. Agora ouçam as instruções do delegado”.
Dito isso, após um intervalo de sons esparsos, como discretos
arrastados de cadeiras e leves pigarros, falou o policial: “Os membros do grupo
que não estiverem no local do cativeiro podem se dirigir à casa do Dr. Gotardo,
em Lucas, onde serão ouvidos e depois liberados. Os que estiverem no local do
cativeiro, para sua própria segurança, não saiam, nem mesmo levando a moça.
Libertem a moça primeiro, e somente saiam do seu esconderijo quando tiverem
notícia de que ela chegou em casa. A polícia fez muitas investigações, ouviu
muita gente, e a partir de agora está posicionada. Como o Dr. Gotardo disse, se
a moça for libertada ninguém vai ser preso e ninguém vai sofrer nada”.
A
gravação acabou e os policiais e agentes particulares espalhados pela região às
centenas, fizeram inúmeros disparos, apostando na possibilidade de mais
intimidarem os membros da gangue.
FIM
O último episódio de Cães e
Helicópteros publicado no Jornal Scandalus foi intitulado “Xeque-Mate”, pondo
termo à trama do sequestro de Lisberte, a filha de Gotardo Batista, milionário
da cidade de Lucas, no sertão nordestino.
No jogo de xadrez nada sobrevém ao
xeque-mate, além da rendição irresistível da parte perdedora, e toda a história
do sequestro desenvolve-se como sobre um tabuleiro, jogando de um lado o líder
Tenente e sua gangue, e do outro Gotardo Batista e seus estrategistas.
Mas o leitor não se conformou e quis “brechar”
através da palavra “FIM”, a fim de saber, para além da cortina, o que se
desenrola na sequência. O leitor é soberano e, portanto, teve nesse epílogo o
“happy end” que nos cobrou.
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A mensagem do milionário, emitida pelo rádio, já era
esperada, e foi ouvida pelos sequestradores, reunidos no sítio de Leôncio, onde
ficava o cativeiro. Apenas o caseiro não se encontrava no local, pois fora
incumbido da aquisição de mantimentos.
O ingênuo Onofre, irmão de Leôncio, havia sumido dois dias
antes, já que fugira para a casa da sua velha mãe na capital, temeroso de que
houvesse posto todo o plano criminoso a perder. Numa crise de nervos,
trancara-se em um quarto com uma garrafa de cachaça. Mas os outros imaginavam
que ele fora preso e que já os denunciara.
Tenente demorava a admitir que “a casa caíra”. Teve ímpetos
de executar a sequestrada e fugir pela mata, mas Sheila, sua companheira, não
concordava. Seriam mortos: talvez estivessem cercados. Levar a moça como escudo
era mais sensato, mas Leôncio advertiu que era melhor desistir, que Gotardo Batista
cumpriria a sua palavra – o conhecia bem. Chamaram Lisberte, prometeram
liberta-la, exigindo dela o compromisso de que seriam indultados, conforme a
promessa de seu pai, da qual foi então informada.
Já era noite quando chegaram a uma conclusão sobre como
proceder para “desarmar a bomba”. Foram horas de muito medo. Imaginavam que a
qualquer momento o cativeiro pudesse ser invadido, embora tivessem a garantia
de um prazo de 24 horas. De toda maneira, temiam que libertando Lisberte fossem
trucidados no local, e que deixando o local fossem fuzilados. Lisberte fez
então um bilhete para Gotardo, o qual foi remetido através do caseiro, já na
madrugada, o qual fez uma légua de bicicleta e tomou o ônibus para a cidade,
desconhecendo os riscos que os outros temiam.
“Painho. Estou bem. Fui bem tratada. Os sequestradores
aceitaram o acordo e depuseram as armas. Empenhei minha palavra em que você
cumprirá a sua. Venha me apanhar em paz. Lisberte”.
Gotardo Batista cumpriu a palavra: a notícia-crime não foi
registrada oficialmente na comarca. Mas ele não quis se defrontar com os
marginais. Mandou adquirir as propriedades que tivessem – o sítio e os veículos
– e que fossem conduzidos para fora do Estado. Que ficassem por lá e que nunca
mais voltassem. “Digam-lhes que se voltarem aqui eles serão esquartejados!”.
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